Carolina Amado, in Público on-line
Durante este novo confinamento, há quem tenha subido notas, e até prefira o ensino online, mas é caso raro. Os futuros profissionais ouvidos pelo P3 dizem sentir-se ansiosos, não conseguem dormir, já pensaram desistir do curso — e não ajuda pensar que as aulas presenciais no ensino superior só deverão ser retomadas a partir de Abril, como admitido esta semana pelo presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas. Cinco estudantes contam a sua experiência, na primeira pessoa.
“Estou literalmente a sobreviver. Os meus pais trabalhavam ambos no sector do turismo, em hotelaria, agora estão em lay-off, e eu tive duas opções. Congelar a minha matrícula e voltar para Lagos, ou arranjar trabalho em Lisboa e continuar lá a minha vida. Como voltar para Lagos permanentemente não era opção, fui para Lisboa e encontrei um trabalho que me pagasse a casa e as propinas.
Enquanto aluna deslocada, também tive alguns problemas com a habitação. Estava numa casa onde não tinha um contracto. No primeiro confinamento, quando fui para casa dos meus pais, o senhorio concordou que pagaria apenas metade da renda enquanto não voltasse, mas depois mudou de ideias. Entretanto, já troquei de casa duas vezes. Vivo com o meu namorado, num T1, e é apertado. Preciso de claridade, luz natural para estudar e esta casa não tem.
Para me conseguir manter de pé preciso de sair de casa, conversar, conhecer pessoas novas. A vida académica era a minha vida social. A única pessoa com quem interajo agora é o meu namorado, e depois tenho os meus gatos. Não vejo a minha família há imenso tempo, e não sei quando vou ver.
Tem sido um esforço imenso. Trabalhar das nove às seis num call center, a partir de casa, e estudar para a faculdade até me deitar é cansativo. Antes tinha tempo para estar com amigos, fazer teatro, tudo e mais alguma coisa, e agora tenho de escolher: hoje arrumo a casa ou vou estudar? Tanto que vou demorar mais um semestre do que era suposto a terminar a licenciatura.
Já tive covid-19, estive um mês de baixa. Aí comecei a sentir mais ansiedade até que fui, de emergência, para o hospital. Agora sou acompanhada por psicólogos e psiquiatras, e tomo medicação. Sem dúvida que é uma consequência da pandemia. Sempre fui uma pessoa positiva, contente, nunca pensei que as coisas se fossem agravar desta forma.”
“Ninguém quer ser conhecido como o médico que foi formado durante a pandemia da covid-19. Preocupa-nos a carga diminuta que temos de aulas práticas em relação a anos anteriores. A mudança para o online tira-nos a percepção de que estamos a lidar com seres humanos, e que nós próprios somos seres humanos, parecemos máquinas ligadas a um computador a teclar. É desmotivador, destrutivo.
Tivemos uma diminuição das horas de contacto com os pacientes e cortaram-nos a urgência e o bloco operatório, para criar um modelo que reduza ao máximo as cadeias de contaminação. Os riscos que corremos são os mesmos, ou até menores, do que antes da pandemia. Aqui, no Centro Hospitalar Universitário de São João, médicos e enfermeiros já estão vacinados, e os alunos de sexto ano também serão, e isso dá-nos outro alívio. Se mantivermos todos os cuidados, à partida, estamos bem.
Nos anos básicos do curso de Medicina, o regime é online e nos anos clínicos é misto: a prática clínica é no hospital, e tudo o que for teórico é online. Será assim durante todo o semestre. O ano passado, no primeiro confinamento, estive o tempo todo em frente a um ecrã, parecia que vivia através de uma caixa, e eu adoro fotografia, gosto muito de ver através de lentes e caixas! Mas de um computador, por favor, não.
Comparando com Março, sem dúvida que a faculdade e os professores estão muito melhor preparados. Antes alguns nem sabiam como criar uma chamada Zoom, tive aulas com um professor a quem só vi a testa durante meio semestre. Todos fizeram um esforço para que tivéssemos mais material de apoio caso fosse necessário um segundo confinamento. Infelizmente, aconteceu.
Na Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina temos trabalhado para cativar os alunos e dar-lhes a conhecer o que é a vida académica para além disto, mas é muito difícil estarmos a par das realidades de 3 mil pessoas. Tentamos dar a conhecer entidades que os possam ajudar, e dar-lhes a mão para dizer que, se precisarem, estamos aqui.”
"O meu rendimento escolar e as minhas notas subiram bastante, porque deixei de ter as pequenas distracções com colegas e pausas alongadas, as pausas para cafezinhos. Se todo o semestre for online, estou tranquilo. O cenário perfeito era a pandemia acabar e conseguirmos conciliar o ensino à distância com a liberdade para fazer o que queremos nos tempos livres.
Em casa, consigo prestar atenção às aulas e poder gravá-las ajuda bastante, para as rever depois. No meu melhor semestre presencial fiz cinco cadeiras, e no semestre passado, que foi online, fiz nove.
Acho que, em alguns exames, o grau de dificuldade aumentou, para compensar o facto de os fazermos com consulta. A meu ver, é melhor para os alunos. A única desvantagem é que presencialmente tínhamos uns minutos extra dados pelo professor, e o computador não permite mais tempo.
Não estou preocupado com a perda de experiências da vida académica porque aproveitei bastante os meus dois primeiros anos de faculdade. Agora quero é acabar o curso, estou mais focado em trabalhar e fazer as cadeiras com boas notas. E, para compensar a distância, faço muitas vezes videochamadas com os meus amigos.
Tenho uma rotina definida, acordo sempre entre as 7h e as 8h, trabalho até ao meio-dia, e depois, de novo, até ao final da tarde. Estar mais tempo no computador não me faz confusão. À noite é o meu tempo, consigo fazer passeios porque não há tanta gente na rua.
Acho muito importante manter um plano de estudo e de trabalho bem definidos. Para quem se consegue adaptar, ter disciplina e cumprir os seus horários, a produtividade aumenta bastante.”
“No semestre passado, tive aulas em regime misto, presencial e online. Existiam imensos problemas técnicos, não acho que os professores estivessem preparados as aulas à distância. Perdíamos muito tempo, a abrir o Zoom, enviar links, ligar as câmaras... Aulas de uma hora passavam a 25 minutos. Honestamente, foi mais confuso do que o primeiro confinamento, em Março de 2020.
Por causa do meu problema de saúde – um macroadenoma na hipófise – tenho de controlar muito bem o tempo que passo em frente ao computador. Ter aulas todos os dias, fazer trabalhos, pesquisar na Internet... Todas estas horas tornaram-se incomportáveis para mim. Não conseguia concentrar-me, à noite não tinha sono.
Os professores aumentaram extraordinariamente a carga de trabalhos. Entendo que tivessem de substituir a participação nas aulas por outra actividade, mas tínhamos de escrever ensaios atrás de ensaios... Já para não falar de quem tem dificuldades económicas ou não tem um bom ambiente familiar. Eu tenho a sorte de ter. Mas sinto que alguns professores tiveram uma certa falta de sensibilidade. Há uma desigualdade que tem de ser considerada pelas escolas, não estamos todos na mesma posição.
Eu era muito ligada ao desporto, era a minha maior paixão, e deixei de fazer tudo. Parecia que me levantava da cama e não tinha vontade para nada. Sinto que me desinteressei, que perdi a paixão que tinha pelo curso quando me candidatei. Só não congelei a matrícula porque em 2018, quando fui diagnosticada com esta doença, tive de o fazer, e não queria perder mais um ano.
No meu grupo de amigos da faculdade as queixas eram sempre as mesmas. Sentíamo-nos ansiosos, não conseguíamos dormir e, mesmo quem nunca tinha tido pensamentos mais depressivos, começou a tê-los. Mas temos de ser pacientes, tentar dar o nosso melhor e aguentar até que isto acabe, porque vai acabar, só não sabemos quando.”
“Eu não consigo ter um laboratório em casa, não tenho uma sala escura, não tenho os químicos para trabalhar a fotografia. O essencial do curso de Fotografia está em suspenso por tempo indefinido. Parece que existem planos para tudo, menos para as aulas práticas. E isto relaciona-se com o apoio à cultura. O que já estava mal agravou-se, e chegou a um ponto em que, para muitas pessoas, as dificuldades são extremas.
Já as aulas teóricas têm corrido muito bem. O curso está bem organizado, surpreenderam-me imenso. Temos um horário novo, em que os vários anos de Fotografia podem assistir a todas as aulas que queiram, o ensino é mais completo e acabamos por contactar com mais pessoas. Até os professores das aulas práticas dão o seu melhor, vão para os laboratórios exemplificar o que deveríamos fazer, para dar continuidade ao nosso trabalho.
Ao mesmo tempo, a carga horária é maior. E temos de reter muita informação a partir do computador. Em casa, tenho insónias e durmo muito mal. E, no dia seguinte, é complicado acompanhar as aulas. Eu gosto mesmo do meu curso e quero aprender o máximo possível. Quando não estou a ser produtiva e a aprender tanto quanto podia, sinto ainda mais pressão.
Há dias vi alguém dizer: “Quando fazes o que amas, é impossível entrar em burnout”. Mas não! Quando gostas do que fazes, queres evoluir, fazer mais e melhor, ser criativo e às vezes perdes noção das horas, do cansaço, do descanso, deixas-te guiar pela paixão. Pode dar para o torto.
Acho que o maior desafio ao estudo em confinamento é lidar com o ambiente doméstico. Não é tão simples como dizer: “sentem-se no sofá e fiquem em casa, não custa nada!”. Há muitas pessoas com ambientes extremamente tóxicos em casa.
As janelas que estavam cheias de papelinhos a dizer “Vamos todos ficar bem!” agora estão sujas, encardidas. Já não é verdade. Já ninguém tem paciência para isto. Às vezes sinto ansiedade porque quero tanto aprender neste curso, mas não estou a conseguir tirar dele o maior proveito possível.”