22.2.21

Reformadas portuguesas continuaram a empobrecer antes da chegada da pandemia

Maria Caetano, in Dinheiro Vivo

Rede Europeia Anti-Pobreza alerta para a situação de boa parte do interior, que assistiu, nas últimas presidenciais, ao voto crescente no extremismo.

Foram a exceção num retrato geral de desagravamento das taxas de pobreza em Portugal, tirado antes da pandemia. Em 2019, as portuguesas já aposentadas continuaram a empobrecer, com a taxa de pobreza entre este grupo a atingir 17,2%, num máximo de nove anos. Só em 2010, houve uma percentagem maior de reformadas na pobreza, então de 19%.

Os números traduzem-se em qualquer coisa como 163,5 mil reformadas a viver abaixo do limiar da pobreza, atendendo ao número de mulheres com pensões de velhice nesse ano. E a subida ocorre com um aumento do valor do limiar abaixo do qual se considera haver risco de pobreza. Subiu, em 2019, aos 540 euros mensais (mais 39 euros), empurrado pela evolução da mediana de rendimentos da população. Os aumentos de pensões não acompanharam, mesmo com a garantia extraordinária de subidas em seis ou dez euros para as pensões mais baixas nesse ano.

Nos dados dos relatórios de sustentabilidade da Segurança Social, o valor médio das pensões de velhice das mulheres estava há dois anos em 359 euros, contra 634 euros nos homens (348 euros e 613 euros, respetivamente, um ano antes, com uma evolução mais positiva para os homens).
Pobreza no feminino

A associação das idosas portuguesas ao retrato da maior pobreza no país não é nova, nem o são as causas para que isso aconteça. Elas trabalharam menos, mais informalmente ou com menor intensidade e por salários mais baixos. Por isso, descontam menos - e recebem menos. "Muitas não fizeram descontos, não têm reforma capaz e não têm formas de sustentar a casa, pagar os medicamentos", descreve Jardim Moreira, presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza em Portugal, para quem o retrato de um pobre em Portugal cola, inevitavelmente, mais à imagem de uma mulher. "A pobreza sempre é maioritariamente feminina, até por causa das mães solteiras - um problema que se devia equacionar -, das mães divorciadas, das viúvas."

Os números não o desmentem. Num país com um quinto de pobres ou excluídos, representando mais de dois milhões de pessoas, as mulheres têm, ainda em 2019, as maiores taxas de pobreza e de privação material - 16,7% e 14% respetivamente, que comparam com 15,6% e 13% nos homens.
O responsável da Rede Europeia alerta também para a realidade crescente de mães que criam filhos sozinhas, tendendo assim para a pobreza, da qual - recorda dados da OCDE - se demora cinco gerações a sair em Portugal. "Se têm filhos, aumentam encargos e os rendimentos não chegam. E, normalmente, filhos da monoparentalidade são filhos pobres."

Se é este um dos caminhos da perpetuação da pobreza, outro são os abalos ao emprego e a salários trazidos por crises como a atual. Jardim Moreira diz que "não é preciso ser bruxo" para prever maior pobreza em Portugal no pós-pandemia.

Os indicadores ontem divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, de 2019, mostram, para já, a atenuação da pobreza e são devedores de um ano em que a economia cresceu 2,2%, os salários 2,6%, mais de 4,9 milhões tinham emprego e se alcançou o primeiro excedente orçamental em mais de quatro décadas.

Chama acesa

Muito disto, à boleia do turismo, que a covid-19 veio derrubar um pouco por todo o mundo. "Tínhamos um grande fluxo turístico, com imensos trabalhos precários: limpeza, lavar loiça, cozinha, serviço. E havia também o serviço domiciliário, a limpeza a casa. Com a pandemia e o medo, abdicaram das senhoras da limpeza. Todos aqueles trabalhos muito frágeis e mal remunerados acabaram. As pessoas ficaram tremendamente dependentes", resume.

No terreno, a Rede lança alertas. Jardim Moreira fala com o Dinheiro Vivo após uma reunião com responsáveis locais em territórios onde mais cresceram votos para André Ventura, o candidato da extrema-direita, nas últimas presidenciais, e ao mesmo tempo a pobreza ficou mais visível. "Se não mudarmos, pode ser uma chama que vai arder e causar problemas gravíssimos. Falavam-me de Beja e falavam-me de Mourão. E falavam-me outros de Bragança e de Portalegre", descreve num mapa de risco que, para já, não conhece indicadores oficiais.