22.2.21

35 anos na UE. Portugal reduz miséria mas ainda tem mais de dois milhões de pobres

Paulo Sá, in DN

Estudo da Pordata mostra que Portugal melhorou "consistentemente" nos indicadores de pobreza e exclusão social, abandono escolar, desemprego de longa duração, entre outros. Mas continua a ter um PIB per capita mais baixo do que a média europeia e mais desigualdade.

No Dia Mundial da Justiça Social ficamos a saber, por um estudo da Pordata, que Portugal tem vindo a reduzir a miséria no país, mas ainda tem 2,2 milhões de pessoas, ou seja, dois em cada dez residentes, em situação de pobreza e exclusão social.

Em plena presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, a Pordata, projeto da Fundação Francisco Manuel dos Santos, lança um conjunto de indicadores capazes de traçar o retrato de Portugal e dos 27 e o percurso relativo aos objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, ao longo das últimas décadas e dos próximos dez anos.

Os dados apurados, com base na informação do Eurostat, mostram que há ainda 91 milhões de pessoas (21%) em situação de pobreza e exclusão social na União Europeia (UE) e mais de dois milhões (22% da população) estão em Portugal, que ainda assim superou em 2017 a meta de redução da pobreza prevista para 2020, ao ter conseguido retirar 543 mil residentes das condições mais precárias de vida, o que lhe confere o sexto lugar entre os 27 com a evolução mais positiva nos últimos cinco anos.

Índices de pobreza mais acentuados têm a Bulgária, a Roménia e a Grécia, e os países com menor proporção neste indicador são a República Checa, a Eslovénia e a Finlândia (inferiores a 12%). E há Estados que viram aumentar os seus níveis de pobreza desde 2008, como Espanha, Suécia, Holanda, Itália, Grécia, Dinamarca, Luxemburgo, Estónia, Malta e Chipre.

A diretora da Pordata, Luísa Loura, sublinha ao DN a importância de acompanhar estes indicadores, sobretudo num momento em que vivemos uma crise sanitária, mas também económica e social e que se prolongará no pós-pandemia.

"Não é preciso fazer futurologia para perceber que o indicador da pobreza e exclusão social se irá agravar", diz, anunciando o mesmo para o das desigualdades sociais: "Haverá novas franjas, dada a crise que vivemos, que ficarão nas margens, mas numa situação transitória porque terão níveis de educação superior."

Luísa Louro dá o exemplo dos profissionais do setor da cultura, que têm um nível alto de instrução, mas que estão a ser fortemente penalizados pela pandemia na sua atividade profissional.

O limiar a partir do qual se define a pobreza nos vários países da UE é muito diferente. Em Portugal, situava-se, em 2019, em 580 PPS mensais - uma moeda fictícia que significa "paridade de poder de compra padrão" e serve para comparar os níveis de bem-estar e de despesa entre países, anulando a diferença de níveis de preços. Assim, no Luxemburgo, o limiar da pobreza situa-se nos 1447 PPS mensais e menos de 367 mensais na Roménia.
Empregados e casas pobres

Em 2019, segundo o mesmo estudo, em Portugal, 11% da população empregada era considerada pobre, ou seja, vivia com rendimentos inferiores ao limiar de risco de pobreza. O que nos coloca entre os cinco países em maior risco de pobreza entre trabalhadores (os outros quatro são Roménia, Espanha, Luxemburgo e Itália). Já na Finlândia e na República Checa, menos de 4% da população empregada está em risco de pobreza.

A taxa de risco da pobreza é a percentagem de pessoas que têm rendimentos considerados baixos em relação à restante população, e a linha de pobreza varia de país para país, isto é, uma pessoa considerada pobre em Portugal pode não o ser noutro dos 26 Estados membros. Por cá, considera-se no limiar da pobreza quem auferir menos de 501 euros mensais.
Desigualdade

O nosso país é também o oitavo a nível da UE com maior desigualdade entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres. Os primeiros ganham cinco vezes mais do que os segundos. Na Bulgária essa diferença é oito vezes mais. Já República Checa, Eslováquia e Eslovénia são os que apresentam menor diferença na desigualdade (três vezes mais).

A Pordata regista ainda que, entre 2010 e 2019, onze dos 27 países da UE, entre os quais não está Portugal, aumentaram as desigualdades na distribuição de rendimentos.

Portugal é o nono país com menor PIB per capita dos 27, abaixo da média europeia, duas vezes menor do que, por exemplo, o irlandês e três vezes menor do que o luxemburguês.
Habitação e educação

O estudo mostra ainda que cerca de uma em cada quatro pessoas (24%) vive no país com más condições de habitação, proporção só ultrapassada por Chipre (31%), sendo certo que 13% da população europeia reporta não ter boas condições em suas casas. Este indicador mede a percentagem de população com pelo menos um dos défices básicos nas condições das habitações: um telhado que deixa entrar água, paredes/soalhos/fundações húmidas ou apodrecimento dos caixilhos das janelas ou do soalho.

Ainda no que diz respeito ao conforto das habitações, Portugal é o quarto país dos 27 com maior proporção de população (19%) que não se consegue manter quente adequadamente, um valor que ainda assim decresceu 17% em 15 anos. Só a Bulgária (30%), Lituânia (27%) e Chipre (21%) registam maiores proporções.

Outro dos indicadores importantes do estudo da Pordata neste Dia Mundial da Justiça Social é o da educação, que mede a taxa de abandono escolar precoce. Portugal é o sétimo país a registar maior taxa de abandono escolar em 2019 (10,6%). Mas foi o segundo país, a seguir a Malta, que mais viu decrescer o abandono escolar entre 2002 e 2019. Recorde-se que a escolaridade obrigatória até ao 12.º ano foi aprovada em 2009 e entrou em vigor no ano letivo de 2012-2013.

"O ponto de partida de Portugal em 2002 era de 45% de abandono escolar precoce, valor só superado por Malta, com 53%", refere o estudo. Em 2019, Portugal já tinha taxas inferiores a países como Espanha, Itália, Bulgária, Hungria e Roménia e o Instituto Nacional de Estatística, (INE) divulgou que em 2020 a taxa de abandono escolar ficou pelos 8,9%, bastante inferior à meta de 10% definida pela Estratégia Europa 2020.

"Há uma melhoria consistente nos indicadores de Portugal, nalguns casos espetacular, como é o do abandono escolar", afirma a diretora da Pordata. Luísa Loura lembra que Portugal partiu de uma "situação muito complicada", com elevadas taxas de analfabetismo, durante a ditadura, em que o investimento na educação era muito fraco. "Os que tinham educação era de bom nível, mas não havia condições de acesso às crianças à escola", frisa.

Luísa Loura considera que "parecia impossível" atingir a meta de 10% dos jovens que não frequentam o ensino secundário ou não estão a estudar. "Conseguimos um percurso consistente de escolarização dos nossos jovens. E este indicador é muito importante para tudo, é o capital humano que está a ficar em toda a Europa e é uma mais-valia neste momento de crise", afirma a também investigadora universitária. "É um capital que não se perde", insiste.

Mas o "impossível" foi conseguido. Em Portugal, a taxa global de jovens não empregados, que não estão em educação ou formação, é de 9%, valor que representa um decréscimo de sete pontos percentuais face ao valor máximo atingido em 2013 (16%).

Na União Europeia, a taxa dos jovens entre os 15 e os 29 anos nestas condições foi de 13%, sendo mais acentuada nas mulheres (15% versus 11%).

No que diz respeito à taxa de desemprego de longa duração - 12 ou mais meses -, caiu mais de sete pontos percentuais desde 2013, ano em que atingiu o máximo de 9,3%. Este foi um ano em plena concretização do programa de ajustamento imposto pela troika, depois da crise económica de 2011 que obrigou Portugal a pedir o resgate financeiro.

Portugal é assim o sexto país com maior taxa de desemprego de longa duração (2,8%), valor semelhante à média da União Europeia, que, em 2013 e 2014, também atingiu o seu valor mais elevado (5,5%). Na Grécia, este tipo de desemprego atinge os 12%.