Céu Neves, in Diário de Notícias
Imigrantes que regressam. O século XXI iniciou-se em Portugal com o grande fluxo de imigrantes da Europa do Leste.
A maior parte veio da Ucrânia. O país sofria as consequências da crise económica devido ao colapso do regime soviético. Não havia espaço para os trabalhadores, muito menos para quem tinha um curso superior. Emigraram para Portugal. Muitos assentaram arraiais, trouxeram as famílias, regularizaram a situação. Mas muitos outros decidiram regressar às origens. As condições de vida na Ucrânia melhoraram e o desemprego subiu em Portugal. Já não se justifica a vida de imigrante
Regressam pela família. E as condições de vida melhoraram
Blocos de cimento. Prédios escuros, degradados. Habitação construída pelo regime soviético e que os ucranianos só puderam comprar após o colapso da União Soviética. Entra-se nesses prédios. Portas estragadas, degraus partidos, paredes sem tinta e elevadores com graffitis. Abre-se a porta de um apartamento. Ninguém poderia imaginar o que vai ver. Cozinha equipada com todo o tipo de electrodomésticos, mobiliário da Alemanha e da Itália, mas também da Ucrânia. Não falta o plasma e a aparelhagem Hi-Fi. É a casa de Michael Yastrub, ex-imigrante em Portugal. E quando lhe perguntamos porque regressou, é a mulher, Nadya, que responde: "Viver em Portugal? Para quê?" E percorre a casa com o olhar.
Moram no bairro Korolhova, construído há 25 anos em Chervoinograd, uma cidade de mineiros de Lviv, de onde são naturais a maioria dos imigrantes que chegam a Portugal. O casal tem um filho de 12 anos. Michael Yastrub não completou ainda três anos em Portugal, diz que o dinheiro que aqui ganhou chegou para comprar a carrinha e pouco mais. Assegura que foi a profissão de mineiro que lhe permitiu vender o T0 e comprar o T3, há três anos, por 22 mil euros. Viraram o apartamento de avesso para o poderem habitarem, há um ano. Remodelação paga com o euro português? provocamos. "Não, não é bem assim", apressa-se a esclarecer Michael.
Chegou a Porutgal no início de 2002, quando o País tinha acabado de aprovar uma lei para regularizar todos os estrangeiros, em pleno boom da imigração vinda do Leste da Europa. Veio com dois primos. E, como todos os outros, começou por trabalhar na construção civil. Há casas em Cascais, Mafra, no Barreiro e no Algarve com paredes feitas pelas suas mãos. Há um hotel em Sesimbra com reboco seu. Ganhava perto de mil euros mensais, parte dos quais enviava para a Ucrânia. E sempre a dizer a Nadya, a mulher, para o acompanhar até Portugal e trazer o filho. Ela nunca acedeu. Não quis deixar o seu país e o emprego. É fiscal de gás e ganha 250 euros mensais.
O homem acabou por regressar à Ucrânia em Novembro de 2004. Os dois primos que o acompanharam também já não estão em Portugal. Um regressou, o outro vive em Espanha.
Michael é mineiro, um trabalho duro e sem luz do dia, mas que é dos mais bem pagos no seu país, cerca de 800 euros mensais. E saudades: "A comida portuguesa é boa, a bifana é boa. Fazíamos muitos grelhados. Tenho mais pena do Algarve, de ver o mar. Vivi lá três meses. Muito bonito".
Yoroslav Danilhevich trabalhava na agricultura antes de imigrar, em 2001. E continuou a trabalhar na agricultura quando voltou, em Janeiro de 2005. Mas agora tem um terreno de 100 hectares e um tractor apetrechado com todos os utensílios para cultivar trigo. E, nos momentos em que o campo não "chama", é empreiteiro. Também a mulher, Loriana, educadora de infância não o quis acompanhar até Portugal. "Não quero voltar para lá, aqui é melhor. Estou com a mulher e os filhos, não me falta trabalho. Ando a construir casas e tenho um tractor. A situação está melhor na Ucrânia e consigo ganhar 1200 dólares (900 euros) por mês", diz.
Confirma-se. A Ucrânia parece estar toda em construção, incluindo a casa de Yoroslav. Obras de ampliação que demonstram a vida desafogada que conquistou. Até porque Portugal não foi o único país estrangeiro que conheceu. Já viveu na Rússia e na Polónia. Países que lhe deixaram boas recordações, mas nada que se compare ao oceano Atlântico de Portugal. Sobretudo o mar da Ericeira. E mostra-nos o álbum de fotos da vila piscatória e de Torres Vedras, onde andou a montar estufas. E visitou Fátima e o Porto.
Partidas da vida
Joseph Dekiyi, 50 anos, é o pedreiro da casa de Yoroslav. Também ele esteve emigrado em Portugal. Por três vezes, entre 1999 e 2004. Agora, ganha pouco mas o regresso não foi uma opção. Partidas que a vida prega. "O meu filho teve um acidente de automóvel e tive que voltar. Acabou por morrer. Não ia deixar a mulher ", conta. Tem uma filha de 27 anos, casada e com dois filhos. Foi em Faro que aprendeu a dar serventia nas obras, mas foi nos Açores e em Porto Santo que se profissionalizou como pedreiro. "Gostei muito da lha de Porto Santo. Linda!".
Uma história triste como triste é a do primo que o acompanhou até Portugal. O homem começou a sentir dores do coração. Regressou à Ucrânia, onde morreu de ataque cardíaco.
Agora, Joseph constrói um pouco do seu país. Nas zonas rurais há novas casas edificadas e velhas reconstruídas e ampliadas, casas-de-banhofeitas de raiz, pagas com os rublos dos emigrantes na Rússia ou com os euros dos de Portugal e de Itália. Nas zonas urbanas, recuperam-se prédios, fazem-se estradas e infra-estruturas. A cidade de Lviv, tal como a capital, Kiev, parece emergir de um passado recente de parcos recursos. Vai-se a tradição, os usos e o espartilho do regime soviético de onde saíram em 1991. São muitos os carros com matrículas recentes que circulam ao lado de um ou outro Lada, marca russa. Não era nada assim há dez anos, asseguram-nos.
Multiplicam-se as lojas de pronta-a-vestir e de calçado, algumas de marca cujos preços são superiores aos praticados em Portugal. A cadeia Mcdonalds é já o grande centro de concentração de jovens. O negócio parece ir de vento em pompa, embora não se perceba como é que as pessoas têm acesso aos novos consumos com os salários que alguns dizem ter, ainda muito inferiores aos dos portugueses (ver mapas).
Lviv abre-se cosmopolita e europeia, contrastando com as cidades mais rurais. Não existe saneamento básico e as retretes improvisadas ficam do lado de fora das casas e a alguns metros de distância. As mansões construídas pelos emigrantes que estão na Rússia contrastam com as vivendas que outros emigrantes vão edificando ano após ano. Os que estão na Rússia não são olhados com grande simpatia pela população local, não se esquecem depressa quase 70 anos sob o regime soviético. Menos ainda deste lado da Ucrânia, o lado posto da Rússia, junto à Polónia.
É pouca a simpatia por tudo o que tem a marca russa. O que está bem patente não só nas conversas como na crítica em forma de música: "A Rússia não nos ensinou nada... só a beber álcool", ouve-se na rádio Sokodh. E nas t-shirts oferecidas aos turistas como souvenir pode ler-se: "Graças a Deus por não ter nascido russo".
Festa da amizade
Vizinhos da Polónia, separados por uma fronteira que já teve outra divisão, as famílias ucranianas de Lviv cruzaram com as dos polacos. E, nos últimos dois anos, a fronteira é aberta para a Festa da Amizade entre os dois povos. A 30 de Agosto.
Foi nessa festa que encontrámos Serhiy Prokmnizski,28 anos. "Estava a pensar em encontrar alguém de Portugal, em ouvir falar português. Tenho muitas saudades do vosso país. Portugal está mais avançado do que a Ucrânia e lá é tudo melhor: a cerveja, os amigos". Viveu cinco no País e diz só guardar boas recordações. Então, a que se deve o regresso? "A mulher foi lá um ano e não gostou", justifica.
A mulher, os filhos, a família. É a primeira razão dada pelos imigrantes para terem regressado definitivamente ao país de origem. As companheiras não quiseram imigrar, não gostaram ou, pura e simplesmente, não conseguiram. Há quem acrescente o problema de um visto de trabalho que não se obteve ou que caducou. A dificuldade em encontrar emprego em Portugal, ao mesmo tempo que se abrem novas oportunidades na Ucrânia, é outra das justificações. A que se junta um ou outro infortúnio familiar; um ou outro período migratório difícil.
Serhiy Prokmnizski não lamenta oportunidades ou más experiências em Portugal. Sem família e outras obrigações que não fossem trabalhar numa metalurgia em São João do Estoril. Chegou a encarregado da empresa e transmite uma visão muito colorida da imigração. "Tinha o que queria do patrão, casa e carro. Nunca tive problemas. E há tempo para trabalhar e descansar; para estar com os amigos. Aqui [Ucrânia] só podemos pensar no trabalho e na família. E é tudo muito atrasado... o desenvolvimento; a política. Portugal não está muito à frente de outros países da Europa, mas está à frente da Ucrânia. Pelo menos, dez anos. Aqui é tudo muito mais caro. Paguei cem euros pela inspecção do carro [22 em Portugal ?], na escola da minha filha, pago tudo. Gostava de voltar mas o visto já caducou. Voltarei como turista. Não agora, que é muito difícil obter visto. Talvez quando entrarmos para a comunidade europeia".
A esperança de entrar na UE é visível em cada conversa. Ainda mais em Chervonograd, a umas dezenas de quilómetros da fronteira da Ucrânia com a Polónia. Serhiy está entre amigos. Munidos de bandeiras que de um lado vestem de amarelo e azul da Ucrânia e, do outro, de vermelho e branco da Polónia. Moreno, de olhos castanhos, mais rapidamente passava por português do que por ucraniano. Vive em Lviv.
Regresso à profissão
Marya Didych, 50 anos, faz compras para o jantar. Uma mercearia com três balcões, em que cada um é explorado por uma pessoa diferente. Compra chouriço e queijo num, os vinho e os refrigerantes noutro, o pão, os bolos e os doces, noutro. Tem uma casa térrea na aldeia perto de Chervonograv, cidade onde também tem um pequeno apartamento. A casa da aldeia há-de ter casa-de-banho, mas as obras de remodelação ainda só vão na zona dos quatros.
Marya viveu sete anos em Portugal, regressou em Julho de 2008. É um dos muitos exemplos das mulheres de Leste que emigram, um fenómeno não habitual em Portugal. A imigração conhecida era essencialmente a africana, comunidades em que os homens são os primeiros a emigrar. As mulheres e os filhos chegam depois. Com os novos imigrantes europeus vieram muitas mulheres logo na primeira fase, o que também acontece agora com as brasileiras.
Marya era analista e professora de biologia na Ucrânia Deixou o marido e veio para Portugal para pagar os estudos dos filhos, dois rapazes, agora com 30 e 23 anos. Os filhos acabaram os estudos, encontraram trabalho, casaram e tiveram três filhos. Marya deixou de ter razões para continuar a viver fora do seu país. "Não penso voltar a Portugal. Paguei os estudos dos meus filhos e o marido também se portou bem, não gastou mal o dinheiro", justifica. Agora tem tempo para estar com os netos e um pé-de-meia para arranjar a "casinha". As coisas têm corrido bem, à excepção da morte recente do pai. E roubaram-lhe a mala com os documentos português. Está a tentar recuperar a autorização de residência portuguesa.
Em Portugal, Marya começou por trabalhar nas limpezas, o que nunca deixou definitivamente, mas nos últimos tempos já foi para juntar ao salário que recebia como auxiliar na Escola Secundária São João do Estoril. E, enquanto que varria o chão, arrumavas as carteiras e limpava os vidros das salas de aula, foi-se apercebendo que o ensino português era pouco exigente. E quis mostrar como se ensinava no seu país, o que originou um protocolo de cooperação entre a escola portuguesa e outra ucraniana, a Academia Ginásio de Lviv, instituição pública mas que não admite mais de que um chumbo aos alunos que a a queiram frequentar. É lá que Marya se encontra actualmente. Voltou a ser professora de biologia, por 150 euros ao mês, praticamente cinco vezes menos do que ganhava em Portugal.
O centro histórico de Lviv é destino de eleição dos turistas que pretendem alargar os horizontes além da capital da Ucrânia, Kiev. Em seu redor, crescem os tais blocos de cimento, melhor ou pior frequentados. É num desses bairros que encontramos Rostilav Klimkovich, 33 anos, um caso de imigração mal sucedida. Nunca se conseguiu legalizar quando esteve em Portugal.
"É muito complicado conseguir o passaporte, o visto. E, depois, nunca consegui um contrato de trabalho. Por isso, já não penso voltar a Portugal", lamenta. Isto apesar da mãe, Nadya Fesyak, 48 anos, e a irmã, Ossana Fesyak, 18 anos, continuarem a residir em Lisboa. A mãe acaba por ser o suporte de toda a família, o que dificulta a remodelação rápida do apartamento que já comprou. A filha é estudante e Rostilav ainda não conseguiu um emprego fixo.
O homem regressou em 2002 à Ucrânia, também por causa da mulher e os dois filhos. Foi motorista nos primeiros três anos, mas ultimamente só consegue biscates nas obras. "Está difícil. Nem sempre há trabalho todos os dias", conta. E lembra-se: "Ah, o oceano, tenho saudades de Portugal. E dos amigos que lá deixei, a quem vou telefonando!"


