Carla Soares, in JN
"A guerra afeta-nos a todos: gerir emoções e sentimentos numa situação de crise", como a ansiedade, o stresse, o desespero e o medo, é o nome de um novo documento lançado pela Ordem dos Psicólogos Portugueses devido à guerra na Ucrânia. Fazer donativos e voluntariado é uma das várias estratégias sugeridas, tal como manter rotinas, limitar a exposição a notícias para não ficarmos sobrecarregados ou, se necessário, procurar ajuda, de modo a ultrapassar problemas como dificuldade de concentração, em dormir ou em tomar decisões.
No documento, a Ordem sublinha que "todos reagimos de forma diferente a acontecimentos perturbadores e que cada um de nós tem capacidades e formas diferentes de lidar com emoções e sentimentos desagradáveis". Por isso, deixa algumas sugestões sobre como lidar com o que estamos a sentir durante esta situação de crise.
"É muito difícil, para a maior parte de nós, não nos sentirmos perturbados e preocupados com a situação da guerra na Ucrânia", explicam os psicólogos.
"É natural que ainda nos sintamos em choque". E que "nos sintamos preocupados, ansiosos, stressados, assustados, angustiados, tristes, com medo" ou mesmo "irritados, zangados e impotentes", refere a Ordem, dando conta ainda da dificuldade em concentrarmo-nos, em tomar decisões ou em dormir. Natural também é que "tenhamos receios e dúvidas acerca do futuro: quanto tempo vai durar a guerra? O que vai acontecer? Que consequências terá?", exemplifica, em seguida. Nos conselhos sobre como lidar com o que estamos a sentir, começa por referir que é preciso "aceitar as nossas emoções e sentimentos". E "é perfeitamente razoável chorar, se sentirmos vontade de o fazer".
Estratégias possíveis
A Ordem dos Psicólogos Portugueses refere o recurso a estratégias de gestão da ansiedade e do stresse. A sensação de "já não aguentarmos mais" é um "estado da nossa mente". "Podemos usar a ansiedade a nosso favor e combater os sentimentos negativos e desagradáveis que ela nos traz. Podemos experimentar algumas formas de gerir a ansiedade", sugere, por isso.
"Limitar a nossa exposição a notícias" é uma das estratégias. "Não conseguimos controlar o que se está a passar na Ucrânia, por isso não ajuda estarmos constantemente a monitorizar todos os detalhes do que está a acontecer, correndo o risco de nos sentirmos sobrecarregados e desesperados com toda a informação disponível. Pesquisar sistematicamente sobre este tema, pode aumentar a ansiedade e o medo", avisa a Ordem dos Psicólogos.
Manter rotinas e alimentar esperança
Outra sugestão é "falar com familiares e amigos. Como diz o provérbio: um problema partilhado é metade do problema. Não somos os únicos preocupados com a guerra. Partilhar aquilo que sentimos pode diminuir o nosso stresse, fazer-nos sentir apoiados e validados no que sentimos e pensamos, aumentar o nosso sentimento de confiança e a nossa energia. Falar ajuda".
"Manter uma rotina" é outro conselho no âmbito do documento divulgado pela Ordem porque "as nossas rotinas podem ajudar-nos a aumentar os nossos sentimentos de segurança e previsibilidade em tempos de incerteza".
Em seguida, sugere "realizar atividades de lazer" como "ir dar uma corrida, falar ao telefone com um amigo, saborear a nossa refeição preferida, olhar pela janela e observar a paisagem". E também aconselha a "alimentar a esperança".
"A guerra não traz apenas destruição, também provoca comportamentos pró-sociais, maior envolvimento e participação cívica, mais gratidão pelo que temos, compaixão e solidariedade, mais defesa da liberdade e da dignidade, maior respeito pela diversidade e pelos direitos humanos. Maior perceção da forma como todos estamos conectados e do modo como nos relacionamos uns com os outros, da importância da vida e do sentido que lhe atribuímos", argumentam os psicólogos.
Donativos e voluntariado
"Apoiar e contribuir" são outras palavras de ordem nesta situação de crise. "Um sentimento de esperança e propósito surge quando nos mobilizamos, enquanto comunidade, para ajudar e contribuir para o bem comum. Procurar uma forma de apoiar (através de donativos de bens ou voluntariado, doação de sangue ou mobilização das pessoas da comunidade, por exemplo) ajuda-nos a nós e aos outros, pode contribuir para atribuir um propósito ao que estamos a passar e pela mobilização que nos possibilita, aumentando a nossa perceção de controlo sobre a situação que vivemos", explica a Ordem.
Onde procurar ajuda
De qualquer modo, "procurar ajuda" mantém-se sempre como estratégia possível. "Se os nossos pensamentos e sentimentos estão a interferir significativamente com a nossa capacidade de funcionar no dia-a-dia, a afetar o nosso sono ou a dominar a nossa vida, devemos procurar ajuda. Mas também podemos procurar ajuda se acharmos uma boa ideia falar com um profissional que nos ajude a regular os nossos pensamentos e sentimentos", argumenta a Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Por fim, explica que é possível consultar informações sobre como procurar e receber ajuda. "Pedir ajuda nunca é um sinal de fraqueza, mas sim de coragem e responsabilidade", defende. A propósito, sugere o acesso à página www.encontreumasaida.pt ou, em situação de crise, aconselha a ligar para o Serviço de Aconselhamento Psicológico da Linha SNS24.
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12.4.21
Universidades seniores paradas geraram "ansiedade e tristeza"
in RR
Idosos afetados pela suspensão ou encerramento das aulas para sénios, assegura Ordem dos Psicólogos.
A suspensão ou encerramento das aulas das universidades seniores devido ao agravamento da pandemia de covid-19 em janeiro provocou "ansiedade e tristeza" nos idosos, garante a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses Renata Benavente.
A psicóloga afirma que, com o confinamento, se perderam várias rotinas diárias dos mais velhos, que, "além de estarem privados de conviver com família, ficaram com a impossibilidade de frequentar as aulas" pelas quais ansiavam.
"Observei em muitas pessoas que sigo que a perda dos contactos sociais e da oportunidade de manterem uma atividade cognitiva ativa agravou o seu estado emocional", explana Renata Benavente, em declarações à agência Lusa.
Este é o caso de Maria de Fátima Oliveira, aluna de 59 anos que frequentava as aulas de motricidade e biodança da universidade sénior de Campolide, em Lisboa, suspensas desde o início deste ano.
"Estou muito triste desde então. Tenho depressão crónica e, por isso, ando a passar por uma fase muito depressiva: choro muito e qualquer coisa me põe a chorar", confessa.
Maria de Fátima, que passa o dia sozinha, diz que, além do exercício físico que lhe era recomendado e do qual tanto gostava, lhe faz falta sobretudo o convívio com as amigas, com quem continua a manter o contacto, mas agora à distância.
"Tenho falado com as minhas colegas da universidade: fazemos videochamada, elas passam pela minha janela quando vão fazer os passeios higiénicos... Assim vamos convivendo. As meninas [coordenadoras da universidade] também vão ligando para casa para ver como estou. Se não fosse por elas passava muito mal", garante.
Raquel Moreira da Silva, uma das coordenadoras, revela que, através desses contactos, notam que quem não acompanha as aulas "online" está "com muita necessidade de conversas e de afeto", pelo que tentam manter a proximidade.
"Se não morrermos pelo vírus, morremos por solidão e ansiedade... Isto está a mexer muito connosco", partilha Maria de Fátima.
A psiquiatra Lia Fernandes sublinha que "é fundamental que os idosos tenham três grandes tipos de estimulação: a social, tendo uma boa rede de convívio e contacto permanente; a cognitiva, estando continuamente ativos a nível mental; e a física, andando de forma firme duas a três vezes por semana durante meia hora".
Como um estímulo não basta para se manterem saudáveis, a médica considera que as universidades seniores são um importante instrumento de envelhecimento ativo e de integração do idoso.
Todas as aulas práticas da universidade sénior de Campolide --- como tai chi, motricidade, yoga do riso, biodança, pano para mangas e pinturas --- tiveram de ser suspensas, mantendo-se as restantes disciplinas em regime "online".
O número de alunos inscritos desceu de 80 para 14 devido, em parte, às aptidões e condições dos alunos em casa, mas também porque "o que lhes fazia participar nas aulas era saírem de casa e ir até à Junta [de Freguesia]: o convívio entre todos", elucida Inês Brito, também coordenadora da universidade.
Idosos afetados pela suspensão ou encerramento das aulas para sénios, assegura Ordem dos Psicólogos.
A suspensão ou encerramento das aulas das universidades seniores devido ao agravamento da pandemia de covid-19 em janeiro provocou "ansiedade e tristeza" nos idosos, garante a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses Renata Benavente.
A psicóloga afirma que, com o confinamento, se perderam várias rotinas diárias dos mais velhos, que, "além de estarem privados de conviver com família, ficaram com a impossibilidade de frequentar as aulas" pelas quais ansiavam.
"Observei em muitas pessoas que sigo que a perda dos contactos sociais e da oportunidade de manterem uma atividade cognitiva ativa agravou o seu estado emocional", explana Renata Benavente, em declarações à agência Lusa.
Este é o caso de Maria de Fátima Oliveira, aluna de 59 anos que frequentava as aulas de motricidade e biodança da universidade sénior de Campolide, em Lisboa, suspensas desde o início deste ano.
"Estou muito triste desde então. Tenho depressão crónica e, por isso, ando a passar por uma fase muito depressiva: choro muito e qualquer coisa me põe a chorar", confessa.
Maria de Fátima, que passa o dia sozinha, diz que, além do exercício físico que lhe era recomendado e do qual tanto gostava, lhe faz falta sobretudo o convívio com as amigas, com quem continua a manter o contacto, mas agora à distância.
"Tenho falado com as minhas colegas da universidade: fazemos videochamada, elas passam pela minha janela quando vão fazer os passeios higiénicos... Assim vamos convivendo. As meninas [coordenadoras da universidade] também vão ligando para casa para ver como estou. Se não fosse por elas passava muito mal", garante.
Raquel Moreira da Silva, uma das coordenadoras, revela que, através desses contactos, notam que quem não acompanha as aulas "online" está "com muita necessidade de conversas e de afeto", pelo que tentam manter a proximidade.
"Se não morrermos pelo vírus, morremos por solidão e ansiedade... Isto está a mexer muito connosco", partilha Maria de Fátima.
A psiquiatra Lia Fernandes sublinha que "é fundamental que os idosos tenham três grandes tipos de estimulação: a social, tendo uma boa rede de convívio e contacto permanente; a cognitiva, estando continuamente ativos a nível mental; e a física, andando de forma firme duas a três vezes por semana durante meia hora".
Como um estímulo não basta para se manterem saudáveis, a médica considera que as universidades seniores são um importante instrumento de envelhecimento ativo e de integração do idoso.
Todas as aulas práticas da universidade sénior de Campolide --- como tai chi, motricidade, yoga do riso, biodança, pano para mangas e pinturas --- tiveram de ser suspensas, mantendo-se as restantes disciplinas em regime "online".
O número de alunos inscritos desceu de 80 para 14 devido, em parte, às aptidões e condições dos alunos em casa, mas também porque "o que lhes fazia participar nas aulas era saírem de casa e ir até à Junta [de Freguesia]: o convívio entre todos", elucida Inês Brito, também coordenadora da universidade.
3.3.21
Há hospitais com mais jovens com ansiedade e outros casos “mais graves”
Maria João Lopes, in Público on-line
Idas às urgências diminuíram de uma forma geral, mas há unidades com casos mais graves. No Hospital Dona Estefânia, o número de crianças e jovens que chegou à urgência e que teve contacto com a pedopsiquiatria, com problemas de ansiedade e humor, aumentou quase 50% no início do ano, em comparação com dois primeiros meses do ano passado.
Foi durante a pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 que a adolescente foi à consulta de pedopsiquiatria do Hospital Pediátrico do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) com crises de ansiedade. Dizia-se receosa em ir à escola por medo de apanhar o vírus. Depois, o segundo confinamento impôs-se e a jovem, agora em casa, viu aquela ansiedade diminuir. Mas começou a falar em cansaço psicológico, queixava-se de isolamento. Estava com uma depressão. Outra adolescente com anorexia começou a demonstrar uma nova preocupação: o receio de apanhar o vírus e transmiti-lo à mãe que, trabalhando num lar, poderia contagiar os utentes.
Estes são apenas alguns casos contados pela directora do serviço de pedopsiquiatria do CHUC, Carla Pinho, para ilustrar a forma como a pandemia se infiltra nas aflições dos mais jovens. “Sem dúvida que a pandemia e o confinamento têm impacto negativo na saúde mental de crianças e jovens e vai piorar mais tarde. Na região Centro, e cá no pediátrico, e não só na pedopsiquiatria, estamos todos preocupados com os efeitos desta pandemia nas crianças e jovens e com as medidas que devem ser tomadas. Estarem fechados desorganiza as crianças e jovens e os efeitos não são imediatos, vão aparecendo”, diz.
No Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, o número de crianças e jovens que chegou à urgência e que teve contacto com a especialidade de pedopsiquiatria, com problemas de ansiedade e humor, aumentou quase 50% no início deste ano, num período de restrições mais apertadas, quando comparado com igual período do ano passado, antes da presença do vírus no país ter perturbado o quotidiano das famílias.
Já no Hospital Pediátrico do CHUC, apesar de a ansiedade ter descido no período pandémico, embora continuando prevalente, os casos de tentativas de suicídio e de perturbações de comportamento alimentar que chegaram à urgência, durante a pandemia, foram “mais graves”, diz Carla Pinho. No Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), no Porto, a percentagem de diagnósticos na urgência pediátrica por perturbações de ansiedade passou a barreira dos 70%, onde estava antes da pandemia, para os 76%.
Estes são apenas alguns dados ou sinais particulares que chamam a atenção destes especialistas, mesmo que, de forma geral, se registem quebras em inúmeros indicadores. No global do país, aliás, os dados disponibilizados pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) mostram uma diminuição, pelo menos no número de episódios de urgências que levaram a internamentos, por motivos psiquiátricos, de crianças e jovens. Apesar de estes dados representarem só uma parte das entradas nas urgências desta especialidade, revelam uma diminuição de 840 internamentos (1 de Março 2019 a 31 de Janeiro 2020) para 442 (1 de Março 2020 a 31 de Janeiro 2021). A ACSS ressalva, no entanto, que, “relativamente a 2020-2021, a informação não está fechada, uma vez que o processo de codificação clínica está ainda a decorrer, tendo naturalmente influência nos dados apresentados”. Já as consultas de psiquiatria da infância e adolescência registaram um aumento nacional de 5,3%, quando se compara Março-Dezembro 2019 com Março-Dezembro 2020.
As leituras dos números exigem cautelas. Há descidas a registar, menos idas a estas urgências no geral, mas tal também pode ser explicado, em parte, por eventuais receios e até constrangimentos em ir a hospitais e mesmo por reorganizações no funcionamento de algumas unidades, por causa da pandemia.
No caso do Dona Estefânia, porém, verifica-se um aumento de 47,6% nos casos de ansiedade no início deste ano. Em menos de dois meses, houve mais 81 crianças e jovens que chegaram à urgência, e que tiveram contacto com a pedopsiquiatria, com problemas de ansiedade e humor: em Janeiro e Fevereiro de 2020 foram 170 casos (cerca de 38% do total); entre Janeiro e 24 de Fevereiro deste ano, 251 (cerca de 80%).
Aumento esperado, mas não de desvalorizar
“É uma resposta esperada a uma situação que está a ser vivida pela sociedade e que condiciona o funcionamento habitual das famílias e da vida de cada um. O que mostra, acima de tudo, é que as crianças e jovens são sensíveis à informação que corre nas notícias e nas redes sociais e, contrariamente a uma ideia um pouco instalada, estão preocupados com a pandemia, com a saúde deles e das pessoas mais vulneráveis. É uma resposta adaptada à gravidade da situação”, diz Rita Rapazote, coordenadora da urgência metropolitana de Lisboa de pedopsiquiatria, que funciona no Dona Estefânia, hospital que recebe crianças e jovens de Lisboa e Vale do Tejo e também de regiões a sul do país.
“Quando digo que estes casos de ansiedade são expectáveis, tendo em conta o contexto pandémico, não estou a desvalorizar, de todo, porque há situações muito dramáticas e, se foram à urgência mesmo em contexto de pandemia, é porque precisavam mesmo”, ressalva. “Preocupa-me, sim, porque há sempre um nível de ansiedade saudável e adaptativa, mas, nestes casos, em que vão à urgência, esse nível já foi ultrapassado pelos jovens, já foi ultrapassada a capacidade de resolver ou lidar com esta ansiedade. É preocupante, sim, mas não é de todo de espantar. É importante perceber qual a capacidade e disponibilidade que os pais têm para enquadrar tudo isto que está a ser vivido em todo o mundo”, prossegue. E nota: “A situação piorou neste segundo confinamento, porque as famílias já têm memória do que foi vivido no primeiro, vivido com esforço e relativo sucesso, mas, numa segunda ronda de tudo isto, é natural que haja menor tolerância e maior cansaço e sobrecarga nas famílias, com impacto na disponibilidade familiar e na capacidade de conter algumas angústias dos mais novos.”
No Dona Estefânia, tal como no CHUSJ ou no Pediátrico do CHUC, há quebras nestas idas a urgências na pandemia. No Dona Estefânia, de 1 de Março de 2019 a 19 de Fevereiro 2020, num ano considerado “típico”, houve 2188 casos de crianças e jovens que entraram na urgência e tiveram contacto com a pedopsiquiatria. Entre 1 de Março de 2020 a 19 de Fevereiro 2021, foram 1888. Rita Rapazote refere que “no primeiro confinamento, houve uma redução drástica das idas a urgências por receio e também pela capacidade das próprias famílias de resolverem situações de conflito, mais problemáticas” nessa altura. “No primeiro confinamento, havia uma sensação de que seria temporário. Agora, no segundo confinamento, há menos tolerância em relação à situação e, portanto, as famílias já recorrem novamente mais às urgências, tal como antes da pandemia”, diz.
Ainda assim, há uma redução nestas idas à urgência neste hospital, tanto no global da pandemia, como no início deste ano. Significa que “as situações mais graves e agudas diminuíram”: “Pode ser por haver menos situações agudas ou por as famílias terem recursos para resolver esses problemas, sem irem à urgência. E também não é de excluir que as pessoas continuem a ter receio de ir ao hospital. As próprias famílias, por ouvirem mensagens sobre um uso mais racional de todos os serviços, podem ter recorrido menos, há esta ideia de que os hospitais estão sobrecarregados e de se fazer uma utilização mais criteriosa dos serviços”, explica.
O que não se pode dizer é que a diminuição nas idas à urgência traduz melhoria na saúde mental dos mais novos: “É um salto enorme, uma conclusão que não se pode tirar. É preciso ver pedidos de consultas externas, pedidos nos centros de saúde, fora do serviço nacional de saúde, há uma série de respostas que precisam de ser consideradas e é preciso ter em conta que o sofrimento ocorre num período de tempo considerável, ainda que variável, e que ocorre antes de as famílias pedirem ajuda. A urgência dá-nos uma ideia das situações mais extremas.”
Adultos amortecem impacto na saúde mental das crianças
Rita Rapazote diz que “a maior parte dos quadros de saúde mental tem algum tempo de evolução, nem sempre são imediatos”. Mesmo assim, considera que, “a surgirem problemas de saúde mental nos mais novos, será a breve ou médio prazo”: “Não creio que vá haver nenhuma nova doença mental associada ao confinamento, pode é agudizar quadros clínicos em crianças e jovens em situações de maior vulnerabilidade. Pode acontecer em crianças e jovens que não tenham essa vulnerabilidade prévia, claro que sim, dependerá do contexto de cada caso e da forma como os adultos conseguirem apoiar e gerir estas situações e inquietações das crianças e jovens.” A responsável salienta o esforço que tem sido feito pelos adultos que tomam conta dos mais novos: “A ideia que temos é que os pais foram e são sobrecarregadíssimos, estão mais cansados do que no primeiro confinamento. A sobrecarga é para os pais mas, apesar disso, são eles, em parte, quem consegue responder e poupar os filhos e manter o nível de stress dos filhos num patamar gerível e não de doença. Os adultos estão a conseguir amortecer de forma muito importante o impacto da pandemia nas crianças e jovens.”
Olhando para os números no período que inclui este segundo confinamento, no Dona Estefânia entraram, entre Janeiro e 24 de Fevereiro deste ano, 314 crianças e jovens na urgência com contacto com a pedopsiquiatria; entre Janeiro e final de Fevereiro do ano passado, 445. Entradas por ingestão medicamentosa voluntária foram 10 no início deste ano, nove nos dois primeiros meses de 2020; por problemas de comportamento foram 112 agora e 207 antes. Estes dados relativos a ingestão medicamentosa voluntária, por problemas de comportamento, bem como de ansiedade e de humor, podem coexistir numa mesma criança, daí o total das entradas nas urgências poder ser inferior à soma destes números.
Já no Hospital Pediátrico do CHUC, embora se verifique uma diminuição de casos em termos absolutos (21 para sete), a percentagem dos problemas de comportamento no total de entradas aumentou de 16% para 23%, quando se compara o período entre Janeiro e 18 de Fevereiro do ano passado com o deste ano. Nesta unidade, grande parte dos problemas identificados sofre descidas no período pandémico, embora haja alguns aumentos percentuais. A proporção dos problemas de adaptação face ao total de episódios de urgência, por exemplo, aumentou passando de 15% (112) para 19% (53) entre o período antes da pandemia em relação ao ano pandémico.
Mas, também neste hospital, se verificou uma quebra nas idas à urgência na pandemia e no segundo confinamento: 740 de 1 de Março 2019 a 18 de Fevereiro 2020 e 276 de 1 de Março a 18 de Fevereiro de 2021. No início deste ano, entre 1 de Janeiro e 18 de Fevereiro, 30 entradas; em igual período do ano passado, 131.
“A quebra não quer dizer que a saúde mental de crianças e jovens tenha melhorado, longe disso. Por exemplo, as tentativas de suicídio e as perturbações de comportamento alimentar que apareceram na urgência, neste Janeiro e Fevereiro e na pandemia no geral, foram mais graves. Neste último caso, os jovens estavam mais debilitados, com maiores perdas de peso”, diz Carla Pinho.
Nesta estrutura de Coimbra, a ansiedade, embora com descidas na pandemia, continua prevalente em todas as fases: 217 casos de Março de 2019 a 18 de Fevereiro de 2020 e 70 em igual período de 2020/2021. Entre Janeiro e 18 de Fevereiro do ano passado e igual mês e meio deste ano, desceram de 35 para sete. “Muitas vezes, também temos crises de ansiedade relacionadas com a escola que, agora, podem estar a ser disfarçadas. Mas a ansiedade tem, sem dúvida, relação com o contexto pandémico, pode aumentar com as incertezas da pandemia. Vai havendo ansiedade por outros motivos e ela acaba por ser prevalente e, neste segundo confinamento, a par com problemas de comportamento.” Para esta especialista não há dúvidas: “Há uma certeza de que a saúde mental está em risco e vai haver agravamento e necessidade de dar uma resposta eficaz às perturbações de saúde mental que vão aumentar, nas crianças e jovens e mesmo nos familiares, por inúmeros motivos”, diz.
Cansaço “maior” neste segundo confinamento
Carla Pinho nota ainda que há episódios de ida a urgência que podem incluir um mal-estar anterior: “Vai à urgência, mas surge na sequência do que tem vindo a acontecer. Os jovens, às vezes, vão disfarçando. Às vezes, só são percebidos meses e meses depois.” E sublinha: “Neste momento, há um receio e uma incerteza. Depois de um primeiro confinamento e quase regresso à normalidade, acontece um segundo confinamento com números muito mais assustadores e há uma incerteza e um repetir do confinamento com mais dúvidas ainda, que tem impacto na maneira como tudo é vivido”.
No que toca a consultas, nesta estrutura de Coimbra, aumentaram no período global da pandemia em relação a igual período anterior, de 6977 para 7152. Um aumento provocado por mais primeiras consultas de pedopsiquiatria e mais na área das perturbações do comportamento alimentar. No período de Janeiro a 18 de Fevereiro do ano passado e o deste ano mantêm-se: 1109/1108.
Já no CHUSJ, apesar de o número absoluto de idas à urgência pediátrica ter diminuído, a percentagem de diagnósticos psiquiátricos feitos entre Janeiro e 18 de Fevereiro deste ano aumentou ligeiramente quando comparado com igual período antes da pandemia, mas apenas de 1,3% para 1,5%. As percentagens correspondem a 63 episódios com diagnóstico psiquiátrico neste início do ano em comparação com 150 no mesmo período do ano passado. No total, houve 4332 episódios de urgência pediátrica nesta última fase pandémica em comparação com 11.639 em igual período antes da pandemia. Os cinco diagnósticos psiquiátricos mais frequentes, na população infanto-juvenil que procurou esta urgência pediátrica neste início de ano (em comparação com Janeiro a 18 de Fevereiro do ano passado), foram: perturbações de ansiedade (agora, 63,5%; antes, 69%); intoxicação por substâncias psicotrópicas (agora 7,9%; antes 8%); ideação suicida, tentativa de suicídio (agora 7,9%; antes 4%); perturbações decorrentes do uso de álcool (agora, 6,3%; antes 16%); anorexia (agora, 4,8%; antes 2%).
“Houve menos idas [à urgência], mas as perturbações de ansiedade continuam em primeiro lugar, e é relevante a ideação suicida ter uma percentagem superior este ano enquanto a percentagem de perturbações decorrentes do uso de álcool foi menor, porque os jovens estão em casa mais controlados. Agora, claramente, há ansiedade. Há um pequeno aumento percentual [nos diagnósticos psiquiátricos neste início do ano] muito à custa de perturbações de ansiedade em crianças e jovens”, diz o director da Unidade Autónoma de Gestão da Psiquiatria e Saúde Mental deste centro hospitalar, Rui Coelho.
Acrescenta que, mesmo que sejam menos casos em termos absolutos, não se deve desvalorizar, porque dizem respeito a um período de tempo curto (primeiro mês e meio deste ano). Pelo contrário, é preciso “valorizar” que “esta população continua a ter uma elevadíssima perturbação de ansiedade” e também é preciso “olhar para a ideação suicida”.
Rui Coelho acrescenta: “Há dois grupos que nos começam a preocupar, a médio e longo prazo, as crianças e jovens e os idosos, isto é um pouco traumático. Não é muito claro o que se passa com as crianças e jovens. Às crianças dizem que anda aí um bichinho, nos adolescentes faz falta conviver, estar fora de casa. Nos adolescentes, a médio e longo prazo, pode perturbar uma evolução saudável a nível da saúde mental.”
Mesmo com descidas em termos absolutos ou pequenas subidas percentuais, o responsável diz-se atento: “Os números são os números, mas valorizo e preocupo-me, porque tudo isto surgiu de repente, tudo isto é novo e é um grupo particularmente frágil, tal como os idosos. Não sabemos como se vai repercutir a médio e longo prazo, que adultos vão resultar a médio e longo prazo, resultante deste ambiente, desta pandemia, destes confinamentos. E, depois, as idades são muito diferentes, 4, 8, 12, 17 anos. Mas, sem qualquer dúvida, que há um cansaço maior neste segundo confinamento.”
“É um stress dia sim, dia sim”
Sobre os adolescentes acrescenta: “A escola e o grupo são fundamentais, aprendem é fora de casa. Em casa, dependem muito da qualidade das relações familiares. E, agora, tudo isto volta a acontecer. Se calhar, este grupo etário apresenta mais inquietação e perplexidade perante a forma como isto vai evoluir, nos adolescentes é uma ruptura que leva à ansiedade. Todo este período pandémico e confinamento, neste grupo etário, acarretará potencialmente maior vulnerabilidade na área da depressão e ansiedade. Mesmo que as idas às urgências tenham diminuído, a saúde mental não melhorou, de todo. Isto é vulnerabilizante e fragilizante”, diz. E deixa uma questão: “O que vai acontecer daqui a cinco ou 10 anos a estes jovens? Os cuidados de saúde primários devem estar muito atentos.”
Se se considerar a globalidade do período pandémico, neste centro, a percentagem de diagnósticos psiquiátricos na urgência pediátrica é semelhante nos dois períodos (1,1% de Março de 2020 a 31 Janeiro de 2021 em relação a 1,2% de Março de 2019 a 31 Janeiro de 2020). As percentagens correspondem a 431 episódios na pandemia em relação a 861 episódios antes (em 38.382 episódios de urgência pediátrica no período pandémico e 70.146 antes da pandemia). O diagnóstico psiquiátrico mais frequente, na população infanto-juvenil que procurou esta urgência pediátrica foi a perturbação de ansiedade (329 casos entre 1 Março de 2020 a 31 Janeiro de 2021, ou seja, 76% do global, em comparação com 605 no período homólogo anterior, cerca de 70%). Seguem-se, com números menores, ideação suicida, tentativa suicida; perturbações decorrentes do uso de álcool; psicoses; e intoxicação por substâncias psicotrópicas.
“Apesar de menos idas a urgências, a percentagem de diagnósticos de perturbação de ansiedade subiu ligeiramente de 70% para 76%”, diz Rui Coelho. Mesmo que o número de crianças e jovens que foi à urgência tenha diminuído quase para metade no global da pandemia e quase três vezes menos no arranque deste ano, “possivelmente até por receio e limitações decorrentes da pandemia e do confinamento, ainda assim, a percentagem de diagnósticos de ansiedade manteve-se acima dos 60% nos dois períodos”. Se só vão à urgência em último caso, isso é “claramente tradutor do sofrimento” em que estão os mais novos e mostra que “deverá ser uma população alvo de seguimento a nível de cuidados de saúde primários, dando importância a profissionais da área de saúde mental nos cuidados primários, como, por exemplo, psicólogos”. “Temos de aumentar os profissionais da área da saúde mental”, defende.
Rui Coelho acrescenta: “A médio e longo prazo, se os confinamentos continuarem por muito tempo, poderá ter outros efeitos, porque as crianças e adolescentes precisam de se relacionar. Este relacionar-se com os outros é estruturante da personalidade, esta incerteza permanente não é boa para saúde mental. É um stress dia sim, dia sim, é um stress crónico, diariamente vivemos com muita incerteza. E é global. Vai deixar sequelas, penso que sim.”
Idas às urgências diminuíram de uma forma geral, mas há unidades com casos mais graves. No Hospital Dona Estefânia, o número de crianças e jovens que chegou à urgência e que teve contacto com a pedopsiquiatria, com problemas de ansiedade e humor, aumentou quase 50% no início do ano, em comparação com dois primeiros meses do ano passado.
Foi durante a pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 que a adolescente foi à consulta de pedopsiquiatria do Hospital Pediátrico do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) com crises de ansiedade. Dizia-se receosa em ir à escola por medo de apanhar o vírus. Depois, o segundo confinamento impôs-se e a jovem, agora em casa, viu aquela ansiedade diminuir. Mas começou a falar em cansaço psicológico, queixava-se de isolamento. Estava com uma depressão. Outra adolescente com anorexia começou a demonstrar uma nova preocupação: o receio de apanhar o vírus e transmiti-lo à mãe que, trabalhando num lar, poderia contagiar os utentes.
Estes são apenas alguns casos contados pela directora do serviço de pedopsiquiatria do CHUC, Carla Pinho, para ilustrar a forma como a pandemia se infiltra nas aflições dos mais jovens. “Sem dúvida que a pandemia e o confinamento têm impacto negativo na saúde mental de crianças e jovens e vai piorar mais tarde. Na região Centro, e cá no pediátrico, e não só na pedopsiquiatria, estamos todos preocupados com os efeitos desta pandemia nas crianças e jovens e com as medidas que devem ser tomadas. Estarem fechados desorganiza as crianças e jovens e os efeitos não são imediatos, vão aparecendo”, diz.
No Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, o número de crianças e jovens que chegou à urgência e que teve contacto com a especialidade de pedopsiquiatria, com problemas de ansiedade e humor, aumentou quase 50% no início deste ano, num período de restrições mais apertadas, quando comparado com igual período do ano passado, antes da presença do vírus no país ter perturbado o quotidiano das famílias.
Já no Hospital Pediátrico do CHUC, apesar de a ansiedade ter descido no período pandémico, embora continuando prevalente, os casos de tentativas de suicídio e de perturbações de comportamento alimentar que chegaram à urgência, durante a pandemia, foram “mais graves”, diz Carla Pinho. No Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), no Porto, a percentagem de diagnósticos na urgência pediátrica por perturbações de ansiedade passou a barreira dos 70%, onde estava antes da pandemia, para os 76%.
Estes são apenas alguns dados ou sinais particulares que chamam a atenção destes especialistas, mesmo que, de forma geral, se registem quebras em inúmeros indicadores. No global do país, aliás, os dados disponibilizados pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) mostram uma diminuição, pelo menos no número de episódios de urgências que levaram a internamentos, por motivos psiquiátricos, de crianças e jovens. Apesar de estes dados representarem só uma parte das entradas nas urgências desta especialidade, revelam uma diminuição de 840 internamentos (1 de Março 2019 a 31 de Janeiro 2020) para 442 (1 de Março 2020 a 31 de Janeiro 2021). A ACSS ressalva, no entanto, que, “relativamente a 2020-2021, a informação não está fechada, uma vez que o processo de codificação clínica está ainda a decorrer, tendo naturalmente influência nos dados apresentados”. Já as consultas de psiquiatria da infância e adolescência registaram um aumento nacional de 5,3%, quando se compara Março-Dezembro 2019 com Março-Dezembro 2020.
As leituras dos números exigem cautelas. Há descidas a registar, menos idas a estas urgências no geral, mas tal também pode ser explicado, em parte, por eventuais receios e até constrangimentos em ir a hospitais e mesmo por reorganizações no funcionamento de algumas unidades, por causa da pandemia.
No caso do Dona Estefânia, porém, verifica-se um aumento de 47,6% nos casos de ansiedade no início deste ano. Em menos de dois meses, houve mais 81 crianças e jovens que chegaram à urgência, e que tiveram contacto com a pedopsiquiatria, com problemas de ansiedade e humor: em Janeiro e Fevereiro de 2020 foram 170 casos (cerca de 38% do total); entre Janeiro e 24 de Fevereiro deste ano, 251 (cerca de 80%).
Aumento esperado, mas não de desvalorizar
“É uma resposta esperada a uma situação que está a ser vivida pela sociedade e que condiciona o funcionamento habitual das famílias e da vida de cada um. O que mostra, acima de tudo, é que as crianças e jovens são sensíveis à informação que corre nas notícias e nas redes sociais e, contrariamente a uma ideia um pouco instalada, estão preocupados com a pandemia, com a saúde deles e das pessoas mais vulneráveis. É uma resposta adaptada à gravidade da situação”, diz Rita Rapazote, coordenadora da urgência metropolitana de Lisboa de pedopsiquiatria, que funciona no Dona Estefânia, hospital que recebe crianças e jovens de Lisboa e Vale do Tejo e também de regiões a sul do país.
“Quando digo que estes casos de ansiedade são expectáveis, tendo em conta o contexto pandémico, não estou a desvalorizar, de todo, porque há situações muito dramáticas e, se foram à urgência mesmo em contexto de pandemia, é porque precisavam mesmo”, ressalva. “Preocupa-me, sim, porque há sempre um nível de ansiedade saudável e adaptativa, mas, nestes casos, em que vão à urgência, esse nível já foi ultrapassado pelos jovens, já foi ultrapassada a capacidade de resolver ou lidar com esta ansiedade. É preocupante, sim, mas não é de todo de espantar. É importante perceber qual a capacidade e disponibilidade que os pais têm para enquadrar tudo isto que está a ser vivido em todo o mundo”, prossegue. E nota: “A situação piorou neste segundo confinamento, porque as famílias já têm memória do que foi vivido no primeiro, vivido com esforço e relativo sucesso, mas, numa segunda ronda de tudo isto, é natural que haja menor tolerância e maior cansaço e sobrecarga nas famílias, com impacto na disponibilidade familiar e na capacidade de conter algumas angústias dos mais novos.”
No Dona Estefânia, tal como no CHUSJ ou no Pediátrico do CHUC, há quebras nestas idas a urgências na pandemia. No Dona Estefânia, de 1 de Março de 2019 a 19 de Fevereiro 2020, num ano considerado “típico”, houve 2188 casos de crianças e jovens que entraram na urgência e tiveram contacto com a pedopsiquiatria. Entre 1 de Março de 2020 a 19 de Fevereiro 2021, foram 1888. Rita Rapazote refere que “no primeiro confinamento, houve uma redução drástica das idas a urgências por receio e também pela capacidade das próprias famílias de resolverem situações de conflito, mais problemáticas” nessa altura. “No primeiro confinamento, havia uma sensação de que seria temporário. Agora, no segundo confinamento, há menos tolerância em relação à situação e, portanto, as famílias já recorrem novamente mais às urgências, tal como antes da pandemia”, diz.
Ainda assim, há uma redução nestas idas à urgência neste hospital, tanto no global da pandemia, como no início deste ano. Significa que “as situações mais graves e agudas diminuíram”: “Pode ser por haver menos situações agudas ou por as famílias terem recursos para resolver esses problemas, sem irem à urgência. E também não é de excluir que as pessoas continuem a ter receio de ir ao hospital. As próprias famílias, por ouvirem mensagens sobre um uso mais racional de todos os serviços, podem ter recorrido menos, há esta ideia de que os hospitais estão sobrecarregados e de se fazer uma utilização mais criteriosa dos serviços”, explica.
O que não se pode dizer é que a diminuição nas idas à urgência traduz melhoria na saúde mental dos mais novos: “É um salto enorme, uma conclusão que não se pode tirar. É preciso ver pedidos de consultas externas, pedidos nos centros de saúde, fora do serviço nacional de saúde, há uma série de respostas que precisam de ser consideradas e é preciso ter em conta que o sofrimento ocorre num período de tempo considerável, ainda que variável, e que ocorre antes de as famílias pedirem ajuda. A urgência dá-nos uma ideia das situações mais extremas.”
Adultos amortecem impacto na saúde mental das crianças
Rita Rapazote diz que “a maior parte dos quadros de saúde mental tem algum tempo de evolução, nem sempre são imediatos”. Mesmo assim, considera que, “a surgirem problemas de saúde mental nos mais novos, será a breve ou médio prazo”: “Não creio que vá haver nenhuma nova doença mental associada ao confinamento, pode é agudizar quadros clínicos em crianças e jovens em situações de maior vulnerabilidade. Pode acontecer em crianças e jovens que não tenham essa vulnerabilidade prévia, claro que sim, dependerá do contexto de cada caso e da forma como os adultos conseguirem apoiar e gerir estas situações e inquietações das crianças e jovens.” A responsável salienta o esforço que tem sido feito pelos adultos que tomam conta dos mais novos: “A ideia que temos é que os pais foram e são sobrecarregadíssimos, estão mais cansados do que no primeiro confinamento. A sobrecarga é para os pais mas, apesar disso, são eles, em parte, quem consegue responder e poupar os filhos e manter o nível de stress dos filhos num patamar gerível e não de doença. Os adultos estão a conseguir amortecer de forma muito importante o impacto da pandemia nas crianças e jovens.”
Olhando para os números no período que inclui este segundo confinamento, no Dona Estefânia entraram, entre Janeiro e 24 de Fevereiro deste ano, 314 crianças e jovens na urgência com contacto com a pedopsiquiatria; entre Janeiro e final de Fevereiro do ano passado, 445. Entradas por ingestão medicamentosa voluntária foram 10 no início deste ano, nove nos dois primeiros meses de 2020; por problemas de comportamento foram 112 agora e 207 antes. Estes dados relativos a ingestão medicamentosa voluntária, por problemas de comportamento, bem como de ansiedade e de humor, podem coexistir numa mesma criança, daí o total das entradas nas urgências poder ser inferior à soma destes números.
Já no Hospital Pediátrico do CHUC, embora se verifique uma diminuição de casos em termos absolutos (21 para sete), a percentagem dos problemas de comportamento no total de entradas aumentou de 16% para 23%, quando se compara o período entre Janeiro e 18 de Fevereiro do ano passado com o deste ano. Nesta unidade, grande parte dos problemas identificados sofre descidas no período pandémico, embora haja alguns aumentos percentuais. A proporção dos problemas de adaptação face ao total de episódios de urgência, por exemplo, aumentou passando de 15% (112) para 19% (53) entre o período antes da pandemia em relação ao ano pandémico.
Mas, também neste hospital, se verificou uma quebra nas idas à urgência na pandemia e no segundo confinamento: 740 de 1 de Março 2019 a 18 de Fevereiro 2020 e 276 de 1 de Março a 18 de Fevereiro de 2021. No início deste ano, entre 1 de Janeiro e 18 de Fevereiro, 30 entradas; em igual período do ano passado, 131.
“A quebra não quer dizer que a saúde mental de crianças e jovens tenha melhorado, longe disso. Por exemplo, as tentativas de suicídio e as perturbações de comportamento alimentar que apareceram na urgência, neste Janeiro e Fevereiro e na pandemia no geral, foram mais graves. Neste último caso, os jovens estavam mais debilitados, com maiores perdas de peso”, diz Carla Pinho.
Nesta estrutura de Coimbra, a ansiedade, embora com descidas na pandemia, continua prevalente em todas as fases: 217 casos de Março de 2019 a 18 de Fevereiro de 2020 e 70 em igual período de 2020/2021. Entre Janeiro e 18 de Fevereiro do ano passado e igual mês e meio deste ano, desceram de 35 para sete. “Muitas vezes, também temos crises de ansiedade relacionadas com a escola que, agora, podem estar a ser disfarçadas. Mas a ansiedade tem, sem dúvida, relação com o contexto pandémico, pode aumentar com as incertezas da pandemia. Vai havendo ansiedade por outros motivos e ela acaba por ser prevalente e, neste segundo confinamento, a par com problemas de comportamento.” Para esta especialista não há dúvidas: “Há uma certeza de que a saúde mental está em risco e vai haver agravamento e necessidade de dar uma resposta eficaz às perturbações de saúde mental que vão aumentar, nas crianças e jovens e mesmo nos familiares, por inúmeros motivos”, diz.
Cansaço “maior” neste segundo confinamento
Carla Pinho nota ainda que há episódios de ida a urgência que podem incluir um mal-estar anterior: “Vai à urgência, mas surge na sequência do que tem vindo a acontecer. Os jovens, às vezes, vão disfarçando. Às vezes, só são percebidos meses e meses depois.” E sublinha: “Neste momento, há um receio e uma incerteza. Depois de um primeiro confinamento e quase regresso à normalidade, acontece um segundo confinamento com números muito mais assustadores e há uma incerteza e um repetir do confinamento com mais dúvidas ainda, que tem impacto na maneira como tudo é vivido”.
No que toca a consultas, nesta estrutura de Coimbra, aumentaram no período global da pandemia em relação a igual período anterior, de 6977 para 7152. Um aumento provocado por mais primeiras consultas de pedopsiquiatria e mais na área das perturbações do comportamento alimentar. No período de Janeiro a 18 de Fevereiro do ano passado e o deste ano mantêm-se: 1109/1108.
Já no CHUSJ, apesar de o número absoluto de idas à urgência pediátrica ter diminuído, a percentagem de diagnósticos psiquiátricos feitos entre Janeiro e 18 de Fevereiro deste ano aumentou ligeiramente quando comparado com igual período antes da pandemia, mas apenas de 1,3% para 1,5%. As percentagens correspondem a 63 episódios com diagnóstico psiquiátrico neste início do ano em comparação com 150 no mesmo período do ano passado. No total, houve 4332 episódios de urgência pediátrica nesta última fase pandémica em comparação com 11.639 em igual período antes da pandemia. Os cinco diagnósticos psiquiátricos mais frequentes, na população infanto-juvenil que procurou esta urgência pediátrica neste início de ano (em comparação com Janeiro a 18 de Fevereiro do ano passado), foram: perturbações de ansiedade (agora, 63,5%; antes, 69%); intoxicação por substâncias psicotrópicas (agora 7,9%; antes 8%); ideação suicida, tentativa de suicídio (agora 7,9%; antes 4%); perturbações decorrentes do uso de álcool (agora, 6,3%; antes 16%); anorexia (agora, 4,8%; antes 2%).
“Houve menos idas [à urgência], mas as perturbações de ansiedade continuam em primeiro lugar, e é relevante a ideação suicida ter uma percentagem superior este ano enquanto a percentagem de perturbações decorrentes do uso de álcool foi menor, porque os jovens estão em casa mais controlados. Agora, claramente, há ansiedade. Há um pequeno aumento percentual [nos diagnósticos psiquiátricos neste início do ano] muito à custa de perturbações de ansiedade em crianças e jovens”, diz o director da Unidade Autónoma de Gestão da Psiquiatria e Saúde Mental deste centro hospitalar, Rui Coelho.
Acrescenta que, mesmo que sejam menos casos em termos absolutos, não se deve desvalorizar, porque dizem respeito a um período de tempo curto (primeiro mês e meio deste ano). Pelo contrário, é preciso “valorizar” que “esta população continua a ter uma elevadíssima perturbação de ansiedade” e também é preciso “olhar para a ideação suicida”.
Rui Coelho acrescenta: “Há dois grupos que nos começam a preocupar, a médio e longo prazo, as crianças e jovens e os idosos, isto é um pouco traumático. Não é muito claro o que se passa com as crianças e jovens. Às crianças dizem que anda aí um bichinho, nos adolescentes faz falta conviver, estar fora de casa. Nos adolescentes, a médio e longo prazo, pode perturbar uma evolução saudável a nível da saúde mental.”
Mesmo com descidas em termos absolutos ou pequenas subidas percentuais, o responsável diz-se atento: “Os números são os números, mas valorizo e preocupo-me, porque tudo isto surgiu de repente, tudo isto é novo e é um grupo particularmente frágil, tal como os idosos. Não sabemos como se vai repercutir a médio e longo prazo, que adultos vão resultar a médio e longo prazo, resultante deste ambiente, desta pandemia, destes confinamentos. E, depois, as idades são muito diferentes, 4, 8, 12, 17 anos. Mas, sem qualquer dúvida, que há um cansaço maior neste segundo confinamento.”
“É um stress dia sim, dia sim”
Sobre os adolescentes acrescenta: “A escola e o grupo são fundamentais, aprendem é fora de casa. Em casa, dependem muito da qualidade das relações familiares. E, agora, tudo isto volta a acontecer. Se calhar, este grupo etário apresenta mais inquietação e perplexidade perante a forma como isto vai evoluir, nos adolescentes é uma ruptura que leva à ansiedade. Todo este período pandémico e confinamento, neste grupo etário, acarretará potencialmente maior vulnerabilidade na área da depressão e ansiedade. Mesmo que as idas às urgências tenham diminuído, a saúde mental não melhorou, de todo. Isto é vulnerabilizante e fragilizante”, diz. E deixa uma questão: “O que vai acontecer daqui a cinco ou 10 anos a estes jovens? Os cuidados de saúde primários devem estar muito atentos.”
Se se considerar a globalidade do período pandémico, neste centro, a percentagem de diagnósticos psiquiátricos na urgência pediátrica é semelhante nos dois períodos (1,1% de Março de 2020 a 31 Janeiro de 2021 em relação a 1,2% de Março de 2019 a 31 Janeiro de 2020). As percentagens correspondem a 431 episódios na pandemia em relação a 861 episódios antes (em 38.382 episódios de urgência pediátrica no período pandémico e 70.146 antes da pandemia). O diagnóstico psiquiátrico mais frequente, na população infanto-juvenil que procurou esta urgência pediátrica foi a perturbação de ansiedade (329 casos entre 1 Março de 2020 a 31 Janeiro de 2021, ou seja, 76% do global, em comparação com 605 no período homólogo anterior, cerca de 70%). Seguem-se, com números menores, ideação suicida, tentativa suicida; perturbações decorrentes do uso de álcool; psicoses; e intoxicação por substâncias psicotrópicas.
“Apesar de menos idas a urgências, a percentagem de diagnósticos de perturbação de ansiedade subiu ligeiramente de 70% para 76%”, diz Rui Coelho. Mesmo que o número de crianças e jovens que foi à urgência tenha diminuído quase para metade no global da pandemia e quase três vezes menos no arranque deste ano, “possivelmente até por receio e limitações decorrentes da pandemia e do confinamento, ainda assim, a percentagem de diagnósticos de ansiedade manteve-se acima dos 60% nos dois períodos”. Se só vão à urgência em último caso, isso é “claramente tradutor do sofrimento” em que estão os mais novos e mostra que “deverá ser uma população alvo de seguimento a nível de cuidados de saúde primários, dando importância a profissionais da área de saúde mental nos cuidados primários, como, por exemplo, psicólogos”. “Temos de aumentar os profissionais da área da saúde mental”, defende.
Rui Coelho acrescenta: “A médio e longo prazo, se os confinamentos continuarem por muito tempo, poderá ter outros efeitos, porque as crianças e adolescentes precisam de se relacionar. Este relacionar-se com os outros é estruturante da personalidade, esta incerteza permanente não é boa para saúde mental. É um stress dia sim, dia sim, é um stress crónico, diariamente vivemos com muita incerteza. E é global. Vai deixar sequelas, penso que sim.”
25.2.21
Ansiedade, exaustão e disciplina: um auto-retrato da vida académica em casa
Carolina Amado, in Público on-line
Durante este novo confinamento, há quem tenha subido notas, e até prefira o ensino online, mas é caso raro. Os futuros profissionais ouvidos pelo P3 dizem sentir-se ansiosos, não conseguem dormir, já pensaram desistir do curso — e não ajuda pensar que as aulas presenciais no ensino superior só deverão ser retomadas a partir de Abril, como admitido esta semana pelo presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas. Cinco estudantes contam a sua experiência, na primeira pessoa.
“Estou literalmente a sobreviver. Os meus pais trabalhavam ambos no sector do turismo, em hotelaria, agora estão em lay-off, e eu tive duas opções. Congelar a minha matrícula e voltar para Lagos, ou arranjar trabalho em Lisboa e continuar lá a minha vida. Como voltar para Lagos permanentemente não era opção, fui para Lisboa e encontrei um trabalho que me pagasse a casa e as propinas.
Enquanto aluna deslocada, também tive alguns problemas com a habitação. Estava numa casa onde não tinha um contracto. No primeiro confinamento, quando fui para casa dos meus pais, o senhorio concordou que pagaria apenas metade da renda enquanto não voltasse, mas depois mudou de ideias. Entretanto, já troquei de casa duas vezes. Vivo com o meu namorado, num T1, e é apertado. Preciso de claridade, luz natural para estudar e esta casa não tem.
Para me conseguir manter de pé preciso de sair de casa, conversar, conhecer pessoas novas. A vida académica era a minha vida social. A única pessoa com quem interajo agora é o meu namorado, e depois tenho os meus gatos. Não vejo a minha família há imenso tempo, e não sei quando vou ver.
Tem sido um esforço imenso. Trabalhar das nove às seis num call center, a partir de casa, e estudar para a faculdade até me deitar é cansativo. Antes tinha tempo para estar com amigos, fazer teatro, tudo e mais alguma coisa, e agora tenho de escolher: hoje arrumo a casa ou vou estudar? Tanto que vou demorar mais um semestre do que era suposto a terminar a licenciatura.
Já tive covid-19, estive um mês de baixa. Aí comecei a sentir mais ansiedade até que fui, de emergência, para o hospital. Agora sou acompanhada por psicólogos e psiquiatras, e tomo medicação. Sem dúvida que é uma consequência da pandemia. Sempre fui uma pessoa positiva, contente, nunca pensei que as coisas se fossem agravar desta forma.”
“Ninguém quer ser conhecido como o médico que foi formado durante a pandemia da covid-19. Preocupa-nos a carga diminuta que temos de aulas práticas em relação a anos anteriores. A mudança para o online tira-nos a percepção de que estamos a lidar com seres humanos, e que nós próprios somos seres humanos, parecemos máquinas ligadas a um computador a teclar. É desmotivador, destrutivo.
Tivemos uma diminuição das horas de contacto com os pacientes e cortaram-nos a urgência e o bloco operatório, para criar um modelo que reduza ao máximo as cadeias de contaminação. Os riscos que corremos são os mesmos, ou até menores, do que antes da pandemia. Aqui, no Centro Hospitalar Universitário de São João, médicos e enfermeiros já estão vacinados, e os alunos de sexto ano também serão, e isso dá-nos outro alívio. Se mantivermos todos os cuidados, à partida, estamos bem.
Nos anos básicos do curso de Medicina, o regime é online e nos anos clínicos é misto: a prática clínica é no hospital, e tudo o que for teórico é online. Será assim durante todo o semestre. O ano passado, no primeiro confinamento, estive o tempo todo em frente a um ecrã, parecia que vivia através de uma caixa, e eu adoro fotografia, gosto muito de ver através de lentes e caixas! Mas de um computador, por favor, não.
Comparando com Março, sem dúvida que a faculdade e os professores estão muito melhor preparados. Antes alguns nem sabiam como criar uma chamada Zoom, tive aulas com um professor a quem só vi a testa durante meio semestre. Todos fizeram um esforço para que tivéssemos mais material de apoio caso fosse necessário um segundo confinamento. Infelizmente, aconteceu.
Na Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina temos trabalhado para cativar os alunos e dar-lhes a conhecer o que é a vida académica para além disto, mas é muito difícil estarmos a par das realidades de 3 mil pessoas. Tentamos dar a conhecer entidades que os possam ajudar, e dar-lhes a mão para dizer que, se precisarem, estamos aqui.”
"O meu rendimento escolar e as minhas notas subiram bastante, porque deixei de ter as pequenas distracções com colegas e pausas alongadas, as pausas para cafezinhos. Se todo o semestre for online, estou tranquilo. O cenário perfeito era a pandemia acabar e conseguirmos conciliar o ensino à distância com a liberdade para fazer o que queremos nos tempos livres.
Em casa, consigo prestar atenção às aulas e poder gravá-las ajuda bastante, para as rever depois. No meu melhor semestre presencial fiz cinco cadeiras, e no semestre passado, que foi online, fiz nove.
Acho que, em alguns exames, o grau de dificuldade aumentou, para compensar o facto de os fazermos com consulta. A meu ver, é melhor para os alunos. A única desvantagem é que presencialmente tínhamos uns minutos extra dados pelo professor, e o computador não permite mais tempo.
Não estou preocupado com a perda de experiências da vida académica porque aproveitei bastante os meus dois primeiros anos de faculdade. Agora quero é acabar o curso, estou mais focado em trabalhar e fazer as cadeiras com boas notas. E, para compensar a distância, faço muitas vezes videochamadas com os meus amigos.
Tenho uma rotina definida, acordo sempre entre as 7h e as 8h, trabalho até ao meio-dia, e depois, de novo, até ao final da tarde. Estar mais tempo no computador não me faz confusão. À noite é o meu tempo, consigo fazer passeios porque não há tanta gente na rua.
Acho muito importante manter um plano de estudo e de trabalho bem definidos. Para quem se consegue adaptar, ter disciplina e cumprir os seus horários, a produtividade aumenta bastante.”
“No semestre passado, tive aulas em regime misto, presencial e online. Existiam imensos problemas técnicos, não acho que os professores estivessem preparados as aulas à distância. Perdíamos muito tempo, a abrir o Zoom, enviar links, ligar as câmaras... Aulas de uma hora passavam a 25 minutos. Honestamente, foi mais confuso do que o primeiro confinamento, em Março de 2020.
Por causa do meu problema de saúde – um macroadenoma na hipófise – tenho de controlar muito bem o tempo que passo em frente ao computador. Ter aulas todos os dias, fazer trabalhos, pesquisar na Internet... Todas estas horas tornaram-se incomportáveis para mim. Não conseguia concentrar-me, à noite não tinha sono.
Os professores aumentaram extraordinariamente a carga de trabalhos. Entendo que tivessem de substituir a participação nas aulas por outra actividade, mas tínhamos de escrever ensaios atrás de ensaios... Já para não falar de quem tem dificuldades económicas ou não tem um bom ambiente familiar. Eu tenho a sorte de ter. Mas sinto que alguns professores tiveram uma certa falta de sensibilidade. Há uma desigualdade que tem de ser considerada pelas escolas, não estamos todos na mesma posição.
Eu era muito ligada ao desporto, era a minha maior paixão, e deixei de fazer tudo. Parecia que me levantava da cama e não tinha vontade para nada. Sinto que me desinteressei, que perdi a paixão que tinha pelo curso quando me candidatei. Só não congelei a matrícula porque em 2018, quando fui diagnosticada com esta doença, tive de o fazer, e não queria perder mais um ano.
No meu grupo de amigos da faculdade as queixas eram sempre as mesmas. Sentíamo-nos ansiosos, não conseguíamos dormir e, mesmo quem nunca tinha tido pensamentos mais depressivos, começou a tê-los. Mas temos de ser pacientes, tentar dar o nosso melhor e aguentar até que isto acabe, porque vai acabar, só não sabemos quando.”
“Eu não consigo ter um laboratório em casa, não tenho uma sala escura, não tenho os químicos para trabalhar a fotografia. O essencial do curso de Fotografia está em suspenso por tempo indefinido. Parece que existem planos para tudo, menos para as aulas práticas. E isto relaciona-se com o apoio à cultura. O que já estava mal agravou-se, e chegou a um ponto em que, para muitas pessoas, as dificuldades são extremas.
Já as aulas teóricas têm corrido muito bem. O curso está bem organizado, surpreenderam-me imenso. Temos um horário novo, em que os vários anos de Fotografia podem assistir a todas as aulas que queiram, o ensino é mais completo e acabamos por contactar com mais pessoas. Até os professores das aulas práticas dão o seu melhor, vão para os laboratórios exemplificar o que deveríamos fazer, para dar continuidade ao nosso trabalho.
Ao mesmo tempo, a carga horária é maior. E temos de reter muita informação a partir do computador. Em casa, tenho insónias e durmo muito mal. E, no dia seguinte, é complicado acompanhar as aulas. Eu gosto mesmo do meu curso e quero aprender o máximo possível. Quando não estou a ser produtiva e a aprender tanto quanto podia, sinto ainda mais pressão.
Há dias vi alguém dizer: “Quando fazes o que amas, é impossível entrar em burnout”. Mas não! Quando gostas do que fazes, queres evoluir, fazer mais e melhor, ser criativo e às vezes perdes noção das horas, do cansaço, do descanso, deixas-te guiar pela paixão. Pode dar para o torto.
Acho que o maior desafio ao estudo em confinamento é lidar com o ambiente doméstico. Não é tão simples como dizer: “sentem-se no sofá e fiquem em casa, não custa nada!”. Há muitas pessoas com ambientes extremamente tóxicos em casa.
As janelas que estavam cheias de papelinhos a dizer “Vamos todos ficar bem!” agora estão sujas, encardidas. Já não é verdade. Já ninguém tem paciência para isto. Às vezes sinto ansiedade porque quero tanto aprender neste curso, mas não estou a conseguir tirar dele o maior proveito possível.”
Durante este novo confinamento, há quem tenha subido notas, e até prefira o ensino online, mas é caso raro. Os futuros profissionais ouvidos pelo P3 dizem sentir-se ansiosos, não conseguem dormir, já pensaram desistir do curso — e não ajuda pensar que as aulas presenciais no ensino superior só deverão ser retomadas a partir de Abril, como admitido esta semana pelo presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas. Cinco estudantes contam a sua experiência, na primeira pessoa.
“Estou literalmente a sobreviver. Os meus pais trabalhavam ambos no sector do turismo, em hotelaria, agora estão em lay-off, e eu tive duas opções. Congelar a minha matrícula e voltar para Lagos, ou arranjar trabalho em Lisboa e continuar lá a minha vida. Como voltar para Lagos permanentemente não era opção, fui para Lisboa e encontrei um trabalho que me pagasse a casa e as propinas.
Enquanto aluna deslocada, também tive alguns problemas com a habitação. Estava numa casa onde não tinha um contracto. No primeiro confinamento, quando fui para casa dos meus pais, o senhorio concordou que pagaria apenas metade da renda enquanto não voltasse, mas depois mudou de ideias. Entretanto, já troquei de casa duas vezes. Vivo com o meu namorado, num T1, e é apertado. Preciso de claridade, luz natural para estudar e esta casa não tem.
Para me conseguir manter de pé preciso de sair de casa, conversar, conhecer pessoas novas. A vida académica era a minha vida social. A única pessoa com quem interajo agora é o meu namorado, e depois tenho os meus gatos. Não vejo a minha família há imenso tempo, e não sei quando vou ver.
Tem sido um esforço imenso. Trabalhar das nove às seis num call center, a partir de casa, e estudar para a faculdade até me deitar é cansativo. Antes tinha tempo para estar com amigos, fazer teatro, tudo e mais alguma coisa, e agora tenho de escolher: hoje arrumo a casa ou vou estudar? Tanto que vou demorar mais um semestre do que era suposto a terminar a licenciatura.
Já tive covid-19, estive um mês de baixa. Aí comecei a sentir mais ansiedade até que fui, de emergência, para o hospital. Agora sou acompanhada por psicólogos e psiquiatras, e tomo medicação. Sem dúvida que é uma consequência da pandemia. Sempre fui uma pessoa positiva, contente, nunca pensei que as coisas se fossem agravar desta forma.”
“Ninguém quer ser conhecido como o médico que foi formado durante a pandemia da covid-19. Preocupa-nos a carga diminuta que temos de aulas práticas em relação a anos anteriores. A mudança para o online tira-nos a percepção de que estamos a lidar com seres humanos, e que nós próprios somos seres humanos, parecemos máquinas ligadas a um computador a teclar. É desmotivador, destrutivo.
Tivemos uma diminuição das horas de contacto com os pacientes e cortaram-nos a urgência e o bloco operatório, para criar um modelo que reduza ao máximo as cadeias de contaminação. Os riscos que corremos são os mesmos, ou até menores, do que antes da pandemia. Aqui, no Centro Hospitalar Universitário de São João, médicos e enfermeiros já estão vacinados, e os alunos de sexto ano também serão, e isso dá-nos outro alívio. Se mantivermos todos os cuidados, à partida, estamos bem.
Nos anos básicos do curso de Medicina, o regime é online e nos anos clínicos é misto: a prática clínica é no hospital, e tudo o que for teórico é online. Será assim durante todo o semestre. O ano passado, no primeiro confinamento, estive o tempo todo em frente a um ecrã, parecia que vivia através de uma caixa, e eu adoro fotografia, gosto muito de ver através de lentes e caixas! Mas de um computador, por favor, não.
Comparando com Março, sem dúvida que a faculdade e os professores estão muito melhor preparados. Antes alguns nem sabiam como criar uma chamada Zoom, tive aulas com um professor a quem só vi a testa durante meio semestre. Todos fizeram um esforço para que tivéssemos mais material de apoio caso fosse necessário um segundo confinamento. Infelizmente, aconteceu.
Na Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina temos trabalhado para cativar os alunos e dar-lhes a conhecer o que é a vida académica para além disto, mas é muito difícil estarmos a par das realidades de 3 mil pessoas. Tentamos dar a conhecer entidades que os possam ajudar, e dar-lhes a mão para dizer que, se precisarem, estamos aqui.”
"O meu rendimento escolar e as minhas notas subiram bastante, porque deixei de ter as pequenas distracções com colegas e pausas alongadas, as pausas para cafezinhos. Se todo o semestre for online, estou tranquilo. O cenário perfeito era a pandemia acabar e conseguirmos conciliar o ensino à distância com a liberdade para fazer o que queremos nos tempos livres.
Em casa, consigo prestar atenção às aulas e poder gravá-las ajuda bastante, para as rever depois. No meu melhor semestre presencial fiz cinco cadeiras, e no semestre passado, que foi online, fiz nove.
Acho que, em alguns exames, o grau de dificuldade aumentou, para compensar o facto de os fazermos com consulta. A meu ver, é melhor para os alunos. A única desvantagem é que presencialmente tínhamos uns minutos extra dados pelo professor, e o computador não permite mais tempo.
Não estou preocupado com a perda de experiências da vida académica porque aproveitei bastante os meus dois primeiros anos de faculdade. Agora quero é acabar o curso, estou mais focado em trabalhar e fazer as cadeiras com boas notas. E, para compensar a distância, faço muitas vezes videochamadas com os meus amigos.
Tenho uma rotina definida, acordo sempre entre as 7h e as 8h, trabalho até ao meio-dia, e depois, de novo, até ao final da tarde. Estar mais tempo no computador não me faz confusão. À noite é o meu tempo, consigo fazer passeios porque não há tanta gente na rua.
Acho muito importante manter um plano de estudo e de trabalho bem definidos. Para quem se consegue adaptar, ter disciplina e cumprir os seus horários, a produtividade aumenta bastante.”
“No semestre passado, tive aulas em regime misto, presencial e online. Existiam imensos problemas técnicos, não acho que os professores estivessem preparados as aulas à distância. Perdíamos muito tempo, a abrir o Zoom, enviar links, ligar as câmaras... Aulas de uma hora passavam a 25 minutos. Honestamente, foi mais confuso do que o primeiro confinamento, em Março de 2020.
Por causa do meu problema de saúde – um macroadenoma na hipófise – tenho de controlar muito bem o tempo que passo em frente ao computador. Ter aulas todos os dias, fazer trabalhos, pesquisar na Internet... Todas estas horas tornaram-se incomportáveis para mim. Não conseguia concentrar-me, à noite não tinha sono.
Os professores aumentaram extraordinariamente a carga de trabalhos. Entendo que tivessem de substituir a participação nas aulas por outra actividade, mas tínhamos de escrever ensaios atrás de ensaios... Já para não falar de quem tem dificuldades económicas ou não tem um bom ambiente familiar. Eu tenho a sorte de ter. Mas sinto que alguns professores tiveram uma certa falta de sensibilidade. Há uma desigualdade que tem de ser considerada pelas escolas, não estamos todos na mesma posição.
Eu era muito ligada ao desporto, era a minha maior paixão, e deixei de fazer tudo. Parecia que me levantava da cama e não tinha vontade para nada. Sinto que me desinteressei, que perdi a paixão que tinha pelo curso quando me candidatei. Só não congelei a matrícula porque em 2018, quando fui diagnosticada com esta doença, tive de o fazer, e não queria perder mais um ano.
No meu grupo de amigos da faculdade as queixas eram sempre as mesmas. Sentíamo-nos ansiosos, não conseguíamos dormir e, mesmo quem nunca tinha tido pensamentos mais depressivos, começou a tê-los. Mas temos de ser pacientes, tentar dar o nosso melhor e aguentar até que isto acabe, porque vai acabar, só não sabemos quando.”
“Eu não consigo ter um laboratório em casa, não tenho uma sala escura, não tenho os químicos para trabalhar a fotografia. O essencial do curso de Fotografia está em suspenso por tempo indefinido. Parece que existem planos para tudo, menos para as aulas práticas. E isto relaciona-se com o apoio à cultura. O que já estava mal agravou-se, e chegou a um ponto em que, para muitas pessoas, as dificuldades são extremas.
Já as aulas teóricas têm corrido muito bem. O curso está bem organizado, surpreenderam-me imenso. Temos um horário novo, em que os vários anos de Fotografia podem assistir a todas as aulas que queiram, o ensino é mais completo e acabamos por contactar com mais pessoas. Até os professores das aulas práticas dão o seu melhor, vão para os laboratórios exemplificar o que deveríamos fazer, para dar continuidade ao nosso trabalho.
Ao mesmo tempo, a carga horária é maior. E temos de reter muita informação a partir do computador. Em casa, tenho insónias e durmo muito mal. E, no dia seguinte, é complicado acompanhar as aulas. Eu gosto mesmo do meu curso e quero aprender o máximo possível. Quando não estou a ser produtiva e a aprender tanto quanto podia, sinto ainda mais pressão.
Há dias vi alguém dizer: “Quando fazes o que amas, é impossível entrar em burnout”. Mas não! Quando gostas do que fazes, queres evoluir, fazer mais e melhor, ser criativo e às vezes perdes noção das horas, do cansaço, do descanso, deixas-te guiar pela paixão. Pode dar para o torto.
Acho que o maior desafio ao estudo em confinamento é lidar com o ambiente doméstico. Não é tão simples como dizer: “sentem-se no sofá e fiquem em casa, não custa nada!”. Há muitas pessoas com ambientes extremamente tóxicos em casa.
As janelas que estavam cheias de papelinhos a dizer “Vamos todos ficar bem!” agora estão sujas, encardidas. Já não é verdade. Já ninguém tem paciência para isto. Às vezes sinto ansiedade porque quero tanto aprender neste curso, mas não estou a conseguir tirar dele o maior proveito possível.”
29.1.21
É preciso "aceitar que não se está bem" no novo confinamento
Especialistas alertam que o prolongamento do confinamento, aliado à "incerteza do momento", estão a ser "causadores de ansiedade nas pessoas".
O novo confinamento, aliado a alterações das rotinas e do estilo de vida, vai agravar e prolongar o sofrimento psicológico dos adultos, preveem os especialistas ouvidos pela Lusa, defendendo que é preciso "aceitar que não se está bem".
O "grande problema" não é voltar a casa para um novo confinamento, mas sim a alteração de rotinas que têm prevalecido nos últimos meses, acredita Miguel Ricou, presidente do Conselho de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos.
"Andamos a alterar rotinas e tentar recuperá-las há mais de 10 meses", referiu o psicólogo, salientando que o ser humano se "adapta por natureza" às circunstâncias, mas só o faz porque "conhece a realidade".
"Uma das dificuldades que temos é que conhecemos muito pouco da realidade, não sabemos bem o que aí vem e não sabemos bem quanto tempo dura", afirmou.
Perante isto, "é fundamental aceitarmos que não nos vamos sentir tão bem nesta altura".
"Temos de aceitar que andamos mais nervosos, mais tristes à vezes, mais irritados, mais tensos e que isso é normal", referiu.
As mudanças no estilo de vida das pessoas permanecem e é espetável que "agravem" a condição psicológica dos adultos, defendeu a psicóloga Inês Guimarães.
"A quarentena e o isolamento vão agravar o sofrimento psicológico, porque vão mexer com algumas facetas importantes da saúde mental, como a liberdade pessoal e os nossos movimentos no dia-a-dia", explicou.
O "prolongamento" do confinamento, aliado à "incerteza do momento" serão "causadores de ansiedade nas pessoas", considerou Irene Carvalho, psicóloga e docente na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
"Uma coisa é termos um horizonte próximo que sabermos que termina. Outra, é termos um horizonte próximo que se alarga indefinidamente sem sabermos quando será o fim", salientou.
Sintomas depressivos, ansiosos e, em alguns casos, de 'stress' traumático, são algumas das mazelas que os especialistas admitem que se intensifiquem.
Em particular, naqueles que viram o seu rendimento reduzido ou que ficaram sem emprego, salientou Irene Carvalho, advertindo que para essas pessoas, estar confinado é "extraordinariamente ansioso".
A par das perdas financeiras, a disrupção do dia-a-dia, a perda de liberdade, as perturbações de sono e o sedentarismo também poderão ser "fatores de risco para um bem-estar emocional e para a doença mental", disse Inês Guimarães.
Para "mitigar os efeitos negativos", Irene Carvalho considera desejável que se tentem manter algumas rotinas, ainda que isso "não assegure que as pessoas não vivam a situação com grande ansiedade, frustração e desgaste".
Para Miguel Ricou, manter as rotinas é importante, primeiro porque "ajuda a gerir o tempo" e, depois, porque "nos distraem de nós próprios".
Inês Guimarães salientou a importância de se manter uma "conexão com os outros", sejam amigos ou familiares.
"Distanciamento social não significa necessariamente distanciamento emocional", reforçou a psicóloga, apontando a necessidade de se procurar "manter algum grau de perspetiva", especialmente quanto à socialização.
"As pandemias, embora possam ter alguma duração, historicamente acabaram, afirmou.
E quando acabar a pandemia, será que vamos voltar a socializar sem barreiras? "A história diz-nos que, em princípio, sim", referiu Irene Carvalho, investigadora do CINTESIS.
Também Miguel Ricou acredita nessa possibilidade, especialmente, porque pertencemos a um país onde o clima é mais quente e as pessoas "são fisicamente conectadas".
Inês Guimarães também não duvida disso, mas avisa que para um processo "gradual".
O novo confinamento, aliado a alterações das rotinas e do estilo de vida, vai agravar e prolongar o sofrimento psicológico dos adultos, preveem os especialistas ouvidos pela Lusa, defendendo que é preciso "aceitar que não se está bem".
O "grande problema" não é voltar a casa para um novo confinamento, mas sim a alteração de rotinas que têm prevalecido nos últimos meses, acredita Miguel Ricou, presidente do Conselho de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos.
"Andamos a alterar rotinas e tentar recuperá-las há mais de 10 meses", referiu o psicólogo, salientando que o ser humano se "adapta por natureza" às circunstâncias, mas só o faz porque "conhece a realidade".
"Uma das dificuldades que temos é que conhecemos muito pouco da realidade, não sabemos bem o que aí vem e não sabemos bem quanto tempo dura", afirmou.
Perante isto, "é fundamental aceitarmos que não nos vamos sentir tão bem nesta altura".
"Temos de aceitar que andamos mais nervosos, mais tristes à vezes, mais irritados, mais tensos e que isso é normal", referiu.
As mudanças no estilo de vida das pessoas permanecem e é espetável que "agravem" a condição psicológica dos adultos, defendeu a psicóloga Inês Guimarães.
"A quarentena e o isolamento vão agravar o sofrimento psicológico, porque vão mexer com algumas facetas importantes da saúde mental, como a liberdade pessoal e os nossos movimentos no dia-a-dia", explicou.
O "prolongamento" do confinamento, aliado à "incerteza do momento" serão "causadores de ansiedade nas pessoas", considerou Irene Carvalho, psicóloga e docente na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
"Uma coisa é termos um horizonte próximo que sabermos que termina. Outra, é termos um horizonte próximo que se alarga indefinidamente sem sabermos quando será o fim", salientou.
Sintomas depressivos, ansiosos e, em alguns casos, de 'stress' traumático, são algumas das mazelas que os especialistas admitem que se intensifiquem.
Em particular, naqueles que viram o seu rendimento reduzido ou que ficaram sem emprego, salientou Irene Carvalho, advertindo que para essas pessoas, estar confinado é "extraordinariamente ansioso".
A par das perdas financeiras, a disrupção do dia-a-dia, a perda de liberdade, as perturbações de sono e o sedentarismo também poderão ser "fatores de risco para um bem-estar emocional e para a doença mental", disse Inês Guimarães.
Para "mitigar os efeitos negativos", Irene Carvalho considera desejável que se tentem manter algumas rotinas, ainda que isso "não assegure que as pessoas não vivam a situação com grande ansiedade, frustração e desgaste".
Para Miguel Ricou, manter as rotinas é importante, primeiro porque "ajuda a gerir o tempo" e, depois, porque "nos distraem de nós próprios".
Inês Guimarães salientou a importância de se manter uma "conexão com os outros", sejam amigos ou familiares.
"Distanciamento social não significa necessariamente distanciamento emocional", reforçou a psicóloga, apontando a necessidade de se procurar "manter algum grau de perspetiva", especialmente quanto à socialização.
"As pandemias, embora possam ter alguma duração, historicamente acabaram, afirmou.
E quando acabar a pandemia, será que vamos voltar a socializar sem barreiras? "A história diz-nos que, em princípio, sim", referiu Irene Carvalho, investigadora do CINTESIS.
Também Miguel Ricou acredita nessa possibilidade, especialmente, porque pertencemos a um país onde o clima é mais quente e as pessoas "são fisicamente conectadas".
Inês Guimarães também não duvida disso, mas avisa que para um processo "gradual".
24.7.20
Medicamento para a ansiedade indisponível nas farmácias até ao Inverno
Ana Dias Cordeiro, in Público on-line
O Infarmed recomenda que apenas “para doentes com distúrbios de ansiedade crónica e refractária” deve a solução farmacológica alternativa ao Victan ser utilizada.
O medicamento é conhecido pelo nome de Victan e distribuído pela Sanofi Produtos Farmacêuticos, única empresa autorizada à introdução deste fármaco no mercado. A empresa anunciou nesta terça-feira a sua incapacidade de abastecer as farmácias deste medicamento nos próximos meses, pelo menos, até ao 4º trimestre deste ano.
O anúncio foi feito pelo Infarmed que apresenta em alternativa a substância activa Alprazolam 1 mg (na base do medicamento conhecido por Xanax, entre outros) disponível no mercado em Portugal.
Ao mesmo tempo, recomenda que seja “equacionada pelos profissionais de saúde a implementação de medidas não farmacológicas para controlo de ansiedade”. Só “para doentes com distúrbios de ansiedade crónica e refractária” deve a solução farmacológica ser utilizada, acrescenta a circular do Infarmed.
O Infarmed expõe os casos em que o Victan tem de ser substituído, acordo com as orientações recebidas pelo junto da Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica: em especial no tratamento de ansiedade crónica e na presença de sintomas físicos de abstinência.
“De acordo com a evidência científica disponível, em alternativa ao medicamento Victan 2 mg, em especial no tratamento de sintomas de ansiedade crónica e quando exista risco de ocorrência de sintomas físicos de abstinência, pode ser considerada a substância activa Alprazolam 1 mg em formulação de libertação prolongada, que se encontra disponível no mercado português”, refere o Infarmed.
Seguir as recomendações
A entidade sob tutela da ministra da Saúde informa ainda que se encontra a desenvolver todos os esforços no sentido assegurar o abastecimento das farmácias e unidades de saúde com a maior brevidade, mas que de momento, e estando as diligências ainda a decorrer junto de outros agentes do sector, devem os profissionais de saúde seguir as recomendações divulgadas nesta terça-feira.
Para a substância activa do medicamento só existe esta marca, e também não existe genérico.
O Infarmed, no entanto explica, que o medicamento Victan, que tem como substância activa Loflazepato de Etilo, é classificado como benzodiazepina com actuação ao nível do sistema nervoso central, encontrando-se indicado para a ansiedade e sintomas ansiosos.
Outras alternativas terapêuticas possíveis à substância activa Loflazepato de Etilo indicadas no Formulário Nacional do Medicamento são Bromazepam, Cetazolam, Clobazam, Clorazepato, Clorodiazepóxido, Cloxazolam, Diazepam, Lorazepam, Mexazolam, Midazolam, Oxazepam, Prazepam, Buspirona, enumera o Infarmed na circular hoje divulgada.
Cada pessoa deve aconselhar-se junto do seu médico-assistente, advertem os especialistas, porque, na ausência do Victan, podem ser recomendados medicamentos e substâncias activas diferentes para casos de ansiedade com características diferentes.
O Infarmed recomenda que apenas “para doentes com distúrbios de ansiedade crónica e refractária” deve a solução farmacológica alternativa ao Victan ser utilizada.
O medicamento é conhecido pelo nome de Victan e distribuído pela Sanofi Produtos Farmacêuticos, única empresa autorizada à introdução deste fármaco no mercado. A empresa anunciou nesta terça-feira a sua incapacidade de abastecer as farmácias deste medicamento nos próximos meses, pelo menos, até ao 4º trimestre deste ano.
O anúncio foi feito pelo Infarmed que apresenta em alternativa a substância activa Alprazolam 1 mg (na base do medicamento conhecido por Xanax, entre outros) disponível no mercado em Portugal.
Ao mesmo tempo, recomenda que seja “equacionada pelos profissionais de saúde a implementação de medidas não farmacológicas para controlo de ansiedade”. Só “para doentes com distúrbios de ansiedade crónica e refractária” deve a solução farmacológica ser utilizada, acrescenta a circular do Infarmed.
O Infarmed expõe os casos em que o Victan tem de ser substituído, acordo com as orientações recebidas pelo junto da Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica: em especial no tratamento de ansiedade crónica e na presença de sintomas físicos de abstinência.
“De acordo com a evidência científica disponível, em alternativa ao medicamento Victan 2 mg, em especial no tratamento de sintomas de ansiedade crónica e quando exista risco de ocorrência de sintomas físicos de abstinência, pode ser considerada a substância activa Alprazolam 1 mg em formulação de libertação prolongada, que se encontra disponível no mercado português”, refere o Infarmed.
Seguir as recomendações
A entidade sob tutela da ministra da Saúde informa ainda que se encontra a desenvolver todos os esforços no sentido assegurar o abastecimento das farmácias e unidades de saúde com a maior brevidade, mas que de momento, e estando as diligências ainda a decorrer junto de outros agentes do sector, devem os profissionais de saúde seguir as recomendações divulgadas nesta terça-feira.
Para a substância activa do medicamento só existe esta marca, e também não existe genérico.
O Infarmed, no entanto explica, que o medicamento Victan, que tem como substância activa Loflazepato de Etilo, é classificado como benzodiazepina com actuação ao nível do sistema nervoso central, encontrando-se indicado para a ansiedade e sintomas ansiosos.
Outras alternativas terapêuticas possíveis à substância activa Loflazepato de Etilo indicadas no Formulário Nacional do Medicamento são Bromazepam, Cetazolam, Clobazam, Clorazepato, Clorodiazepóxido, Cloxazolam, Diazepam, Lorazepam, Mexazolam, Midazolam, Oxazepam, Prazepam, Buspirona, enumera o Infarmed na circular hoje divulgada.
Cada pessoa deve aconselhar-se junto do seu médico-assistente, advertem os especialistas, porque, na ausência do Victan, podem ser recomendados medicamentos e substâncias activas diferentes para casos de ansiedade com características diferentes.
7.8.19
Ansiedade A epidemia silenciosa
Texto Nelson Marques Ilustrações Alex Gozblau, in Expresso</i>
Durante a adolescência, Sara Pereira, hoje com 32 anos, sempre foi muito exigente com ela própria. Era aluna de 18 valores, soube desde cedo que queria seguir o mundo da comunicação, tinha objetivos e sonhos bem definidos. “Na minha cabeça, desenhei uma linha do tempo para a minha carreira e para a minha vida pessoal. Aos 25 anos teria casa própria, aos 30 um relacionamento sério, aos 35 iria para fora trabalhar numa multinacional como diretora ou chefe de equipa.” Tirando a asma, nunca tivera grandes problemas de saúde. Lembra-se apenas de ficar nervosa antes dos testes e dos exames nacionais. Mas ‘ficar nervosa’ “não é sofrer de ansiedade”. Isso só veio mais tarde.
Chegou sem aviso, como uma explosão inesperada. Foi no início do verão após o primeiro ano na Universidade do Porto. Sara foi com dois amigos a um festival de música em Lisboa, era a primeira vez longe de casa sem os pais. “À noite, e depois de um dia mal alimentada, acordei e pensei que ia morrer. O meu melhor amigo estava ao meu lado e segurou-me a mão enquanto perguntava o que é que eu tinha. Vomitei, quase desmaiei. Tinha a cabeça à roda e chorei durante o que me pareceram horas.” Ela ainda não o sabia, mas tinha acabado de ter o seu primeiro ataque de pânico. “A partir desse dia a minha vida mudou. E eu ainda não imaginava quanto.”
Quando regressou ao Porto, marcou uma consulta num psiquiatra, que lhe diagnosticou um esgotamento e um início de depressão, e lhe receitou um antidepressivo e um ansiolítico. Por causa dos medicamentos, passou as duas semanas seguintes “sem conseguir sair de casa ou ver a luz do dia”. Ficava exausta, parecia “um zombie”.
Ao longo dos últimos 13 anos, sentiu todo o tipo de sintomas físicos. A lista parece interminável: “Taquicardia, tonturas, tremores, formigueiros nos membros superiores e inferiores, sensação de falta de ar, de sufoco, de desmaio, de estar a perder o controlo ou até de ‘desrealização’, visão turva e em túnel, secura da boca, náuseas e dores abdominais, perda de força nas pernas, transpiração excessiva, medo de vomitar e, claro, medo de morrer.” Sara sabe bem que um ataque de ansiedade ou de pânico não a vai matar, mas nem sempre consegue convencer-se disso. Não é fácil explicar a quem a rodeia que não existe um botão para desligar a ansiedade. “Muita gente diz-me o clássico ‘tens de ter calma, não stresses’. Há muito estigma em relação às doenças mentais e os ataques de pânico ainda são vistos muito como ‘ataquezinhos de gente mimalha que quer tudo e está frustrada’.”
Portugal está entre os países da UE onde o problema mais se faz sentir: cerca de 16,5% da população sofre de perturbação de ansiedade, sendo a doença mental mais prevalente
O pior, garante, são os evitamentos, o deixar de fazer as suas rotinas com medo de ter uma nova crise. O medo de ter medo. É um círculo vicioso que a leva a alterar as suas rotinas. “Por exemplo, tive um ataque de pânico no comboio, então evitei durante anos andar de comboio. Se tinha um numa determinada rua, evitava passar por lá. Nada disto faz sentido nem para quem tem ansiedade, mas é quase uma obrigação respeitar o medo.”
Sara não tem medo das palavras: viver com ansiedade “é uma prisão”. Aos poucos, foi perdendo autonomia e isolando-se cada vez mais. Não por vergonha, mas por receio de estragar o dia ou a noite aos outros. Sai quase sempre sozinha, para, se se sentir mal, voltar para casa quando quiser, sem ter de dar grandes explicações. “Quando dei por mim, tinha deixado de conduzir, de sair à noite, na pior fase até de sair de dia para tomar um café, de trabalhar fora da minha cidade, de ir ao ginásio, de ir ao cinema, ao teatro, a concertos ou a reuniões, de viajar, de ter liberdade e autonomia, de deixar de ser eu própria e de acreditar nos meus sonhos.” Em espaços fechados fica sempre perto das saídas, nos espetáculos escolhe uma cadeira colada ao corredor, evita andar de transportes públicos. Nunca sai sem a medicação. Por causa da doença, perdeu muitos empregos. “Quando me perguntam se há problema em ter muitas viagens, respondo sempre que não. Depois, quando me ligam a dizer que fui escolhida, desisto. Já tentei ser honesta. Não passei para a fase seguinte.”
Quando olha para fotografias antigas, tem saudades da miúda que era antes da ansiedade se ter instalado na sua vida. “Essa miúda ainda está dentro de mim, mas, muitas vezes, está coberta por um manto de medo que a isola e paralisa.”
25 MILHÕES DE ANSIOSOS NA EUROPA
Sara não está só. A sua história podia ser a de milhões de outras pessoas que sofrem de perturbação de ansiedade em todo o mundo. Só na Europa, de acordo o relatório “Health at Glance 2018” da OCDE, estima-se que a doença afete 25 milhões de pessoas. Portugal está entre os países da UE onde o problema mais se faz sentir: cerca de 16,5% da população sofre dele, sendo a doença mental mais prevalente, de acordo com o último estudo epidemiológico realizado no país. Perto de um terço das pessoas irá sofrer uma perturbação de ansiedade num dado momento das suas vidas.
A doença faz-se sentir sobretudo nas gerações mais jovens, em particular os millennials (pessoas que têm hoje entre 20 e 37 anos, aproximadamente), o que não é uma surpresa, uma vez que ela prospera num mundo de incertezas e o de hoje está cheio de ameaças potenciais para os jovens adultos: desemprego, baixos salários, dificuldade em comprar casa própria, dívidas… Os estudos demonstram também que a ansiedade parece ser mais frequente nas cidades do que nos meios rurais, e é quase o dobro nas mulheres. É algo para o qual são apontadas várias razões, desde fatores biológicos, nomeadamente hormonais, a “uma maior exposição a fatores indutores de stresse nas mulheres, relacionados com o trabalho, o ambiente familiar, pressões sociais, etc.”, explica o médico psiquiatra Diogo Telles Correia, autor do livro “A Ansiedade nos Nossos Dias”, editado no ano passado.
Mariana Anjos, 26 anos, consultora de recursos humanos e caça-talentos, é outro nome que engrossa as estatísticas. Teve o primeiro ataque de pânico, “o mais assustador” até hoje, aos 13 anos. Estava a fazer um teste de História e era a única que ainda não tinha entregado a prova. De repente, o ruído na sala começou a incomodá-la imenso. “Só me lembro de chorar muito e começar a arranhar-me toda. Tentaram tudo para me acalmar, mas era impossível. Um professor chegou a dar-me um estalo, mas eu não parava. Fui para o hospital e sedaram-me para dormir, mas nem assim consegui.”
Até aos 22 anos foi “sempre a piorar”. Os ataques passaram a ser diários, especialmente quando estava a dormir. “A dor que sentia no peito era horrível.” Aos 18 anos, por causa da ansiedade, perdeu “grande parte do cabelo”. O resultado: mais ansiedade. Como uma bola de neve. “Estava constantemente medicada, tomava demasiados comprimidos, mas não sentia que surtissem efeito.”
Na hora de ir para a universidade, decidiu tirar Psicologia. Antes de cada exame ou apresentação, tinha um ataque. Foi então que percebeu que a sua ansiedade tinha origem sobretudo em situações em que estava a ser avaliada. O medo de falhar estava sempre presente. “A pressão que coloco em mim é demasiada. Os meus pais também não ajudavam, diziam-me que ia chumbar ou falhar. Dei por mim a viver numa agonia constante, não conseguia aproveitar nada.”
Há quatro anos, cansada da medicação, e apesar de “muito cética”, deixou-se convencer por uma amiga a fazer terapia num centro de ioga especializado em ataques de pânico e de ansiedade. “Fiz duas sessões que me custaram muito. É uma autoanálise dolorosa, porque desconstruímos as coisas e vamos à sua origem, mas depois sente-se um alívio enorme.” Nos três anos seguintes não voltou a ter ataques. “Comecei a aproveitar muito mais a vida, a ser mais focada no trabalho e a conseguir desvalorizar muito mais facilmente os problemas.”
UMA COMPANHEIRA DE VIAGEM DA DEPRESSÃO
Apesar do impacto profundo que pode ter na vida das pessoas, nem toda a ansiedade é má. Ela é, aliás, uma emoção fundamental para ajudar a identificar situações de perigo e permitir que nos preparemos melhor para as enfrentar. Nas doses adequadas, pode até ter efeitos positivos. “Alguns autores chamam a atenção para o facto de, em baixos níveis, ela poder favorecer o desempenho profissional”, sublinha Telles Correia, psicoterapeuta que é também professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. É a chamada Lei Yerbes-Dodson, segundo a qual até determinados níveis de ansiedade há “um aumento da atenção e do interesse”. Mesmo níveis “moderados altos” podem ter um efeito positivo, nota a psicóloga Isabel Lourinho, do Instituto CUF Porto. “Na minha tese de doutoramento concluí que os estudantes mais ansiosos tinham melhores resultados académicos do que os não ansiosos.”
Onde se traça então a fronteira entre o que é uma ansiedade “normal” e a que constitui uma perturbação psicológica? A linha que as separa é muito subjetiva e varia de pessoa para pessoa, mas, explica a especialista, “o problema acontece quando a ansiedade paralisa ou bloqueia o indivíduo, que não é capaz de utilizar nenhuma estratégia positiva para lidar com ela”. Ou seja, quando controla a sua vida, ao invés de ser este a controlá-la.
O consumo elevado de ansiolíticos, nomeadamente aqueles que têm na sua base a benzodiazepina, como o Victan ou o Xanax, o mais famoso de todos, é algo que está a preocupar os especialistas
Em grande parte dos casos, está associada à depressão. “São companheiras de viagem”, afirma Telles Correia. “As pessoas que sofrem dos vários tipos de ansiedade acabam, devido ao peso que esta impõe nas suas vidas, e à disfunção social e ocupacional que imprime, por desenvolver sentimentos de tristeza que podem chegar à depressão.” Da mesma forma, os sintomas de ansiedade, os medos constantes e os comportamentos de evitamento “podem ocorrer com frequência” nos doentes com depressão.
É muito difícil apontar uma causa para um problema tão complexo como este. “As causas são, na grande maioria dos casos, de natureza reativa a acontecimentos da vida”, nota João Marques Teixeira, presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental. “No entanto, nem toda a gente reage com perturbações de ansiedade a acontecimentos traumáticos semelhantes, o que significa que também é necessário que os indivíduos apresentem uma determinada organização da sua personalidade para que reajam desta forma. Em síntese, podemos dizer que elas resultam de uma combinação entre fatores próprios da constituição genética da pessoa e fatores ambientais.” O especialista sublinha que um aspeto importante para o desenvolvimento das perturbações da ansiedade é a “aprendizagem desta forma de reagir aos acontecimentos”. É algo que ocorre durante o desenvolvimento da pessoa “e muitas vezes é aprendido a partir de estilos comportamentais dos familiares próximos”.
As perturbações de ansiedade podem assumir várias formas, cada uma delas com sintomas diferentes, sendo as mais frequentes a doença obsessiva compulsiva, as fobias, os ataques de pânico, o stresse pós-traumático e a perturbação de ansiedade generalizada, que se caracteriza por uma preocupação praticamente permanente e duradoura (pelo menos seis meses).
Andreia Reis tinha 16 anos quando lhe foi diagnosticada doença obsessiva compulsiva, mas os sintomas da sua ansiedade começaram dois anos antes. “Nessa altura andava bastante revoltada com tudo. Tinha um ódio enorme por mim mesma, um medo terrível dos outros e o desejo de ter mais experiência. Foi pouco depois disso que decidi sair do colégio da terrinha e ir estudar teatro.”
Aos poucos, os sintomas foram-se intensificando. Tinha episódios sufocantes, em que sentia engasgar-se “com o próprio ar”. Teve ataques de pânico “tão graves e tão repentinos” que nem sabia o que se estava a passar. Num momento estava a dormir “descansada da vida”, no outro acordava com dores no peito tão fortes que tinha de ir para o hospital. Começou a automutilar-se. “Era o mecanismo que na altura parecia resultar comigo.”
Quanto mais os ataques se agravavam mais ela se esforçava para que ninguém reparasse que algo de errado se passava. Faz parte de um grupo de pessoas a quem Daniel Smith, autor do best-seller “Monkey Mind”, onde descreve a sua experiência com a doença, chama “repressores”. “Aprendem a esconder a sua ansiedade dos olhares públicos. Fecham-na dentro delas como ácido num tubo. Não é agradável. A mente humana não é um Pyrex, pode corroer.”
Foi isso que um médico cardiologia do Hospital de Santo António, no Porto, lhe explicou quando foi lá parar depois de ter desmaiado no chão da faculdade, coberta de suores frios. “Disse-me que estava a ter ataques de pânico e que podiam vir em muitas formas e quando menos esperava. Dava para perceber que eu era uma pessoa que engarrafava toda a minha ansiedade e depois o meu corpo tinha de descarregá-la.”
Já tentou “de tudo”: consultou psicólogos e psiquiatras, tomou “várias medicações”, que começavam em doses pequenas e “aumentavam até doses de cavalo”, experimentou a hipnose e “terapias não convencionais”, do reikki a taças de som tibetanas (que se diz ajudarem a equilibrar o corpo e a mente). “Só me falta ir a bruxa ou à missa!”, atira, esboçando um sorriso. A psiquiatra que a segue agora quer tirar-lhe a medicação. “Estou só com uma dose baixa de fluoxetina [um antidepressivo] e faço Victan [um ansiolítico] em SOS, mas ela também quer acabar com isso.”
O consumo elevado de ansiolíticos, nomeadamente aqueles que têm na sua base a benzodiazepina, como o Victan ou o Xanax, o mais famoso de todos, é algo que está a preocupar os especialistas. Portugal é um dos países da Europa que mais consomem este tipo de medicamentos: em 2017, venderam-se nas farmácias 10,6 milhões de embalagens, ou seja, mais de uma por habitante, facto que levou o diretor do Programa Nacional de Saúde Mental, Paulo Xavier, a afirmar que, no país, “quase não há respostas além das farmacológicas”.
Estarão os ansiolíticos a ser usados como panaceia para todos os males da ansiedade? Isabel Lourinho responde com cautela. “Ao contrário de alguns colegas, não sou antifármacos. Sendo uma psicóloga com formação na área das ciências e doutoramento em biomedicina, reconheço o valor que os fármacos podem ter. Aliás, existem situações em que tomar o comprimido adequado pode ser a estratégia de resolução mais eficaz”, explica. Porém, a psicóloga lembra que, tão importante como resolver o sintoma, é descobrir a causa do mesmo. “E, aí, a psicoterapia aliada ao estilo de vida adequado, com uma maior consciência de si mesmo e dos outros, e em harmonia com o mundo, faz toda a diferença.”
Onde se traça então a fronteira entre o que é uma ansiedade “normal” e a que constitui uma perturbação psicológica? A linha que as separa é muito subjetiva e varia de pessoa para pessoa
Apesar de combaterem os sintomas, acalmando de forma transitória a ansiedade, os ansiolíticos não vão à raiz do problema e expõem os pacientes à dependência. Se estes tomarem a mesma dose durante vários anos, o corpo habitua-se e para conseguir o mesmo efeito é preciso subir a dose. Caem assim num círculo vicioso de tolerância e dependência, até a um ponto em que deixam de funcionar com normalidade, surgindo efeitos secundários como a perda de memória e de atenção. Sem saberem o que fazer, muitos acabam com frequência por tomar diversos fármacos. Dos ansiolíticos passam aos antidepressivos.
Diogo Telles Correia desfaz um dos mitos muito associados a estes últimos: “Ao contrário do que se publicita, não se conhecem efeitos secundários importantes deste tipo de medicamentos quando tomados por largos períodos de tempo”, garante. “Os mais usados na ansiedade são os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS). Embora se denominem antidepressivos, porque foram inicialmente testados e usados na depressão, são os medicamentos mais eficazes para o tratamento a médio e longo prazo da ansiedade.” Um comprimido não deve nunca substituir a terapia, mas isso não significa que a medicação não seja, muitas vezes, parte da resposta ao problema.
As estratégias adequadas para cada caso “dependem sempre do diagnóstico”, explica Marques Teixeira. “Nas situações de extrema gravidade o tratamento terá de ser um tratamento médico; nas situações menores, uma abordagem psicológica que ajude a pessoa a encontrar recursos para lidar com os seus níveis elevados de ansiedade pode ser suficiente.” Absolutamente fundamental é apostar na prevenção, adotando um estilo de vida saudável, que inclua uma alimentação adequada, horas de sono suficientes e atividade física, “que é o melhor ansiolítico”, garante Isabel Lourinho.
Andreia ainda tem ataques de pânico “traduzidos em crises de meia idade”, o que é estranho porque só tem 19 anos “e a vida pela frente”. A diferença é que, pela primeira vez, sente-se preparada para “tomar as rédeas” da sua ansiedade. “A minha psiquiatra deu-me essa confiança. Foi a primeira que me disse: ‘Tu és responsável. E eu sei que és capaz dessa responsabilidade e dessa evolução’.” Depois de um período de tréguas, os ataques de ansiedade de Mariana voltaram, por culpa de uma experiência profissional que não a deixava dormir muito. Desta vez, está a lidar “com o monstrinho” sozinha. “Tento fazer a minha autoanálise e falar muito sobre as coisas. Acho que já tenho essas competências.” Sara sabe que o caminho rumo à paz interior é longo. Lutar contra a ansiedade “é uma maratona, não um sprint. Há que treinar pouco a pouco até recuperarmos a nossa vida. E os nossos sonhos”. Ninguém devia passar os dias a ter medo de ter medo.
Durante a adolescência, Sara Pereira, hoje com 32 anos, sempre foi muito exigente com ela própria. Era aluna de 18 valores, soube desde cedo que queria seguir o mundo da comunicação, tinha objetivos e sonhos bem definidos. “Na minha cabeça, desenhei uma linha do tempo para a minha carreira e para a minha vida pessoal. Aos 25 anos teria casa própria, aos 30 um relacionamento sério, aos 35 iria para fora trabalhar numa multinacional como diretora ou chefe de equipa.” Tirando a asma, nunca tivera grandes problemas de saúde. Lembra-se apenas de ficar nervosa antes dos testes e dos exames nacionais. Mas ‘ficar nervosa’ “não é sofrer de ansiedade”. Isso só veio mais tarde.
Chegou sem aviso, como uma explosão inesperada. Foi no início do verão após o primeiro ano na Universidade do Porto. Sara foi com dois amigos a um festival de música em Lisboa, era a primeira vez longe de casa sem os pais. “À noite, e depois de um dia mal alimentada, acordei e pensei que ia morrer. O meu melhor amigo estava ao meu lado e segurou-me a mão enquanto perguntava o que é que eu tinha. Vomitei, quase desmaiei. Tinha a cabeça à roda e chorei durante o que me pareceram horas.” Ela ainda não o sabia, mas tinha acabado de ter o seu primeiro ataque de pânico. “A partir desse dia a minha vida mudou. E eu ainda não imaginava quanto.”
Quando regressou ao Porto, marcou uma consulta num psiquiatra, que lhe diagnosticou um esgotamento e um início de depressão, e lhe receitou um antidepressivo e um ansiolítico. Por causa dos medicamentos, passou as duas semanas seguintes “sem conseguir sair de casa ou ver a luz do dia”. Ficava exausta, parecia “um zombie”.
Ao longo dos últimos 13 anos, sentiu todo o tipo de sintomas físicos. A lista parece interminável: “Taquicardia, tonturas, tremores, formigueiros nos membros superiores e inferiores, sensação de falta de ar, de sufoco, de desmaio, de estar a perder o controlo ou até de ‘desrealização’, visão turva e em túnel, secura da boca, náuseas e dores abdominais, perda de força nas pernas, transpiração excessiva, medo de vomitar e, claro, medo de morrer.” Sara sabe bem que um ataque de ansiedade ou de pânico não a vai matar, mas nem sempre consegue convencer-se disso. Não é fácil explicar a quem a rodeia que não existe um botão para desligar a ansiedade. “Muita gente diz-me o clássico ‘tens de ter calma, não stresses’. Há muito estigma em relação às doenças mentais e os ataques de pânico ainda são vistos muito como ‘ataquezinhos de gente mimalha que quer tudo e está frustrada’.”
Portugal está entre os países da UE onde o problema mais se faz sentir: cerca de 16,5% da população sofre de perturbação de ansiedade, sendo a doença mental mais prevalente
O pior, garante, são os evitamentos, o deixar de fazer as suas rotinas com medo de ter uma nova crise. O medo de ter medo. É um círculo vicioso que a leva a alterar as suas rotinas. “Por exemplo, tive um ataque de pânico no comboio, então evitei durante anos andar de comboio. Se tinha um numa determinada rua, evitava passar por lá. Nada disto faz sentido nem para quem tem ansiedade, mas é quase uma obrigação respeitar o medo.”
Sara não tem medo das palavras: viver com ansiedade “é uma prisão”. Aos poucos, foi perdendo autonomia e isolando-se cada vez mais. Não por vergonha, mas por receio de estragar o dia ou a noite aos outros. Sai quase sempre sozinha, para, se se sentir mal, voltar para casa quando quiser, sem ter de dar grandes explicações. “Quando dei por mim, tinha deixado de conduzir, de sair à noite, na pior fase até de sair de dia para tomar um café, de trabalhar fora da minha cidade, de ir ao ginásio, de ir ao cinema, ao teatro, a concertos ou a reuniões, de viajar, de ter liberdade e autonomia, de deixar de ser eu própria e de acreditar nos meus sonhos.” Em espaços fechados fica sempre perto das saídas, nos espetáculos escolhe uma cadeira colada ao corredor, evita andar de transportes públicos. Nunca sai sem a medicação. Por causa da doença, perdeu muitos empregos. “Quando me perguntam se há problema em ter muitas viagens, respondo sempre que não. Depois, quando me ligam a dizer que fui escolhida, desisto. Já tentei ser honesta. Não passei para a fase seguinte.”
Quando olha para fotografias antigas, tem saudades da miúda que era antes da ansiedade se ter instalado na sua vida. “Essa miúda ainda está dentro de mim, mas, muitas vezes, está coberta por um manto de medo que a isola e paralisa.”
25 MILHÕES DE ANSIOSOS NA EUROPA
Sara não está só. A sua história podia ser a de milhões de outras pessoas que sofrem de perturbação de ansiedade em todo o mundo. Só na Europa, de acordo o relatório “Health at Glance 2018” da OCDE, estima-se que a doença afete 25 milhões de pessoas. Portugal está entre os países da UE onde o problema mais se faz sentir: cerca de 16,5% da população sofre dele, sendo a doença mental mais prevalente, de acordo com o último estudo epidemiológico realizado no país. Perto de um terço das pessoas irá sofrer uma perturbação de ansiedade num dado momento das suas vidas.
A doença faz-se sentir sobretudo nas gerações mais jovens, em particular os millennials (pessoas que têm hoje entre 20 e 37 anos, aproximadamente), o que não é uma surpresa, uma vez que ela prospera num mundo de incertezas e o de hoje está cheio de ameaças potenciais para os jovens adultos: desemprego, baixos salários, dificuldade em comprar casa própria, dívidas… Os estudos demonstram também que a ansiedade parece ser mais frequente nas cidades do que nos meios rurais, e é quase o dobro nas mulheres. É algo para o qual são apontadas várias razões, desde fatores biológicos, nomeadamente hormonais, a “uma maior exposição a fatores indutores de stresse nas mulheres, relacionados com o trabalho, o ambiente familiar, pressões sociais, etc.”, explica o médico psiquiatra Diogo Telles Correia, autor do livro “A Ansiedade nos Nossos Dias”, editado no ano passado.
Mariana Anjos, 26 anos, consultora de recursos humanos e caça-talentos, é outro nome que engrossa as estatísticas. Teve o primeiro ataque de pânico, “o mais assustador” até hoje, aos 13 anos. Estava a fazer um teste de História e era a única que ainda não tinha entregado a prova. De repente, o ruído na sala começou a incomodá-la imenso. “Só me lembro de chorar muito e começar a arranhar-me toda. Tentaram tudo para me acalmar, mas era impossível. Um professor chegou a dar-me um estalo, mas eu não parava. Fui para o hospital e sedaram-me para dormir, mas nem assim consegui.”
Até aos 22 anos foi “sempre a piorar”. Os ataques passaram a ser diários, especialmente quando estava a dormir. “A dor que sentia no peito era horrível.” Aos 18 anos, por causa da ansiedade, perdeu “grande parte do cabelo”. O resultado: mais ansiedade. Como uma bola de neve. “Estava constantemente medicada, tomava demasiados comprimidos, mas não sentia que surtissem efeito.”
Na hora de ir para a universidade, decidiu tirar Psicologia. Antes de cada exame ou apresentação, tinha um ataque. Foi então que percebeu que a sua ansiedade tinha origem sobretudo em situações em que estava a ser avaliada. O medo de falhar estava sempre presente. “A pressão que coloco em mim é demasiada. Os meus pais também não ajudavam, diziam-me que ia chumbar ou falhar. Dei por mim a viver numa agonia constante, não conseguia aproveitar nada.”
Há quatro anos, cansada da medicação, e apesar de “muito cética”, deixou-se convencer por uma amiga a fazer terapia num centro de ioga especializado em ataques de pânico e de ansiedade. “Fiz duas sessões que me custaram muito. É uma autoanálise dolorosa, porque desconstruímos as coisas e vamos à sua origem, mas depois sente-se um alívio enorme.” Nos três anos seguintes não voltou a ter ataques. “Comecei a aproveitar muito mais a vida, a ser mais focada no trabalho e a conseguir desvalorizar muito mais facilmente os problemas.”
UMA COMPANHEIRA DE VIAGEM DA DEPRESSÃO
Apesar do impacto profundo que pode ter na vida das pessoas, nem toda a ansiedade é má. Ela é, aliás, uma emoção fundamental para ajudar a identificar situações de perigo e permitir que nos preparemos melhor para as enfrentar. Nas doses adequadas, pode até ter efeitos positivos. “Alguns autores chamam a atenção para o facto de, em baixos níveis, ela poder favorecer o desempenho profissional”, sublinha Telles Correia, psicoterapeuta que é também professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. É a chamada Lei Yerbes-Dodson, segundo a qual até determinados níveis de ansiedade há “um aumento da atenção e do interesse”. Mesmo níveis “moderados altos” podem ter um efeito positivo, nota a psicóloga Isabel Lourinho, do Instituto CUF Porto. “Na minha tese de doutoramento concluí que os estudantes mais ansiosos tinham melhores resultados académicos do que os não ansiosos.”
Onde se traça então a fronteira entre o que é uma ansiedade “normal” e a que constitui uma perturbação psicológica? A linha que as separa é muito subjetiva e varia de pessoa para pessoa, mas, explica a especialista, “o problema acontece quando a ansiedade paralisa ou bloqueia o indivíduo, que não é capaz de utilizar nenhuma estratégia positiva para lidar com ela”. Ou seja, quando controla a sua vida, ao invés de ser este a controlá-la.
O consumo elevado de ansiolíticos, nomeadamente aqueles que têm na sua base a benzodiazepina, como o Victan ou o Xanax, o mais famoso de todos, é algo que está a preocupar os especialistas
Em grande parte dos casos, está associada à depressão. “São companheiras de viagem”, afirma Telles Correia. “As pessoas que sofrem dos vários tipos de ansiedade acabam, devido ao peso que esta impõe nas suas vidas, e à disfunção social e ocupacional que imprime, por desenvolver sentimentos de tristeza que podem chegar à depressão.” Da mesma forma, os sintomas de ansiedade, os medos constantes e os comportamentos de evitamento “podem ocorrer com frequência” nos doentes com depressão.
É muito difícil apontar uma causa para um problema tão complexo como este. “As causas são, na grande maioria dos casos, de natureza reativa a acontecimentos da vida”, nota João Marques Teixeira, presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental. “No entanto, nem toda a gente reage com perturbações de ansiedade a acontecimentos traumáticos semelhantes, o que significa que também é necessário que os indivíduos apresentem uma determinada organização da sua personalidade para que reajam desta forma. Em síntese, podemos dizer que elas resultam de uma combinação entre fatores próprios da constituição genética da pessoa e fatores ambientais.” O especialista sublinha que um aspeto importante para o desenvolvimento das perturbações da ansiedade é a “aprendizagem desta forma de reagir aos acontecimentos”. É algo que ocorre durante o desenvolvimento da pessoa “e muitas vezes é aprendido a partir de estilos comportamentais dos familiares próximos”.
As perturbações de ansiedade podem assumir várias formas, cada uma delas com sintomas diferentes, sendo as mais frequentes a doença obsessiva compulsiva, as fobias, os ataques de pânico, o stresse pós-traumático e a perturbação de ansiedade generalizada, que se caracteriza por uma preocupação praticamente permanente e duradoura (pelo menos seis meses).
Andreia Reis tinha 16 anos quando lhe foi diagnosticada doença obsessiva compulsiva, mas os sintomas da sua ansiedade começaram dois anos antes. “Nessa altura andava bastante revoltada com tudo. Tinha um ódio enorme por mim mesma, um medo terrível dos outros e o desejo de ter mais experiência. Foi pouco depois disso que decidi sair do colégio da terrinha e ir estudar teatro.”
Aos poucos, os sintomas foram-se intensificando. Tinha episódios sufocantes, em que sentia engasgar-se “com o próprio ar”. Teve ataques de pânico “tão graves e tão repentinos” que nem sabia o que se estava a passar. Num momento estava a dormir “descansada da vida”, no outro acordava com dores no peito tão fortes que tinha de ir para o hospital. Começou a automutilar-se. “Era o mecanismo que na altura parecia resultar comigo.”
Quanto mais os ataques se agravavam mais ela se esforçava para que ninguém reparasse que algo de errado se passava. Faz parte de um grupo de pessoas a quem Daniel Smith, autor do best-seller “Monkey Mind”, onde descreve a sua experiência com a doença, chama “repressores”. “Aprendem a esconder a sua ansiedade dos olhares públicos. Fecham-na dentro delas como ácido num tubo. Não é agradável. A mente humana não é um Pyrex, pode corroer.”
Foi isso que um médico cardiologia do Hospital de Santo António, no Porto, lhe explicou quando foi lá parar depois de ter desmaiado no chão da faculdade, coberta de suores frios. “Disse-me que estava a ter ataques de pânico e que podiam vir em muitas formas e quando menos esperava. Dava para perceber que eu era uma pessoa que engarrafava toda a minha ansiedade e depois o meu corpo tinha de descarregá-la.”
Já tentou “de tudo”: consultou psicólogos e psiquiatras, tomou “várias medicações”, que começavam em doses pequenas e “aumentavam até doses de cavalo”, experimentou a hipnose e “terapias não convencionais”, do reikki a taças de som tibetanas (que se diz ajudarem a equilibrar o corpo e a mente). “Só me falta ir a bruxa ou à missa!”, atira, esboçando um sorriso. A psiquiatra que a segue agora quer tirar-lhe a medicação. “Estou só com uma dose baixa de fluoxetina [um antidepressivo] e faço Victan [um ansiolítico] em SOS, mas ela também quer acabar com isso.”
O consumo elevado de ansiolíticos, nomeadamente aqueles que têm na sua base a benzodiazepina, como o Victan ou o Xanax, o mais famoso de todos, é algo que está a preocupar os especialistas. Portugal é um dos países da Europa que mais consomem este tipo de medicamentos: em 2017, venderam-se nas farmácias 10,6 milhões de embalagens, ou seja, mais de uma por habitante, facto que levou o diretor do Programa Nacional de Saúde Mental, Paulo Xavier, a afirmar que, no país, “quase não há respostas além das farmacológicas”.
Estarão os ansiolíticos a ser usados como panaceia para todos os males da ansiedade? Isabel Lourinho responde com cautela. “Ao contrário de alguns colegas, não sou antifármacos. Sendo uma psicóloga com formação na área das ciências e doutoramento em biomedicina, reconheço o valor que os fármacos podem ter. Aliás, existem situações em que tomar o comprimido adequado pode ser a estratégia de resolução mais eficaz”, explica. Porém, a psicóloga lembra que, tão importante como resolver o sintoma, é descobrir a causa do mesmo. “E, aí, a psicoterapia aliada ao estilo de vida adequado, com uma maior consciência de si mesmo e dos outros, e em harmonia com o mundo, faz toda a diferença.”
Onde se traça então a fronteira entre o que é uma ansiedade “normal” e a que constitui uma perturbação psicológica? A linha que as separa é muito subjetiva e varia de pessoa para pessoa
Apesar de combaterem os sintomas, acalmando de forma transitória a ansiedade, os ansiolíticos não vão à raiz do problema e expõem os pacientes à dependência. Se estes tomarem a mesma dose durante vários anos, o corpo habitua-se e para conseguir o mesmo efeito é preciso subir a dose. Caem assim num círculo vicioso de tolerância e dependência, até a um ponto em que deixam de funcionar com normalidade, surgindo efeitos secundários como a perda de memória e de atenção. Sem saberem o que fazer, muitos acabam com frequência por tomar diversos fármacos. Dos ansiolíticos passam aos antidepressivos.
Diogo Telles Correia desfaz um dos mitos muito associados a estes últimos: “Ao contrário do que se publicita, não se conhecem efeitos secundários importantes deste tipo de medicamentos quando tomados por largos períodos de tempo”, garante. “Os mais usados na ansiedade são os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS). Embora se denominem antidepressivos, porque foram inicialmente testados e usados na depressão, são os medicamentos mais eficazes para o tratamento a médio e longo prazo da ansiedade.” Um comprimido não deve nunca substituir a terapia, mas isso não significa que a medicação não seja, muitas vezes, parte da resposta ao problema.
As estratégias adequadas para cada caso “dependem sempre do diagnóstico”, explica Marques Teixeira. “Nas situações de extrema gravidade o tratamento terá de ser um tratamento médico; nas situações menores, uma abordagem psicológica que ajude a pessoa a encontrar recursos para lidar com os seus níveis elevados de ansiedade pode ser suficiente.” Absolutamente fundamental é apostar na prevenção, adotando um estilo de vida saudável, que inclua uma alimentação adequada, horas de sono suficientes e atividade física, “que é o melhor ansiolítico”, garante Isabel Lourinho.
Andreia ainda tem ataques de pânico “traduzidos em crises de meia idade”, o que é estranho porque só tem 19 anos “e a vida pela frente”. A diferença é que, pela primeira vez, sente-se preparada para “tomar as rédeas” da sua ansiedade. “A minha psiquiatra deu-me essa confiança. Foi a primeira que me disse: ‘Tu és responsável. E eu sei que és capaz dessa responsabilidade e dessa evolução’.” Depois de um período de tréguas, os ataques de ansiedade de Mariana voltaram, por culpa de uma experiência profissional que não a deixava dormir muito. Desta vez, está a lidar “com o monstrinho” sozinha. “Tento fazer a minha autoanálise e falar muito sobre as coisas. Acho que já tenho essas competências.” Sara sabe que o caminho rumo à paz interior é longo. Lutar contra a ansiedade “é uma maratona, não um sprint. Há que treinar pouco a pouco até recuperarmos a nossa vida. E os nossos sonhos”. Ninguém devia passar os dias a ter medo de ter medo.
29.7.16
Estudo sobre redução da ansiedade na população reclusa apresentado em Coimbra
in RTP
O 3.º Congresso Nacional Conversas de Psicologia, que vai decorrer a 03 e 04 de novembro, em Coimbra, vai apresentar os resultados de um estudo sobre a redução dos níveis de stress da população reclusa.
O anúncio foi feito hoje por Vítor Anjos, presidente da Associação Portuguesa de Conversas de Psicologia (APCP), promotora do congresso, na apresentação do evento à comunicação social.
O estudo, iniciado há dois anos, pretende aferir como é que o ensino de técnicas autoaplicáveis para diminuir o stress e a ansiedade ministrado por aquela associação surtiu efeito junto da população prisional portuguesa.
O 3.º Congresso Nacional Conversas de Psicologia vai juntar cerca de 700 especialistas no auditório da reitoria da Universidade de Coimbra e integra também a 2.ª Conferência Internacional de Envelhecimento Ativo, cujo responsável é o investigador Ricardo Pocinho.
Durante os dois dias, vão ser realizadas nove conferências, com a participação de 27 oradores, que vão abordar temas como as alergias alimentares, terapias de terceira geração para doenças crónicas e as demências e doenças neurodegenerativas.
Durante a 2.ª Conferência Internacional de Envelhecimento Ativo vão ser também apresentados os resultados de uma investigação sobre a transição das pessoas para a reforma e a importância da formação e bem-estar psicológico.
"Serão dois eventos num só programa e que contam com a participação dos mais prestigiados investigadores e docentes de universidades portuguesas, brasileiras, espanholas e inglesas", sublinhou Vítor Anjos.
O presidente da APCP adiantou que a abertura oficial do congresso vai estar a cargo do reitor da Universidade de Coimbra, João Gabriel Silva, e a sessão de encerramento caberá ao psiquiatra Tiago Reis Marques, investigador galardoado na área da esquizofrenia.
Durante a iniciativa, o professor catedrático jubilado José Pinto da Costa vai ser distinguido com o Prémio Carreira. Nas últimas duas edições, foram galardoados Carlos Amaral Dias e José Pinto Gouveia.
O 3.º Congresso Nacional Conversas de Psicologia, que vai decorrer a 03 e 04 de novembro, em Coimbra, vai apresentar os resultados de um estudo sobre a redução dos níveis de stress da população reclusa.
O anúncio foi feito hoje por Vítor Anjos, presidente da Associação Portuguesa de Conversas de Psicologia (APCP), promotora do congresso, na apresentação do evento à comunicação social.
O estudo, iniciado há dois anos, pretende aferir como é que o ensino de técnicas autoaplicáveis para diminuir o stress e a ansiedade ministrado por aquela associação surtiu efeito junto da população prisional portuguesa.
O 3.º Congresso Nacional Conversas de Psicologia vai juntar cerca de 700 especialistas no auditório da reitoria da Universidade de Coimbra e integra também a 2.ª Conferência Internacional de Envelhecimento Ativo, cujo responsável é o investigador Ricardo Pocinho.
Durante os dois dias, vão ser realizadas nove conferências, com a participação de 27 oradores, que vão abordar temas como as alergias alimentares, terapias de terceira geração para doenças crónicas e as demências e doenças neurodegenerativas.
Durante a 2.ª Conferência Internacional de Envelhecimento Ativo vão ser também apresentados os resultados de uma investigação sobre a transição das pessoas para a reforma e a importância da formação e bem-estar psicológico.
"Serão dois eventos num só programa e que contam com a participação dos mais prestigiados investigadores e docentes de universidades portuguesas, brasileiras, espanholas e inglesas", sublinhou Vítor Anjos.
O presidente da APCP adiantou que a abertura oficial do congresso vai estar a cargo do reitor da Universidade de Coimbra, João Gabriel Silva, e a sessão de encerramento caberá ao psiquiatra Tiago Reis Marques, investigador galardoado na área da esquizofrenia.
Durante a iniciativa, o professor catedrático jubilado José Pinto da Costa vai ser distinguido com o Prémio Carreira. Nas últimas duas edições, foram galardoados Carlos Amaral Dias e José Pinto Gouveia.
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