17.5.07

Numa casa-abrigo para fugir aos maus tratos

Bárbara Wong, in Jornal Público

Em Portugal existem 34 espaços que recebem mulheres vítimas de violência doméstica

Mariana (nome fictício) borda. A agulha entra e sai da tela, num gesto rápido e automatizado. Borda o nome e a data de nascimento do filho único em ponto de Arraiolos. O pequeno quadro será uma das peças de enxoval que a mulher, com cerca de 30 anos, quer levar para a sua futura casa. Mariana fugiu de um companheiro que lhe batia "só na cabeça". É uma das centenas de mulheres que encontram numa casa-abrigo a oportunidade para tentar reconstruir a sua vida.

A casa onde Mariana está pertence à União das Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), uma associação de defesa dos direitos das mulheres. Ali a organização oferece um atendimento especializado e permanente, a nível jurídico, psicológico e social, para vítimas de maus tratos. A UMAR gere três casas-abrigo e tem um centro de atendimento, na Costa da Caparica (contacto: 212 942 198). Em todo o país, incluindo ilhas, existem 34 casas-abrigo que recebem anualmente centenas de mulheres. O ano passado 13.600 crimes de violência doméstica foram identificados pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima. O Bloco de Esquerda lembra que 37 mulheres foram assassinadas pelos companheiros, no mesmo período.

A casa-abrigo serve para que as mulheres tracem um projecto de vida, explica Anabela Gomes, directora técnica desta unidade, situada na Grande Lisboa. Esta é a maior casa-abrigo da UMAR e tem actualmente 40 utentes (entre mulheres e crianças). São as mulheres que são responsáveis pelo seu dia-a-dia. São elas que vão buscar os filhos à escola, tratam das roupas, estão ao serviço da cozinha à hora do jantar, apesar de haver uma cozinheira, a senhora Ana. Elas sugerem pratos que lembram as terras de onde vêm: arroz de cabidela, feijoada à brasileira, muqueca...

A casa, onde os únicos elementos do sexo masculino são os filhos, tem espaços comuns, onde todos se encontram, como o refeitório, a sala de estar, a sala de estudo para as crianças e a sala de fumo. Depois cada uma ou cada família tem o seu quarto.

Sandra (nome fictício), da mesma idade que Mariana, também tem uma história de violência para contar. Cedo fugiu de casa, contrariando a vontade da família, que não via com bons olhos o homem que escolhera. Sandra viveu com ele mais de 15 anos e, desde que o primeiro de vários filhos nasceu, era vítima de "maus tratos e humilhações". "Batia por qualquer coisa, por coisas simples, porque eu ia ao café, a casa dos meus pais... Tudo era motivo para me bater a mim e aos filhos", conta.

Porque esteve 15 anos com ele? "Porque dependia dele para tudo", diz. A dependência das mulheres de companheiros violentos é económica, mas também emocional, confirma Elisabete Brasil, da UMAR. Até que um dia, o caso de Sandra foi identificado por um médico, a mulher e os filhos acabaram por fugir de casa, onde deixaram tudo. Algumas chegam à casa-abrigo sem nada. A UMAR recebe doações de roupa, mobílias, fraldas, livros e brinquedos para as crianças. Agora, Sandra quer ter forças para "seguir com a vida para a frente". "Já não tenho medo", declara, com os olhos baixos. "Quando olho para a minha fotografia só penso: Como é que fui na conversa dele?", revolta-se Mariana.

As mulheres podem ficar na casa-abrigo entre seis meses a um ano. Até conseguirem arranjar trabalho, uma casa, recomeçar a sua vida num sítio longe daquele onde foram vítimas de maus tratos.