9.2.09

"A rigidez do mercado de trabalho em alguns países acelerou os despedimentos"

Ana Rute Silva, in Jornal Público

António Peñalosa, secretário geral da Organização Internacional dos Empregadores (OIE), diz que o Estado deve devolver confiança ao mercado


O porta-voz da OIE - que se junta hoje em Lisboa e reúne associações patronais de 140 países (incluindo a Associação Industrial Portuguesa e a Confederação da Indústria Portuguesa) - afirma que a crise obrigou as empresas a fazer "ajustes inevitáveis" na força laboral. Numa entrevista ao PÚBLICO por e-mail, Antonio Peñalosa defende melhor regulação e diz que o proteccionismo é o pior aliado para enfrentar uma crise.

A única solução das empresas para ultrapassar a crise é despedir trabalhadores?

Na maior parte dos casos, os despedimentos reflectem uma situação crítica e de limite dentro das empresas. Quando se vê obrigado a despedir, o empresário tem presente a alternativa de não o fazer e sabe quais são as consequências da sua decisão. Não reajustar a força laboral num momento como o actual poderia implicar o encerramento da empresa a curto prazo e com custos sociais muito superiores.

A actual conjuntura está a ser aproveitada para encobrir reestruturações empresariais?

Para enfrentar a crise, foram muitas as empresas que tiveram de fazer ajustes estruturais profundos. E, em algumas organizações, a crise acabou por precipitar ajustes que eram inevitáveis. Por outro lado, a rigidez do mercado de trabalho que existe em certos países fez com que, numa época como esta, se acelerassem despedimentos.

A OIE defende que as respostas só virão através das empresas. Que medidas concretas propõe?

A resposta à crise também está na mão dos empresários. Se assim não for, quem vai criar emprego e crescimento na nossa economia? A solução passa pelas empresas, e as autoridades competentes devem criar condições para que as empresas se possam recuperar, desenvolver e criar emprego. Isto inclui, entre outras coisas: uma legislação e uma regulamentação transparentes e positivas para o desenvolvimento empresarial, uma boa governança, acesso ao crédito, investimento em educação e formação profissional, políticas macroeconómicas e fiscais incentivadoras para a criação de emprego, diálogo social construtivo, uma infra-estrutura adequada e uma protecção social inclusiva.

Serão essas a linhas gerais da declaração que será apresentada hoje em Lisboa?

A Organização Internacional dos Empregadores, como instituição-
-cúpula do empresariado mundial em assuntos laborais, está a elaborar uma série de medidas de carácter universal que considera ser uma peça fundamental para reforçar a confiança e responder às necessidades das empresas e dos trabalhadores. Em muitos sectores de demasiados países a situação é crítica. É preciso unir esforços e procurar soluções em conjunto. E, na medida do possível, evitar iniciativas precipitadas que minem o dinamismo empresarial.

O que espera deste encontro?

Vai ser possível ouvir vários líderes mundiais de prestígio na comunidade empresarial, porta--vozes do patronato de várias regiões, e conhecedores dos problemas. Também será possível perceber o que está a ser feito no mundo para vencer a crise. Vai ser uma troca de experiências muito construtiva que permite transmitir uma mensagem clara e única do mundo empresarial.

Que passos serão dados depois?

Vamos reunir-nos com as várias estruturas regionais para aprofundar as respostas mais eficazes. Temos já previsto um encontro em Nairobi dentro de três meses e outro na América do Sul durante o segundo semestre. Também vamos manter um diálogo permanente com as organizações empresariais membros da OIE.

Para resolver uma crise global é preciso uma concertação internacional dos empresários?

O diálogo e a unificação de esforços são intrínsecos a uma solução para a crise. Qualquer medida nacional tem de ser coerente e complementar aos esforços de todos. E o diálogo no âmbito da empresa, do país ou das regiões é imprescindível para encontrar a solução dos problemas.

O que pensa a OIE da intervenção do Estado na recuperação das empresas?

Cometeram-se erros no mundo económico e financeiro, incluindo transgressões às normas elementares de transparência, prudência e da boa governança. Mas determinadas políticas públicas e actividades governamentais também contribuíram para a crise. As empresas, os Governos e a sociedade têm de actuar juntos para enfrentar estes fracassos. O Estado tem de intervir para devolver confiança ao sistema e criar as condições para as empresas recuperarem a sua vitalidade. Um sistema de mercado devidamente regulado é o instrumento adequado para garantir prosperidade social e económica.

Neste contexto, como é que se cria um ambiente propício para fazer negócios?

O essencial é recuperar a confiança e o dinamismo dos sistemas financeiros. Sem um sistema financeiro eficaz, a economia estagna, as empresas contraem-se e as oportunidades de criação de emprego e de riqueza desaparecem paulatinamente. Por outro lado, é fundamental que exista um clima de diálogo e de cooperação entre todos os actores da sociedade. E o Estado tem de criar as condições que já referi.
O proteccionismo económico está a crescer?

A História já demonstrou que o proteccionismo é o pior aliado para enfrentar uma crise. Isso seria ainda mais grave num mundo globalizado como o de hoje. A OIE recusa todas as formas de proteccionismo, incluindo no mercado de trabalho.
Deve combater-se essa tendência? Como?

Todos os países deviam repudiar essa tendência e a melhor forma de o fazer seria um apoio generalizado aos acordos de Doha. Daria uma mensagem inequívoca de compromisso universal para com o desenvolvimento do comércio mundial.