Pedro Araújo, opinião, in JN
"Queria dar de comer aos meus filhos e não tinha. Pobreza de afetos não tiveram". A descrição foi feita na primeira pessoa por Cidália Barriga, membro do Conselho Nacional de Cidadãos, e parecia um murro no estômago de quem fala de pobreza sem nunca a ter vivido na pele. O objetivo da oradora não era certamente esse, mas o lastro de realismo estabilizou o debate que teve lugar na Faculdade de Economia do Porto (FEP), no sábado, sobre "A luta contra a pobreza em Portugal: Desafios e oportunidades".
Os pobres não são apenas estatística. São pessoas, com família estruturada ou desestruturada, como todos aqueles que estão bem na vida, pelo menos no plano financeiro.
Não muito tempo antes, António Costa irrompera pelo salão nobre da FEP para denunciar a pobreza chocante que persiste em Portugal e para anunciar algumas medidas mais para minorar o flagelo social. "Cerca de 10% de quem declara rendimentos do trabalho está abaixo do limiar de pobreza", recordou o primeiro-ministro. Ou seja, a presença no mercado de trabalho nem sempre significa o acesso a uma vida digna. A precariedade explica grande parte do problema. No entanto, os trabalhadores intermitentes não serão as únicas vítimas.
"Manter o equilíbrio entre viver e sobreviver é difícil, sobretudo com os aumentos de preços ocorridos desde o início do ano", sublinhou Cidália Barriga. "Os pobres de hoje não são os pobres de ontem", acrescentou. A pobreza tem várias faces, causas e consequências. A simples capacidade de pagar uma modesta conta de supermercado não significa necessariamente estar a salvo. Se não for financeiramente possível aceder a serviços de saúde, de educação ou de cultura, a desigualdade de oportunidades é indesmentível. Essa desigualdade tende a transmitir-se de geração em geração dentro da mesma família, algo que ajuda a explicar a infeliz estabilidade da pobreza em Portugal.