Alexandra Campos, in Jornal Público
Há três hospitais públicos com um número anormalmente baixo de doentes e outros três que, apesar de integrarem rede de neurologia, não têm, sequer, especialistas nesta área
O modelo de financiamento dos hospitais que tratam doentes com esclerose múltipla deveria ser equiparado ao adoptado para os pacientes com HIV/sida. A recomendação é feita pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS), na sequência de um estudo sobre o acesso de doentes com esclerose múltipla a consultas externas nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS). A entidade concluiu que, no conjunto dos 36 hospitais que integram a rede de referenciação de neurologia, há seis unidades com "um número anormalmente baixo" de pacientes com esclerose múltipla.
Considerando que a actual forma de financiamento "incentiva resistências por parte de alguns hospitais" em aceitar estes doentes, dada a "discrepância entre o preço pago pelo SNS e as despesas suportadas", a ERS sugere que o Estado passe a atribuir um valor mensal por cada paciente admitido a tratamento, em vez de compensar apenas os hospitais pelas consultas.
A esclerose múltipla é uma doença do foro neurológico que afecta sobretudo indivíduos entre os 20 e os 40 anos e é muito incapacitante. O problema é que, só na medicação específica, "um doente custa cerca de 10 mil euros por ano ao hospital quando este recebe do Estado, em média, apenas 2500", explica Álvaro Santos Almeida, presidente da ERS. Com o resto da medicação, cada doente custa entre 11,5 e 23 mil euros por ano.
O levantamento foi motivado por uma denúncia efectuada por uma neurologista num jornal da especialidade, há um ano. Segundo a especialista, havia doentes que "iam parar a hospitais centrais" porque algumas unidades SA dificultavam o acesso às consultas. A ERS não identificou casos concretos dessa vez, admite Álvaro Almeida, mas também não era esse o seu objectivo. "Não queremos saber aqui quem são os bandidos", justificou, notando embora que o Ministério da Saúde - para quem o relatório foi enviado há uma semana - sabe quais são os hospitais em causa.
Mais tarde a Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos voltou à carga, enviando uma participação de outra médica. A ERS quis então avaliar até que ponto os doentes estavam bem distribuídos no país. E encontrou variações muito significativas. "Há hospitais com dez vezes mais doentes do que seria de esperar", afirma Álvaro Almeida.
Apesar de parte da variabilidade se justificar por vários factores, há três unidades com um número de doentes muito baixo, concluindo a ERS que "existirão [ali] dificuldades anormais de acesso". Há ainda três hospitais que, apesar de integrarem a rede de referenciação, não dispõem de unidade de Neurologia nem de especialistas. Por não tratarem os doentes que deveriam tratar, poupam por ano cerca de 3,7 milhões de euros. Delineada em 2001, a rede deve, pois, ser avaliada e, eventualmente, remodelada, recomenda a ERS.
Actualmente há cerca de 3500 doentes em tratamento, embora se estime que o número de pacientes ascenda a mais de cinco mil. Só com a medicação a despesa global do SNS é de 3,5 milhões de euros por ano, mas Álvaro Almeida calcula que, considerando as consultas e outros custos, seja superior a 50 milhões.
Para o presidente da Associação de Doentes com Esclerose Múltipla, João Casais, o problema deve ter mais a ver com a falta de neurologistas especializados nesta patologia do que com questões de financiamento. "Se um hospital não tiver consultas multidisciplinares, é preferível desviar os doentes para os locais onde estes possam ser tratados com qualidade", defende.
3500
é o número de doentes com esclerose múltipla em tratamento nos hospitais
públicos
50
milhões de euros é o montante global estimado da despesa anual com estes pacientes
6
hospitais analisados apresentam um número anormalmente baixo de doentes com esclerose múltipla
3,7
milhões de euros é o total da poupança estimada nestes seis hospitais