13.6.07

Banco Alimentar responde a novos tipos de pobreza

Luís Fonseca, in Diário XXI

Apesar de haver novos fenómenos de pobreza, que obrigam pessoas a pedir ajuda para ter alimentos à mesa, os idosos continuam, como antes, a ser o grupo mais necessitado e que motiva mais preocupações. O Banco Alimentar (BA) Contra a Fome da Cova da Beira completou cinco anos em Maio e as ajudas não têm parado de crescer

Em cinco anos, o número de instituições apoiadas pelo Banco Alimentar (BA) Contra a Fome da Cova da Beira mais que duplicou, tal como o número de pessoas que recebem a ajuda. Em 2002 havia mil 373 beneficiários através de 15 instituições, este ano já são mais de três mil pela acção de 35 entidades diferentes.

O quinto aniversário foi assinalado em Maio num contexto diferente daquele em que a estrutura nasceu. “O conceito de pobreza evoluiu e modificou-se”, explica Ricardo Pinheiro Alves, coordenador do BA da Cova da Beira. “Hoje, quando falamos de pessoas que necessitam de alimentos, já não falamos apenas de miséria, como há anos ou décadas atrás”.

Neste contexto enquadra-se uma situação “que nos últimos anos tem sido muito comum na Cova da Beira, de pessoas que perdem o emprego e de repente deixam de poder responder aos níveis de vida que tinham estabelecidos”, que passam por diversos créditos contraídos a que deixam de poder responder.

PROBREZA “ENCAPOTADA”

“São casos que, por vezes, não se notam. Olhamos para pessoas que, pela forma como se apresentam, parecem estar bem, mas precisam de ajuda por estarem com imensas dificuldades”, descreve aquele responsável, sendo que, nos casos de perda de emprego, “por vezes passam meses há espera do subsídio de desemprego”.
Entre as situações com que já se tem deparado, Ricardo Pinheiro Alves aponta também os casos de ajuda derivados de necessidades familiares. “Ainda há pouco tempo, uma pessoa me contactou porque uma colega de trabalho precisa de ajuda. O problema é que ela passou a suportar um outro familiar” e os rendimentos deixaram de ser suficientes.

Voluntariado sem crise

O número de voluntários que apoia as acções do Banco Alimentar contra a Fome da Cova da Beira tem crescido e chega actualmente aos 400 durante as campanhas de angariação de alimentos e aos 23 voluntários permanentes. “Nesse aspecto, a crise não se faz sentir. A realidade nacional tem evoluído e as pessoas são hoje mais sensíveis a estas questões do que eram há cinco anos atrás”, explica o coordenador.
As pessoas dispostas a ajudar surgem com especial facilidade para as campanhas de angariação em grandes superfícies - realizadas duas vezes por ano, na Primavera (Maio) e no Outono (Novembro) -, mais do que para voluntários permanentes. “As maioria das pessoas não pode ou não quer abdicar de um dia ou parte para o Banco Alimentar”, cuja actividade de recolha de alimentos se realiza ao longo de todo o ano, captando todos os dias excedentes de grandes superfícies, mercados ou outras entidades que lidam com alimentos.

Acompanhamento das instituições que recebem os alimentos
“Já tivemos que cancelar acordos”

O BA não entrega alimentos directamente a quem os consome. “Nós entregamos a instituições de solidariedade. São elas que estão no terreno e decidem a quem entregar os alimentos”. “Quando recebemos algum alerta, encaminhamos para a instituição da respectiva área”, refere Ricardo Pinheiro Alves.
De qualquer maneira, “nós acompanhamos as instituições para saber se funcionam bem ou não”. Apesar de não especificar, o coordenador do Banco revela que “já houve casos em que as instituições não funcionavam bem e tivemos que cancelar acordos”. O acompanhamento é feito através de visitas às entidades ou pedidos de informação, por exemplo, relativa à lista de beneficiários.

Aproveitando edifício inutilizado na Covilhã
Novo armazém está a ser negociado com a REFER

Entre os projectos para um futuro próximo, o Banco Alimentar da Cova da Beira pretende encontrar um novo armazém para os produtos recolhidos, uma vez que as instalações actuais, na Boidobra, “já são pequenas para as necessidades”. Actualmente estão em curso negociações com a REFER, com vista à cedência de um espaço junto à estação de caminhos de ferro da Covilhã.
“Estamos também a procurar estar presentes no Mercado Abastecedor da Cova da Beira, no Fundão, para aproveitar os excedentes que ali se encontrem”, refere Ricardo Pinheiro Alves.

Segundo o coordenador, outro passo importante seria dispor de equipamento de frio para armazenar alimentos frescos. “Uma das nossas lacunas é que não distribuímos alimentos perecíveis. Por vezes, recolhemos alguma fruta, mas tem que ser logo distribuída por falta de armazenamento em frio”. Já houve várias hipóteses em análise, mas nenhuma se concretizou devido aos custos que representa. Apesar de o Banco não dispor de nenhum elemento assalariado, a logística consome as receitas com os donativos recebidos, não deixando margem de manobra para novas despesas.

Perfil

Ricardo Pinheiro Alves chegou à Covilhã em 2000. É docente da Universidade da Beira Interior, no Departamento de Gestão e Economia, e trouxe de Lisboa a ideia de implantar na Cova da Beira um Banco Alimentar contra a Fome. “Fiz contactos com a estrutura central do Banco Alimentar, em Lisboa. Tivemos todo o apoio, só não sabíamos como a ideia ia ser aceite na Covilhã. Olhando para trás, passados cinco anos, acho que valeu a pena”, conclui.

Quem mais precisa de ajuda?

1. Os idosos
Os idosos encabeçam o grupo de pessoas necessitadas que recebem apoio do Banco Alimentar. “Já não têm possibilidade de voltar à vida activa e vivem com escassos rendimentos, porque têm uma pensão pequena e têm de suportar despesas de saúde”, nomeadamente com medicamentos. Este é o perfil típico do idoso apoiado pelo Banco, um retrato esboçado por Ricardo Pinheiro Alves.
“Há casos em que contam com as ajudas de familiares, mas há outros onde nem a família lhes vale, ou porque não se interessam ou porque também vivem em dificuldades. Nessas situações são os vizinhos ou instituições que os apoiam”, descreve o coordenador do BA.

Os idosos estão no topo das pessoas necessitadas do Banco e “encontramo-los em todo o tipo de dificuldades. E não se pense que estamos a falar apenas de meios rurais. Eles sofrem também no meio urbano”, conclui.

2. Quem perde o emprego
Depois dos idosos, são especialmente preocupantes os casos de pessoas que se vêem repentinamente sem emprego. “Normalmente têm de suportar várias dívidas sobre créditos que, de um momento para o outro, deixam de poder pagar”. “Face aos compromissos, chegam a não ter dinheiro para a alimentação”, retrata Ricardo Pinheiro Alves.

3. Alcoolismo e toxicodependência
Outro grupo engloba quem “por razões culturais gasta os poucos rendimentos que tem naquilo que não deve: álcool ou drogas”. O alcoolismo e toxicodependência requerem acompanhamento específico para serem resolvidos e até podem não deixar dinheiro que sobre para uma alimentação suficiente.