28.6.07

Parceiros sociais descontentes com propostas para mudar as leis do trabalho

João Manuel Rocha, in Jornal Público

Vieira da Silva não comenta recomendações da Comissão do Livro Branco, mas admite
"debate duro" sobre mudanças na legislação


O Governo gostaria de um consenso, mas as primeiras reacções dos parceiros sociais às propostas da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais mostram que o consenso dificilmente acontecerá e que a discussão sobre a legislação laboral poderá ser marcada pela conflitualidade.

As centrais sindicais consideram o relatório que ontem começou a ser discutido na concertação social "profundamente negativo", ao passo que a Confederação da Indústria Portuguesa elogia o documento, mas considera que "em algumas áreas fica aquém do que é necessário".

"Faremos o possível para que as soluções sejam consensuais, mas não deixaremos de legislar porque Portugal precisa alterar a legislação", disse o ministro do Trabalho, que se escusou a comentar o conteúdo "relatório de progesso" da comissão (ver texto nesta página). Vieira da Silva sublinhou que o relatório final será entregue em Novembro, após o que o Governo apresentará uma proposta aos parceiros para discussão e posterior entrega, no início de 2008, no Parlamento.

O ministro reconheceu que se trata de matéria de "enorme sensibilidade social e política" e admitiu que nos próximos meses venha a decorrer um "debate duro" . "A rigidez, a ausência de adaptabilidade, por vezes provoca a maior das mudanças que é a perda de tudo", referiu. Os objectivos do Governo, acrescentou, são adaptar as empresas, promover o emprego e modernizar as relações laborais.

Para o líder da CGTP, Carvalho da Silva, o relatório da comissão é "um "cardápio de maldades para os trabalhadores". "Esperamos que se comece a fazer alguma luz nesta discussão, porque o caminho é muito duro. Em Portugal só há uma discussão: a flexibilidade, porque a segurança é coisa nenhuma", disse ainda.

A UGT faz também uma análise "bastante negativa" do relatório. "Ataca direitos fundamentais e visa aumentar a flexibilidade no mercado de trabalho, mas não tem em conta a negociação colectiva e o combate à precariedade. Não nos parece o melhor pontapé de saída para a revisão do Código de Traablho", afirmou o secretário-geral, João Proença, que anunciou a intenção de apresentar propostas sobre a matéria até Setembro.

Do lado patronal, Francisco van Zeller, da Confederação da Indústria, elogiou o trabalho da Comissão do Livro Branco, mas considerou, sem especificar, que em algumas áreas as propostas ficam aquém do necessário. "Vai ser muito difícil um reequilíbrio das relações laborais sem mexer na Constituição", referiu. "Nada disto vai ser possível sem conflitualidade", prognosticou também.

Mais fácil despedir
- A comissão defende que "os modelos processuais do despedimento individual se têm revelado excessivamente pesados" e defende o seu aligeiramento;

- Quando o despedimento tenha como motivo a inadaptação ao posto de trabalho, a comissão considera necessário "aligeirar e clarificar" os requisitos para a cessação do contrato. "O acento tónico deve ser colocado na impossibilidade de manutenção da relação de trabalho - critério comum a todas as situações de despedimento - que, neste caso, teria origem na inadaptação ou mesmo na ineptidão do trabalhador". É considerada a possibilidade de despedimento por inadaptação no caso de "alterações na estrutura funcional do posto de trabalho, mesmo que tal não decorra de modificações tecnológicas ou nos equipamentos";

- Quando se prove que um despedimento é ilícito a solução-regra continua a ser a reintegração do trabalhador e a comissão entende que devia ser adoptado o sistema espanhol, que faz o Estado suportar o custo dos salários intercalares, quando a acção judicial se prolonga;

- No caso de despedimentos por facto imputável ao trabalhador, é proposta a redução do prazo de impugnação, que deverá diminuir do ano actual para um prazo entre três e seis meses;

- Relativamente aos despedimentos colectivos, é proposta a distinção entre as situações de encerramento total das empresas e as de redução de pessoal, apesar de, nesta fase, a comissão não estar "em condições de propor medidas concretas que traduzam essa distinção".

Fim do limite do horário de trabalho diário
- Em vez de um número diário máximo de horas de trabalho - actualmente oito, que podem ser alargadas em caso de acordo entre as partes ou regulamentação colectiva, desde que não seja ultrapassado o tecto semanal - Passariam a ser definidos na legislação apenas "os limites dos períodos normais de trabalho, semanal e anual";

- É admitida a possibilidade de "horários concentrados", o que significa que podem existir "dois ou três dias de horário prolongado, seguidos de dois ou três dias de descanso, respectivamente";

- O intervalo mínimo após cinco horas de trabalho, que actualmente é de uma hora, passaria para meia hora, mantendo-se o período máximo em duas horas.

Possibilidade de baixar salários
- A comissão entende que para além da possibilidade de mudança do trabalhador para categoria inferior, já prevista no Código do Trabalho por "necessidades prementes da empresa", possa vir a ser acordada entre o trabalhador e o empregador a "redução da retribuição". O processo teria o controlo da Inspecção-Geral do Trabalho;

- O conceito de "diuturnidade" (complemento salarial por antiguidade na empresa) é considerado obsoleto, pelo que é proposta a sua erradicação do futura legislação;

- É defendida uma clarificação legislativa que pode traduzir-se numa redução do subsídio de férias: a comissão entende que o valor do subsídio de férias deve ser igual "à retribuição base", o que deixa de lado prestações como subsídios de exclusividade, função ou outros.

Menos tempo de férias
A proposta é de 23 dias de férias - contra os actuais 22 que podem chegar a 25 em função da assiduidade do trabalhador. Por outro lado, é recomendado abandono da sanção disciplinar que prevê a "perda de dias de férias", em caso de sanção disciplinar.

Novos tipos de contrato
Serão analisados os regimes de contratação a termo e os falsos trabalhadores independentes. A comissão admite a possibilidade de vir a propor contratos de trabalho especiais já existentes noutros países, caso do "trabalho repartido" e do "trabalho intermitente".

Menos facilidades para os sindicatos
A comissão propõe uma limitação do "número de membros de direcções sindicais beneficiários de crédito de horas e de faltas justificadas". Actualmente, os dirigentes sindicais têm direito ao equivalente a quatro dias de trabalho por mês, remunerados pelo serviço ou pela empresa.