9.2.09

Preço de produtos alimentares pode estar empolado

João Paulo Madeira, in Jornal de Notícias

Queixa alerta para margens garantidas que geram inflação encapotada. Concorrência tem caso há um ano


A Autoridade da Concorrência tem em sua posse, há mais de um ano, uma denúncia sobre a formação irregular de preços na distribuição alimentar. A queixa visa a cooperativa Uniarme, por alegado favorecimento à Jerónimo Martins.

A principal actividade da Uniarme consiste na aquisição, armazenamento e fornecimento de bens e serviços aos seus associados - retalhistas e grossistas do sector alimentar. É o intermediário entre os fornecedores de produtos alimentares e os distribuidores grossistas e retalhistas, seus associados.

Na queixa entregue à Autoridade da Concorrência, a que o JN teve acesso, a Uniarme é acusada de dar condições contratuais diferentes às empresas suas associadas que integram o grupo Jerónimo Martins. Através de um complemento ao contrato de fornecimento, que vigora apenas para aquele grupo de empresas, seriam estabelecidas condições de pagamento específicas para os distribuidores da Jerónimo Martins.

Segundo o conteúdo da queixa, aquele procedimento configurará um esquema de margens garantidas. A cooperativa e o grupo Jerónimo Martins são acusados de "actuação desleal concertada" e de negociar a concessão de descontos em que é assegurada uma margem de lucro nas revendas, independentemente da flutuação de preços no mercado.

Ainda de acordo com o documento, este esquema permite que as empresas da Jerónimo Martins tivessem preços finais mais baixos, mas faz com que outros operadores do mercado alimentar os tenham mais altos. Para compensar as condições mais vantajosas dadas àquele grupo, os fornecedores impõem valores mais altos aos restantes distribuidores, de menor dimensão, sob alegada "pressão" da Uniarme.

Por sua vez, esta prática faz com que os fornecedores pressionem os restantes associados da cooperativa a aceitarem condições contratuais mais onerosas, inflacionando os preços noutras cadeias de distribuição, como os Cash&Carry que fornecem o comércio tradicional.

De acordo com a denúncia, entre os fornecedores que "compactuam" com a direcção da Uniarme e as empresas da Jerónimo Martins estão a Lactogal (que vende Gresso, Agros e Mimosa), a Danone, a Nestlé ou a Refrige, que produz a Coca-Cola em Portugal.

De resto, o documento alerta que vários dirigentes da Uniarme estão ligados ao grupo Jerónimo Martins. É o caso de José Luís Clemente Quinta, presidente da cooperativa e representante do Cash&Carry Recheio, e de Manuel José Gonçalves Ferreira, vogal da direcção e representante do Pingo Doce.

Contactado pelo JN, o grupo Jerónimo Martins declinou comentar o caso, alegando que a queixa visa a Uniarme. A cooperativa não respondeu às questões colocadas pelo jornal. A Autoridade da Concorrência não esclareceu que procedimentos e diligências foram tomadas desde que recebeu a denúncia.