4.7.07

Chegada de embarcações clandestinas às Canárias caiu 60 por cento este ano

Ana Cristina Pereira, em Bruxelas, in Jornal Público

O fluxo para as Canárias parece estar a abrandar. Segundo as estatísticas oficiais, a chegada de imigrantes em cayucos, panteras e lanchas caiu 60 por cento no primeiro semestre de 2007, face a igual período do ano anterior. Mas ontem, numa audição pública no Parlamento Europeu, não havia quem se fiasse no fim das travessias marítimas, que representam uma pequena percentagem das entradas ilegais na União, mas representam grandes riscos para os seus protagonistas.

Nos últimos anos, a União Europeia reforçou o controlo das suas fronteiras sem lograr diminuir a imigração ilegal, sublinharam vários oradores da sessão As tragédias do Mediterrâneo, promovida pelo Comité para as Liberdades Civis, a Justiça e os Assuntos Internos. Os imigrantes escolhem agora rotas mais distantes (como a Líbia ou o Senegal) em embarcações mais pequenas (para escapar aos radares).

O exemplo de Espanha é sintomático. O número de pessoas que tentou fazer a travessia por Ceuta e Melilla passou de 55 mil em 2004 para 12 mil em 2005. Depois da grande crise de Outubro de 2005 (com Marrocos a expulsar milhares para o deserto, sem comida e sem água), viraram-se para as Canárias. Em 2005, 4700 atingiram a arquipélago. Em 2006, desembarcaram 31.859.

Uma travessia da costa africana para as Canárias pode durar oito a 15 dias. Debaixo de sol, chuva, vento. Com fome, sede, pouco espaço de movimentos. As organizações não governamentais garantem que é rara a embarcação que não perca, pelo menos, um ocupante. Em média, cada uma perderá "entre três e cinco". Quando um desmaia, os outros deixam-no estar 24 horas a bordo. Se não recupera os sentidos nesse período, é atirado ao mar.

A percentagem de clandestinos detectados no mar pode ter caído em Espanha e em Itália. Mas "o número de partidas da Mauritânia, do Senegal, da Guiné Conacri para Espanha ou da Argélia, da Tunísia para Itália não desceu", garantiu Fulvio Vassallo, da Universidade de Palermo. "A Itália tem estado à frente da Europa na prática de expulsões colectivas, através de países de trânsito, como a Líbia e o Egipto, de onde inúmeros imigrantes, alguns potenciais exilados, regressaram a países como a Eritreia, o Sudão, a Nigéria, o Mali, mas também o Bangladesh, o Paquistão ou o Sri Lanka", acusou. E Espanha tem-no feito através de Marrocos ou da Mauritânia.
O académico e activista lembrou as "severas sanções" contra embarcações mercantis que arriscam recolher imigrantes ilegais, "como se em águas internacionais a justificação humanitária, que exclui a sanção criminal para os que ajudam imigrantes, não se aplicasse". Há notícia de navios que já nem respondem a pedidos de socorro, afirmou.

Com o Verão a instalar-se, prevê-se o habitual aumento de fluxos. Não faltou quem reconhecesse, como Constança Urbana de Sousa, em representação da presidência portuguesa da UE, que em primeiro lugar deve estar o salvamento. Um princípio salvaguardado em duas convenções internacionais, que tem suscitado interpretações diversas, a avaliar até pelas polémicas em torno dos locais de desembarque e do Estado responsável pelo acolhimento de clandestinos. "É preciso definir regras claras", precisou.