28.4.10

Vazio de gestão nos cuidados de saúde primários

Ivete Carneiro, in Jornal de Notícias

Unidade de missão terminou mandato no dia 14,sem qualquer indicação ministerial quanto ao futuro


A Missão para os Cuidados de Saúde Primários cessou funções no dia 14. Sem uma palavra sobre o futuro. Era a unidade encarregue de gerir a reforma em curso. Um relatório recente recomendou a reorganização da unidade gestora. Mas ninguém da missão foi ouvido.

O Ministério da Saúde remete-se pura e simplesmente ao silêncio. A unidade de missão (MCSP) que recebia, avaliava e aprovava as candidaturas para as unidades de saúde familiar (USF) e ajudou a gerir a criação de agrupamentos de centros de saúde acabou. E agora? Vários elementos da equipa, contactados pelo JN, responderam só saber que nada sabem. "A única coisa que é certa é que acabou", responde o próprio coordenador, Luís Pisco, que esteve à frente da reforma desde o seu início, há quatro anos.

E sabe-se também que o último relatório do Grupo Consultivo para a Reforma dos Cuidados de Saúde Primários, datado de Fevereiro, elogia o trabalho feito, mas enumera uma série de senãos que exigem uma reformulação da direcção estratégica. E adianta que seriam recolhidos "junto dos principais actores da reforma as suas perspectivas e contribuições", para realizar um relatório final. "Não me foi perguntado nada", garante Luís Pisco, que retoma segunda-feira a actividade clínica que suspendeu há quatro anos, na Foz do Arelho.

"Sabíamos que seria temporário", diz o médico, segundo o qual "ainda há muito por fazer" com as USF, que cobrem actualmente um terço dos portugueses. Garante que já não está disponível para continuar - "agora é tarde, as pessoas têm que reorganizar as suas vidas" - e espera que o futuro traga "uma revitalização da reforma".

"O relatório do grupo chefiado por Constantino Sakellarides reconhece que o trabalho está bem feito, mas a missão já não é o modelo de governança indicado para prosseguir com a reforma", explica o ex-coordenador da MCSP.

"Tempos decisivos"

O documento, intitulado "Tempos decisivos", concluiu que está em causa "a marca" da reforma. E a marca desta reforma, com a criação de USF (equipas multidisciplinares de formação voluntária e com autonomia de gestão, dentro dos centros de saúde), passa por definir todo um modelo sobre o qual "não se fazem concessões". Foi uma ruptura em relação à cultura tradicional, que consistia em produzir "normas legislativas sobre um futuro desejável, a partir das quais se desenham abstractamente novas organizações" no terreno, "sem cuidar de saber da capacidade real de as implementar". Marca esta cuja expectativa acaba por se diluir.

Adianta o relatório que a criação de agrupamentos de centros de saúde (ACES) foi mais neste sentido do que no tomado pelas USF. E que estas estão a ser arrastadas para as fórmulas do passado. Falta um modelo de referência para as unidades de cuidados de saúde personalizados (equipas criadas à semelhança das USF, dentro dos agrupamentos, mas sem o carácter voluntário destas), a exigência face às USF esmoreceu, há poucas unidades de cuidados na comunidade (só 5% aprovadas em 270 candidaturas), os ACES criados sem "processo de pilotagem" são desmotivantes e os sistemas de informação tardam em interligar-se. E, acima de tudo, não há "qualquer orientação" para a articulação dos cuidados primários com os hospitais - que é um dos maiores problemas da gestão de saúde em Portugal.

O relatório recomenda a criação de um conselho consultivo. E, no lugar da MCSP, defende a criação de uma "equipa dedicada e tecnicamente preparada para gerir um sistema de monitorização da reforma". Tudo isto foi escrito em Fevereiro. Dois meses depois, a MCSP desapareceu. Sem qualquer notícia sobre o futuro.