21.6.07

A nova geração de líderes europeus está determinada em evitar um fracasso e em pôr em prática a sua visão da Europa

Teresa de Sousa, in Jornal Público

A simpatia dos europeus pela Europa está aos níveis mais altos dos últimos dez anos. A economia europeia dá sinais consistentes de retoma, com a locomotiva alemã a ganhar velocidade. Nas grandes capitais europeias, uma nova geração de líderes, que não se digladiaram por causa do Iraque, parece mais determinada a insuflar à Europa uma nova confiança. Razões que bastem para acreditar que será num novo ambiente, muito mais positivo, que os líderes europeus se reúnem a partir de hoje numa daquelas cimeiras que, para o bem ou para o mal, ficará na história como decisiva. Ainda pode correr mal, mas a diferença é que ninguém parece querer que isso realmente aconteça.

Jacques Chirac, Gerhard Schroeder e Tony Blair, que protagonizaram a crise iraquiana, saíram ou estão de saída. Em seu lugar, Nicolas Sarkozy, Angela Merkel e Gordon Brown partilham, apesar das suas diferenças, uma visão mais próxima do que deve ser a Europa do século XXI e como deve tentar influenciar a reconfiguração do mundo globalizado. Os três vêem os Estados Unidos como aliados e não como rivais. Os três comungam do mesmo espírito reformista em relação à agenda europeia. Os três chegaram ao poder interessados em sarar as feridas abertas pela crise iraquiana e em dar à Europa um maior protagonismo internacional. Se somarmos a este trio o homem que lidera a Comissão Europeia, igualmente atlantista, liberal e europeísta, não é difícil concluir que existe hoje uma constelação política europeia como há muito não se via.

Angela Merkel, a chanceler alemã, joga neste Conselho Europeu, a que presidirá, a sua confirmação como a líder que conseguiu retirar a Europa da letargia, marcando o regresso da Alemanha à liderança europeia. Nicolas Sarkozy, na sua esteira, quer marcar o regresso da França ao centro político da Europa. No terceiro vértice deste triângulo que se apresenta como potencialmente virtuoso está, porventura, a maior interrogação. Tony Blair, que fará as suas despedidas em Bruxelas, deixa uma dupla marca: uma Europa muito mais influenciada pelas suas ideias e um país, apesar de tudo, mais reconciliado com o seu estatuto europeu. É esta, precisamente, a escolha que o seu sucessor tem de fazer a tempo desta cimeira: manter ou desbaratar este legado. Disto dependerá, em grande medida, o seu resultado e o futuro da própria Europa.

Merkel: a confirmação

A sua estreia em Dezembro de 2005 não podia ter sido mais auspiciosa. Chegou, viu e venceu com um charme e um pragmatismo que são a sua imagem de marca e que chegaram, somados ao peso da própria Alemanha, para desatar os nós que impediam um acordo em torno do orçamento plurianual da União. Deve-se-lhe a decisão de acabar com o "estado de coma" europeu, eufemisticamente chamado de "período de reflexão", que se seguiu à crise da Constituição. Elegeu como prioridade da Alemanha a resolução da questão do tratado. Aproximou a Europa da América e distanciou-a da Rússia. Lançou uma nova agenda energética e das alterações climáticas. Hoje, em Bruxelas, terá de novo de operar o milagre de pôr toda a gente de acordo sobre o que deve ser o novo tratado simplificado. É a mulher certa no lugar certo, a grande protagonista europeia, que foi capaz de recolocar a Alemanha no seu papel histórico de locomotiva europeia.

Sarkozy: a estreia
Será a estreia europeia do "super-homem" que passou a ocupar o palácio do Eliseu com a jura de fazer regressar a França ao coração da Europa. Pôs a sua energia frenética ao serviço da resolução do imbróglio constitucional que a própria França criou, multiplicando-se em encontros e iniciativas. A sua aposta europeia parece ser num "triângulo estratégico" que inclua também o Reino Unido e que, aliás, desenhou logo que venceu as eleições presidenciais de 6 de Maio: jantou com Blair, de quem é amigo, na véspera da tomada de posse, e com Angela Merkel no próprio dia em que foi empossado. Está próximo de Londres como não há memória de nenhum Presidente francês há muito tempo. E preparado para uma entente com Berlim em bases novas, menos históricas e mais pragmática.

Blair: a despedida

Será a última cimeira de Blair, depois de dez anos à mesa do Conselho Europeu e o reconhecimento unânime dos seus pares de que, apesar das vicissitudes do Iraque, foi um dos mais, se não o mais europeísta dos líderes britânicos do pós-guerra. Poderia querer fechar com chave de ouro o seu mandato de líder europeu, mas terá de o fazer em condições que não serão fáceis: sobre ele pesará constantemente a sombra do seu sucessor.

Ausente, Gordon Brwon estará presente em cada um dos seus passos. Depois de ter assinado a Constituição, Blair terá de negar coisas com que concordou para satisfazer um herdeiro menos convicto da importância da Europa para o Reino Unido e, sobretudo, determinado em não deixar que a Europa estrague a sua tão desejada estreia em Downing Street. Brown, o ausente, tem no entanto nesta cimeira uma escolha que a imprensa britânica não hesita em classificar como fundamental: ou enfrenta os tablóides (e os conservadores), que o acusarão de "vender" a Inglaterra em qualquer circunstância; ou se deixa condicionar por eles, começando com o pé esquerdo a sua gesta europeia e arriscando-se a reconduzir o seu país ao isolamento dos tempos de John Major.

Barroso: a nova confiança

José Manuel Barroso perdeu um inimigo e ganhou alguns aliados de peso. Deixou de ter em Paris um Presidente hostil, que dificilmente separava a sua imagem da célebre cimeira dos Açores. Ganhou em Berlim uma aliada com a qual tem cooperado intensamente. Liberal, tem em Londres ou nos Nórdicos ou, ainda, na "blairização" de muitos governos europeus ouvidos atentos.

Atlantista, move-se muito melhor numa Europa mais inclinada em sarar as feridas com a América, cujas potências estão finalmente de acordo quanto ao seu lugar a Ocidente. Nem tudo passará a correr bem com a França. Sarkozy já o levou a dizer, numa daquelas frases em "europês" de que já é um mestre, que "defende uma Europa que proteja mas que não seja proteccionista". Mas a boa entente que mantém com a chanceler da Alemanha e as boas relações com Londres dão-lhe a confiança necessária para um segundo mandato.