Nuno Rafael Gomes, in Público on-line
A “espontaneidade é provavelmente insubstituível” em teletrabalho, diz uma especialista. E a comunicação não é tão “fluida”, dizem os recém-contratados. Por isso, as empresas têm de criar momentos para lá das “reuniões de trabalho” — e “falta subir alguns degraus” nesse sentido.
Quando a pandemia fez meio mundo de gente fechar-se em casa, há quase um ano, Mafalda Girão ficou sem emprego. Incertezas e quebras nas receitas terão levado a empresa em que trabalhava a “dispensar pessoas” — uma delas foi a gestora de redes sociais de 27 anos, que na altura ainda se encontrava “na fase experimental”. Um par de meses depois, voltou ao mercado de trabalho, à boleia da agência de marketing e comunicação Euro M. O mesmo motivo que a atirou para o desemprego acabou, de certa forma, por abrir as portas para outra oportunidade: “Para algumas empresas, isto correu muito mal. Para outras, fez alavancar a área digital. E a empresa em que estou agora contratou várias pessoas por esse motivo.”
Só que, desta vez, a integração na equipa fez-se de forma diferente: tal como o 1,1 milhão de portugueses que passaram a trabalhar a partir de casa no segundo semestre de 2020, Mafalda ficou a saber, então, de que se tratava o regime de teletrabalho. “Conheci a chefia presencialmente, mas o resto da equipa conheci virtualmente. Não tive problemas. Claro que é sempre diferente, mas foi bastante tranquilo e acho que me adaptei muito facilmente”, conta a viseense a viver em Lisboa. Para Mafalda, os únicos “momentos mais complicados” aconteceram justamente nos primeiros dias, quando não sabia “com quem falar” — algo que, conta, foi “sempre ultrapassável”.
Significa isto que criar ligações com os colegas através de uma webcam é fácil? Depende dos casos. Para Maria Pico-Pérez, neurocientista e investigadora da Escola de Medicina da Universidade do Minho (UMinho), tal poderá ser “um desafio maior” para “as pessoas que estão a iniciar um novo emprego”. Por isso, “para quem já tivesse a sua rede de apoio social criada” no trabalho, antes da pandemia, será mais fácil. Contudo, na opinião da investigadora, a maior dificuldade na criação dessas relações será mesmo “a falta de oportunidades de partilha social mais espontâneas”. Já não há “os dez ou 15 minutos ao chegar ao trabalho em que cumprimentávamos os colegas” ou as “pausas para o café”, que “serviam para o novo trabalhador se ir integrando pouco a pouco na equipa”. Essa “espontaneidade é provavelmente insubstituível num regime de teletrabalho”.
Não é preciso falar de trabalho em todas as videochamadas
Patrícia Mendes, de 28 anos, sentiu essas dificuldades. Esteve desempregada entre Fevereiro e meados de Novembro último; depois, encontrou um novo emprego após “concorrer e responder a muitos anúncios”. Inicialmente, “a integração com os colegas não foi tão fluida”, bem como a “passagem de trabalhos”, já que substituiu uma colega que estava prestes a sair da empresa. Conheceu a equipa toda “através do Skype”. “Presencialmente, só estive com o meu chefe e foi para assinar o contrato e receber o material para trabalhar em casa”, acrescenta. Apesar das adversidades iniciais, a responsável de vendas, apoio ao cliente e comunicação não tem grandes dúvidas: “Prefiro estar em casa.” Patrícia afirma que o processo de integração no novo emprego foi “muito completo”: “Dividiram a minha formação por toda a gente possível e fiz pelo menos uma sessão de Skype com cada um dos meus colegas para perceber o que faziam.”
Como seria de esperar, também as empresas se adaptaram à nova realidade. Na Farfetch, por exemplo, “os novos colaboradores” contam sempre com “um programa de onboarding”, que visa a sua adaptação à empresa e às diversas equipas que a constituem. Entre o início de 2020 “e até ao final do terceiro trimestre”, a empresa fez “um total 395 de contratações em Portugal”, “das quais mais de 70% já no período de pandemia”, indica a vice-presidente dos recursos humanos, Ana Sousa. O contexto pandémico, “naturalmente”, fez com que “algum contacto humano” se perdesse na integração dos novos trabalhadores. “Mas tentamos compensar estando presentes e disponíveis mesmo remotamente. Aliás, os nossos colaboradores nunca estão sozinhos — temos uma pessoa na equipa dedicada, que faz o acompanhamento integral do primeiro ao último dia”, complementa.
No entanto, integrar os novos membros de uma empresa não passa só por videochamadas em que o tema é, precisamente, o trabalho. “Uma opção é, além das reuniões de trabalho, organizar videochamadas sociais para criar e manter estes laços”, aponta Maria Pico-Pérez. Da parte da Farfetch, Ana Sousa explica que a empresa se ajustou “rapidamente” para “aumentar o leque de possibilidades” de apoio psicológico aos seus trabalhadores. Desde então, há “um programa online que inclui gratuitamente consultas de psicologia”, mas também de meditação. E as aulas de ioga passaram, também, para o plano virtual. E há uma equipa dedicada ao bem-estar no trabalho a ser criada.
E quem não pode optar pelo teletrabalho?
A experiência de Joana Figueiredo difere dos testemunhos que o P3 ouviu. Aos 23 anos, a barcelense terminou a licenciatura em Enfermagem em Julho e, pouco depois, viu os seus dias ocupados com dois empregos. Hoje, trabalha como enfermeira no Hospital Privado de Barcelos e presta apoio a quem liga para a linha do SNS 24, por onde começou. “Havia muitos recém-licenciados e era preciso colmatar alguma falta de recursos humanos numa altura tão apertada como esta”, começa por contar.
Não teve direito aos habituais quatro dias de formação: “Quando lá cheguei, tive os dois dias de integração. Explicaram as funções, ensinaram a trabalhar com o sistema. Foi bastante teórico e, claro, em dois dias não dá para compreenderes todas as abordagens.” Apesar de “toda a formação ter ficado um pouco no ar”, Joana decidiu continuar naquele trabalho a part-time a recibos verdes. Hoje, no Centro de Contacto do SNS de Braga, atende chamadas relacionadas com a covid-19. “A partir de certos sintomas, já passo para outro enfermeiro com mais experiência”, explica.
Antes do trabalho em Barcelos, enviou candidaturas para “vários hospitais” e recebeu respostas, mas não foi a nenhuma entrevista porque, entretanto, teve um teste positivo à covid-19. “Depois, fiquei negativa e entrei no trabalho que tenho agora.” Como enfermeira, Joana garante que, ao chegar a casa dos pais, tem “os devidos cuidados”, porque “há sempre o receio” de trazer o vírus para casa. Maria Pico-Pérez relembra que já muito se fala sobre o “impacto negativo na saúde mental que a pandemia está a ter na linha da frente”, embora “esta população seja um exemplo extremo devido ao contacto tão directo que têm com a covid-19 e com as suas consequências”.
Já nos casos em que é possível trabalhar em casa durante a pandemia, a neurocientista frisa que é “muito importante a possibilidade e a flexibilidade de integrar o teletrabalho sempre que possível”, uma vez que “as pessoas podem ser produtivas e continuar o seu trabalho sem esta preocupação”. “Estas preocupações, se forem mantidas muito tempo e com muita intensidade, podem afectar o nosso bem-estar e a nossa saúde mental não só no local de trabalho”, insiste.
Para Frederico Graça, 31 anos, estar em casa “não alterou a produtividade”. “Como designer digital, geri sempre o meu tempo ao longo do dia, em casa ou no trabalho”, assegura. Também ele encontrou um novo emprego durante a pandemia, em Junho: “Estava descontente e precisava de um novo desafio. Eventualmente, surgiu a oportunidade.” O lisboeta notou, na primeira semana, ter estranhado a falta da “componente humana”. “Falas com uma pessoa que não conheces de lado nenhum através do computador e sentes falta dos momentos pessoais, fora do âmbito profissional, de beber o café. Sinto falta disso, mas, tendo em conta a situação que vivemos, é o melhor a fazer”, diz.
Se o futuro é o trabalho remoto? “Sem dúvida”, responde. Mas nem todos estão à vontade com isso: “Há muitas empresas que têm necessidade de controlo. Não acreditam que as pessoas, em casa, consigam desenvolver o mesmo tipo de trabalho. Falta subir alguns degraus relativamente a isso.” Já Mafalda Girão acha que há uma “maior aposta” nesse sentido. Independentemente de esta ser uma mudança positiva ou negativa — há muitas abordagens para esta questão “tão complexa” — Maria Pico-Pérez considera que “este novo regime de trabalho, provavelmente, veio para ficar”.
O programa de bolsas da Fundação “la Caixa”, em colaboração com o BPI, disponibiliza bolsas de pós-graduação na Europa, América do Norte e na zona da Ásia- Pacífico, e bolsas de doutoramento e pós-doutoramento em Espanha e Portugal. Nesta página especial dedicada a bolsas de estudo e a empregabilidade jovem, o P3 partilha dicas úteis sobre como concorrer a bolsas, preparar currículos e dar nas vistas entre outros candidatos, sem qualquer relação directa com os apoios atribuídos pelo programa.