1.7.07

Jovens estão a optar por cursos sem futuro

Clara Viana, in Jornal Público

Ao menosprezarem os cursos de ciências, os jovens estão a escolher um futuro incerto e geralmente mal pago, adverte responsável da Sociedade Portuguesa de Química


366.651
é o número total de alunos do ensino superior em 2006-07

117.204
estão inscritos em cursos das áreas de Ciências Sociais, Comércio e Direito

81.658
estão inscritos em cursos das áreas de Engenharia, Indústria Transformadora e Construção

26.843
estão inscritos em cursos das áreas de Ciências, Matemática e Informática
Fonte: OCES, actual GPEARI

Nos últimos sete anos, as inscrições em cursos superiores de Marketing e Publicidade aumentaram cerca de 300 por cento, enquanto as candidaturas a licenciaturas na área da Química caíram 50 por cento. Estes dados reflectem uma tendência geral, assim descrita por Paulo Claro, secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Química: "Os jovens estão a inscrever-se cada vez menos em cursos científico-tecnológicos com boas perspectivas profissionais e a inscreverem-se cada vez mais em cursos que conduzem a carreiras mal remuneradas, algumas com mercados de trabalho já saturados".

Na "tabela de remunerações médias por área de licenciatura", publicada em 2004 no Boletim Económico do Banco de Portugal (BP), constata-se que, em 41 áreas de formação superior, "as licenciaturas das áreas tecnológicas correspondem a nove das 12 que propiciam salários mais elevados (as restantes três são as áreas da Medicina, Economia/Gestão e Direito). No terço inferior da tabela, encontram-se áreas de línguas e literatura, desporto, marketing e publicidade, comunicação social, sociologia, relações públicas e educação", escreve Paulo Claro, citando o trabalho, da autoria de Pedro Portugal, que foi publicado pelo BP.

Num artigo que será amanhã enviado aos conselhos directivos dos departamentos de Química, aquele docente da Universidade de Aveiro refere também um estudo de 2005 que foi patrocinado pelas sociedades de Química e Física inglesas (The economic benefits of higher education qualifications). Aí se pode ver que, entre os cursos "que proporcionam o maior benefício económico, logo após Medicina e Direito, encontram-se as Engenharias, a Química e a Física". Um resultado que, sublinha Paulo Claro, não surpreende: "Vivemos num mundo cada vez mais baseado na ciência e na tecnologia".

Portugal está em contra-mão, mas não é caso único. A fuga à ciência é comum a outros países desenvolvdios, como a Grã-Bretanha. Por cá, o número de inscritos no primeiro ano de cursos de Química decaiu de 2159, em 2000, para 1050, no ano passado; o número de candidatos a cursos de Matemática não chega às duas centenas.
Em ambas as áreas poderá já estar comprometida a possibilidade de renovação de docentes para o ensino básico e secundário. "As consequências negativas desta situação não se reflectem apenas nas expectativas e na economia individual de cada um dos futuros licenciados. A economia do país é também afectada", escreve Paulo Claro.

Tanto o estudo inglês, como o artigo de Paulo Claro têm como mote de partida um patamar prévio à escolha do curso a seguir: o de convencer os jovens que vale a pena prosseguir os estudos. O número de inscritos no primeiro ano em cursos superiores tem estado a diminuir: no ano lectivo 2000-01, inscreveram-se pela primeira vez, no ensino superior, 93.249 alunos; em 2005-06, esta primeira vaga ficou-se pelos 82.720 alunos.

Não é a única razão desta quebra, nem a principal, mas Paulo Claro refere que se tem "assistido ao crescimento do mito de que um curso superior atrapalha a entrada no mercado de trabalho português", mito esse alimentado pelas estatísticas do desemprego entre jovens licenciados.

"Nada mais falso", adverte o universitário, que chama a atenção para o seguinte: "Em Portugal, como nos restantes países europeus e da OCDE, a posse de um curso superior reduz o risco de desemprego e aumenta a remuneração auferida pelo trabalhador".
No seu estudo publicado pelo BP, Pedro Portugal chegou à conclusão de que uma pessoa com o 9 º ano de escolaridade tem três vezes mais possibilidades de conhecer o desemprego do que um licenciado. Contributo da OCDE: "O salário médio dos trabalhadores licenciados em Portugal é cerca de 80 por cento superior ao dos trabalhadores com o ensino secundário completo".

Na Grã-Bretanha, a vantagem média para um licenciado é da ordem dos 23 por cento.