25.6.07

Quem faz "uso excessivo" de consultas deve pagar mais

Catarina Gomes, in Jornal Público

Relatório revela que portugueses estão maioritariamente contra medidas sugeridas por peritos que analisaram sustentabilidade do SNS


Um doente paga por uma consulta num hospital distrital uma taxa moderadora de 2,75 euros; o preço real suportado pelo Sistema Nacional de Saúde (SNS) pela mesma consulta é de 30 euros. A comissão técnica que estudou as várias medidas que poderão garantir a sustentabilidade do sistema público propõe que quem usa excessivamente e sem justificação clínica os serviços públicos de saúde possa ser obrigado a pagar um valor mais próximo do preço real.

Exemplo: alguém que não seja doente crónico ou não tenha que fazer tratamentos prolongados poderia ter um limite de três consultas por trimestre. Acima deste limiar, teria que pagar 75 por cento do valor da consulta, o que significaria um aumento de 19,75 euros face à taxa moderadora, lê-se no documento. Segundo as tabelas do SNS, a taxa moderadora cobre apenas dez por cento do preço real do serviço.

A serem definidos critérios de uso excessivo, caberia às sociedades científicas dar orientações de utilização, refere-se.

Mas este é apenas um dos dez cenários avançados pelo relatório encomendado pelo Governo em Março de 2006 e entregue ao ministro da Saúde há cerca de quatro meses. O documento não foi ainda divulgado, pelo menos oficialmente, mas ficou disponível no blogue de um jornalista da TVI na semana passada (www.tvi.iol.pt).

O pressuposto de partida do relatório é o seguinte: o envelhecimento da população, o surgimento de novas tecnologias na área da terapêutica e do diagnóstico e o aumento de rendimento da população vão levar a uma subida constante nas despesas com saúde, como acontece noutros países.

Resultado? A continuarem os ritmos de crescimento da última década, o SNS poderá não ser sustentável. Quando? Não se sabe, tudo dependerá também do crescimento da economia nacional. O certo é que a evolução de gastos públicos com saúde tem sido maior em Portugal do que na média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE): em 2004, a média portuguesa era de 7,2, face a 6,4 por cento. Mas, nos últimos anos, a despesa com saúde do SNS tem abrandado: foi 2,9 por cento, de 2004 a 2006, face a 9,2 por cento, de 1995 a 2004.

Ida ao dentista

Das várias recomendações avançadas pelo documento, há duas que se consideram mais eficientes. Diz-se insistentemente que Portugal tem um sistema de deduções fiscais de despesas privadas de saúde mais generoso do que muitos países da OCDE, e que, contas feitas, representa cinco vezes o valor das taxas moderadoras.

Actualmente, permite-se um máximo de 30 por cento de deduções de despesas privadas, que se propõe que desça para dez por cento. Mas o mesmo documento refere que a ida ao dentista quase só é feita no sector privado (mais de 92 por cento), porque quase não há dentistas no sector público. Na Ginecologia e na Oftalmologia, 67 por cento das consultas são privadas; na Cardiologia, são 54 por cento.

Constata-se ainda que uma das medidas que seriam mais impopulares não teria grande efeito no aumento do financiamento. Uma subida de 25 por cento das taxas moderadoras traduzia-se numa redução de apenas 1,9 por cento da necessidade de financiamento do SNS.

Qualquer uma das recomendações é acompanhada por um inquérito de opinião aos portugueses. A oposição à maior parte das medidas ultrapassa os 60 por cento. No caso do aumento das taxas, estão contra 61 por cento dos inquiridos; à criação de mais taxas, opõem-se quase 64 por cento (63,81 por cento).

Curiosamente, uma das medidas que colhem mais apoio é a possibilidade de poder haver coberturas alternativas ao SNS (implicando o não recurso ao SNS): 59,4 estão de acordo, 11,35 por cento estão contra e 29,1 não têm opinião formada. Estaria, por exemplo, em causa uma situação em que os trabalhadores de uma empresa teriam subsistemas de saúde privados que sustentariam com contribuições voluntárias. Teriam os mesmos cuidados disponíveis do SNS, mas teriam que escolher. A saída do SNS seria voluntária e reversível.

Não é para já


Os onze peritos que assinam o documento são claros: "Nenhuma das medidas, por si só, tem capacidade de assegurar a sustentabilidade financeira do SNS".

O problema da viabilidade do sistema público de saúde já vem de longe e são os peritos a reconhecer que várias das medidas já constavam de algum dos quatro estudos entretanto feitos, caso do aumento dos pagamentos directos do cidadão e da limitação das coberturas pelo SNS; o primeiro foi em 1992, o último em 1998. Resta saber se alguma das medidas deste relatório irá adiante.

O ministro da Saúde, Correia de Campos, tem vindo a terreiro a dizer que nenhuma delas está, para já, em cima da mesa.

10%
Especialistas propõem um máximo de 10 por cento de deduções fiscais de despesas de saúde; hoje, são 30 por cento

Especialistas propõem um máximo de 10 por cento de deduções fiscais de despesas de saúde; hoje, são 30 por cento

61
por cento dos inquiridos não concorda com o aumento das taxas moderadoras


As principais recomendações


Do aumento das taxas moderadoras ao imposto para a saúde, como medida excepcional


Reavaliação da isenção do pagamento de taxas moderadoras, que neste momento abrange 55 por cento da população (grávidas, crianças com menos de 12 anos, dadores de sangue), mantendo apenas pessoas com pouca capacidade de pagamento e necessidade continuada de cuidados (caso dos doentes crónicos).

Aumento dos valores actuais das taxas moderadoras, pelo menos ao ritmo da inflação, baseado na capacidade de pagamento dos utentes e na valorização dos serviços.

Redução dos benefícios fiscais com despesas em saúde que se podem apresentar em IRS -passar de um tecto máximo de 30 por cento para dez por cento -, porque, nesta área, "Portugal é hoje um dos países mais generosos".

Eliminar do orçamento os subsistemas de saúde públicos - como a ADSE (com 1,3 milhões de beneficiários) ou os serviços do Ministério da Justiça, militares e polícias - ou, então, levar a que sejam auto-sustentáveis com pagamentos feitos pelos trabalhadores.

Avaliação económica prévia da entrada de novas tecnologias de diagnóstico e terapêutica no sistema público de saúde, para saber se têm "comprovado valor terapêutico", à semelhança do que já acontece com a entrada no mercado e a comparticipação de novos medicamentos.

Como medida excepcional propõe-se a criação de um imposto para a saúde obrigatório e temporário, dependente dos rendimentos do utente.