15.2.21

A nova pobreza envergonhada

Joana Petiz, opinião, in Dinheiro Vivo

À porta do supermercado voltou a haver mãos estendidas. Já não é só o casal que habitualmente ali fazia vida, revezando-se no pedido de uma sandes e um sumo e na procura de estacionamento para quem o encontraria sem problema de forma a assegurar uns trocos no bolso no regresso a casa. A esses, juntaram-se outros, uns mais óbvios, outros menos, estes ainda a tentar esconder a necessidade na busca autónoma de sobras, quando ninguém parece reparar neles, a adiar o pedido declarado que guardam para último recurso.

Há uma nova pobreza a invadir as cidades que os números ainda estão longe de mostrar e cuja visibilidade continua ofuscada pelo adiamento das contas, mas que não tardará a explodir. Se o primeiro confinamento ajudou muitas famílias a poupar algum dinheiro - mesmo com os cortes decorrentes de lay-offs, as refeições em casa, as lojas e cafés fechados, a desnecessidade de deslocar-se para o emprego ajudaram a que sobrasse qualquer coisa no final do mês -, agora o caso é bem diferente. Que o digam as câmaras, que se viram levadas a duplicar orçamentos para assegurar apoio às crianças e aos mais velhos, mas também às famílias que antes viviam sem dificuldades. Levam comida, remédios, roupa. Distribuem vouchers e cancelam parquímetros e contas municipais. Apoiam como podem mesmo os que ainda têm vergonha de assumir que precisam.

Os mais vulneráveis, os que tinham empregos pouco qualificados e mal pagos, perderam agora o trabalho e o rendimento. Muitos ficaram também sem acesso a apoios - porque não sabem como chegar-lhes ou sequer que a eles têm direito. Foram surpreendidos com o regresso das mensalidades, terminado o adiamento dos créditos. Veem as contas acumular-se sem vislumbrar saída para as conseguir pagar. Com os portões da escola fechados, há quem leve comida a centenas de crianças para garantir que se alimentam. Em instituições como o Banco Alimentar, os novos pedidos são tantos que há dificuldade logística em conseguir responder. Pedidos de quem antes não tinha necessidade, de uma classe média que até agora soube remediar-se e se orgulhava disso mas que se vê já sem meios honestos para conseguir levantar a cabeça.

A crise está ainda só a começar. É preciso assumir e controlar estragos desde já, com todos os meios possíveis, sob pena de sermos responsáveis por uma legião de pobres sem esperança, nem saída.