25.2.21

Moratórias de crédito à habitação acabam em Março para milhares de famílias

Rosa Soares, in Público on-line

Moratória pública ou do Estado para o crédito à habitação termina a 30 de Setembro, mas a dos bancos expira já no próximo mês. Reestruturação de créditos é uma das soluções para quem não consiga retomar os pagamentos.

Há milhares de famílias abrangidas pela moratória privada de crédito à habitação na iminência de retomar o pagamento das prestações dos empréstimos.

A moratória privada, criada pelos bancos para este tipo de créditos, termina já no próximo dia 31 de Março e não está previsto o seu prolongamento. Bem pelo contrário, os bancos estão a contactar os clientes, lembrando-lhes o regresso das mensalidades em Abril, mas também a “convidá-los”, nos casos em que não tenham condições financeiras para suportar a amortização de capital e juros, para procurarem soluções junto das instituições.

Essas soluções poderão passar pela renegociação do seu crédito, nomeadamente a fixação de períodos de carência de capital ou juros, alargamento do prazo do contrato, entre outras. Ou soluções mais abrangentes, como a consolidação (junção) de vários créditos. Estas soluções implicam sempre o pagamento de mais juros, pelo que devem ser um recurso apenas para quem precise mesmo delas.

Os bancos, na moratória criada no seio da Associação Portuguesa de Bancos (APB), não acompanharam a última extensão de prazo da moratória pública, para 30 de Setembro. Assim, embora com uma carteira de empréstimos mais reduzida, a moratória privada para o crédito à habitação está quase a terminar.

O Banco de Portugal (BdP) tem divulgado o número total de moratórias, mas deixou de fazer a segmentação entre públicas e privadas. A última vez que o fez, relativamente aos dados de Maio das privadas, o crédito aos consumidores envolvia 175.336 contratos e o crédito à habitação representava 128.062. Contudo, parte dessas moratórias pode ter terminado, por vontade dos particulares, ou ter sido transferida para a moratória pública (cujos critérios foram entretanto flexibilizados). Mas também poderão ter acontecido novas adesões. Nessa data, a moratória pública abrangia 385.117 contratos, 171.817 dos quais para aquisição de habitação própria permanente.

Uma parte das moratórias de crédito ao consumo privadas já terminou em Setembro ou em Dezembro de 2020 (no caso das criadas pelas instituições de crédito especializado, no âmbito da associação que as representa, a ASFAC) ou terminarão a 30 de Junho, no caso dos bancos.

Os bancos estão obrigados a fazer a avaliação prévia da solvabilidade dos clientes, nomeadamente no âmbito do PARI (Plano de Acção para o Risco de Incumprimento) para prevenir, sempre que possível, situações de incumprimento e assegurar a qualidade da carteira de crédito, mas o fim das moratórias, em contexto de crise, obriga-os a uma atenção redobrada. É nessa medida, e perante a falta de autorização da Autoridade Bancária Europeia (EBA, na sigla em inglês) para uma nova extensão das moratórias (um regime mais favorável para instituições financeiras e para os clientes), que os bancos irão propor soluções individuais, ou à medida.

A esse propósito, o presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD), Paulo Macedo, admitiu recentemente que a instituição estava disponível para a renegociação de créditos no caso de clientes em situação de desemprego.
Deco e APEMIP preocupadas

O Governo e os bancos têm defendido a necessidade de estender as moratórias ou encontrar outras medidas, mas apenas para os créditos das empresas integradas em sectores mais prejudicados. No entanto, nada tem sido referido em relação aos empréstimos dos particulares.

Em declarações ao PÚBLICO, Natália Nunes, directora do Gabinete de Protecção Financeira (GPF) da associação de defesa do consumidor, diz estar preocupada com o fim das moratórias e apela aos particulares para contactarem antecipadamente instituições financeiras logo que verifiquem que não têm condições para pagarem os seus créditos.

A responsável - que admite que “a situação [das famílias] está a agravar-se”, considerando mesmo que se assistirá “a um crescimento dos números de pedidos de ajuda em 2021 e 2022, e mesmo a um aumento das insolvências pessoais já no corrente ano” - destaca que a quebra de rendimentos dos particulares não abrange apenas os que estão em situação de desemprego, mas também os que estão em layoff ou cujo rendimento dependia de comissões e ou mesmo de segundos empregos, muitos deles informais, ou não declarados, que eram um complemento a salário e pensões, e que desapareceram com a pandemia.

No último ano, chegaram ao serviço de apoio financeiro aos sobreendividados 30.100 pedidos de ajuda.

Também o presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária (APEMIP) teme o impacto negativo do fim da moratória privada de crédito à habitação nas famílias e no sector imobiliário, “um dos motores da economia”.

“As moratórias foram pensadas considerando 2021 como um período de retoma económica e não o seu agravamento, que é o que está a acontecer”, defende Luís Lima, que lembra as crises de 2008 e 2012, em que muitas famílias perderam as suas casas por não conseguirem suportar o seu pagamento, uma situação com forte impacto no sector, nos bancos e na economia em geral. “Só investidores oportunistas, nomeadamente fundos, foram beneficiados com essa situação”, destaca.

O responsável associativo disse estranhar “o silêncio do Governo e dos próprios bancos sobre o vencimento desta moratória” e contesta que as preocupações relativamente a estes mecanismos se concentrem apenas nas empresas de sectores mais afectados pela pandemia. “Pensar em ajustar a dilatação do prazo das moratórias de crédito apenas para alguns sectores é um absurdo, revelador de uma certa ‘discriminação sectorial’, quando a realidade se deveria basear em pressupostos efectivos, como a facturação das empresas”, defende.

Refira-se que, de acordo com a última alteração à moratória pública para empresas, aquelas que não se encontrem nos sectores mais afectados pela crise retomarão o pagamento de juros a partir de 1 de Abril de 2021, continuando a beneficiar apenas da suspensão do pagamento de capital até 30 de Setembro.