18.2.21

Salvar as crianças do vírus das desigualdades pós-covid

Jorge Moreira da Silva, opinião, in DN

Aprioridade à vacinação da população mais idosa tem de ser acompanhada com uma forte preocupação com o efeito devastador que esta pandemia tem - e terá - na vida das crianças.

As crianças já eram um dos grupos etários mais afetados pela pobreza extrema, mas esta situação agravou-se seriamente durante a pandemia. Aqueles que já viviam em contextos sociais muito vulneráveis e de pobreza viram enfraquecidas as redes sociais de apoio, nomeadamente fornecimento de refeições gratuitas ou acesso à saúde para doenças não-covid. Outros viram os seus pais perderem o emprego ou, pelo menos, o poder de compra. Esta vaga de pobreza assola crianças de todo o mundo (a pobreza infantil aumentou em 33% nos Estados Unidos durante 2020), mas tem especial incidência nos países em vias de desenvolvimento (86 milhões de crianças tenham sido atiradas para uma situação de pobreza extrema).

Por outro lado, as significativas diferenças no acesso ao teletrabalho, por parte dos adultos, e nas condições de ensino à distância, por parte das crianças, abriram um fosso ainda maior na nossa sociedade. Pagaremos, durante muitos anos, os efeitos do encerramento das escolas e da mudança para o ensino à distância, face a uma capacidade de ajustamento muito distinta (em função da idade dos alunos, do contexto socioeconómico dos pais, das condições da habitação e do acesso às tecnologias).

A OCDE vem sedimentando, aliás, há vários anos, a ideia de que existem três correlações relevantes no contexto da educação: entre a qualificação dos alunos e a competitividade dos países; entre os níveis de abandono escolar e o aumento das desigualdades sociais; mas também entre o nível de formação dos pais e o desempenho escolar das crianças. Como se sabe, também, que quanto mais longo é o período de férias escolares, no verão, mais afetado é o desempenho escolar das crianças oriundas de condições socioeconómicas mais vulneráveis.

Mas aquilo que já todos intuíamos sobre os efeitos da pandemia na educação é agora revelado em números impressionantes: só durante a primeira vaga, os alunos do ensino básico e secundário perderam um terço da aprendizagem prevista para o ano inteiro; e, sabendo-se o efeito que a educação tem no desenvolvimento económico individual e coletivo, estima-se que essa perda de aprendizagem penalize em 3% o nível de rendimento desse cidadão (hoje criança) ao longo da vida e reduza, em 1,5%, o PIB dos países até ao final do século.

Mas, além da pobreza e da perda de aprendizagem, existe consequência da pandemia na vida das crianças: a saúde mental e o bem-estar. Já era conhecido o impacto das situações de stress familiar no desenvolvimento biológico das crianças, em especial nos primeiros anos de vida. Ora, um recente estudo sobre o impacto da pandemia, em Itália, concluiu que o stress causado pela pandemia nos adultos e na vida familiar induziu significativos problemas emocionais e comportamentais nas crianças (a ponto de esse stress ser mais relevante para a situação psicológica das crianças do que a circunstância de viverem numa habitação ou num bairro degradado).

Em suma, ainda que seja o grupo etário menos afetado pela doença, as crianças pagarão um enorme preço, no curto prazo, mas também ao longo da vida, pelos efeitos da pandemia. Precisamos de uma plano de ação de curto e de longo prazo. No imediato, é urgente assegurar a igualdade no acesso ao ensino à distância (com a generalização do acesso a computadores e com aulas de apoio complementares para crianças com necessidades especiais), massificar a testagem dos alunos e dos professores e criar as condições para um rápido regresso ao ensino presencial.

Mas é também essencial lançar um programa (que terá de funcionar durante vários anos) de recuperação da aprendizagem perdida durante a pandemia e reforçar os programas de apoio psicológico às crianças. Sendo certo que nada será bem-sucedido sem que, enquanto sociedade, não passarmos a valorizar mais a profissão - ou melhor, a vocação - de professor.


Diretor da Cooperação para o Desenvolvimento da OCDE e fundador da Plataforma para o Crescimento Sustentável