13.5.07

Trofa: um concelho onde se aprende toda a vida

Andréia Azevedo Soares, in Jornal Público

Projecto TCA já levou quase 1800 pessoas a centros de aprendizagem. Nada é definido à partida - é o desejo das pessoas que torna possível a realização de um curso de Informática ou de Italiano

Aprendem o que desejarem, a qualquer hora do dia e ao longo de toda a vida. É assim que funciona o projecto Trofa Comunidade de Aprendentes (TCA), uma parceria entre a autarquia e o Instituto de Educação da Universidade Católica do Porto que, ao longo dos últimos três anos, envolveu quase 1800 pessoas do concelho da Grande Área Metropolitana do Porto. São os próprios munícipes (homens e mulheres dos 8 aos 80 anos, todos são bem-vindos) que dizem o que é que querem aprender - pode ser italiano, informática, dança de salão ou arranjos florais. Só depois de nascer a vontade nas pessoas é que se organizam os cursos. E há mesmo vontade de aprender? Sim, tanta que já sobejam listas de espera.

Os responsáveis científicos por esta dinâmica pioneira no país admitem que há algo de "subversivo" nisto tudo. Na opinião de Joaquim Azevedo, director do Centro Regional do Porto da Universidade Católica, é um "pressuposto errado" haver um projecto padrão no qual os cidadãos têm de se encaixar. "Isto não faz sentido porque simplesmente não existem pessoas padrão", argumenta o antigo secretário de Estado da Educação, o mentor desta "dinâmica" - palavra que prefere a "projecto" - que se transformou em realidade com a ajuda de Isabel Baptista, docente no Instituto de Educação.

"Nós queremos mesmo pôr tudo ao contrário. Temos um Governo que está a falar em qualificar, qualificar, qualificar. E nós próprios apoiamos os centros de validação de competências. Mas há algo mais que as pessoas querem aprender. Algo que muitas vezes não vem nos programas curriculares... Algo que não compreendemos e que, por isso, nos angustia ou nos faz falta", explicou ao PÚBLICO Joaquim Azevedo. Esse algo mais pode ser, por exemplo, o terrorismo.

O que é isso do terrorismo? José Pacheco Pereira foi então à freguesia de São Martinho falar sobre o tema aos trofenses. Este tipo de evento, o chamado "Fórum TCA", acontece uma vez por mês e costuma reunir várias dezenas de pessoas em freguesias onde, nalguns casos, a rede de saneamento ainda está em execução. Figuras como o médico Nuno Grande, o psiquiatra Daniel Sampaio e a deputada socialista Manuela Melo já participaram na iniciativa.

"Diziam-nos que não seríamos capazes de tirar 300 pessoas de casa na hora da novela. Conseguimos. Porque já existem redes e dinâmicas criadas por nós, mas que só funcionam porque as pessoas da Trofa demonstraram uma enorme sede de aprender", diz Joaquim Azevedo.

Além dos cursos e dos fóruns mensais, o TCA abre ainda aos "aprendentes" - assim são chamados os alunos - as portas dos centros de aprendizagem, dos espaços de leitura, das salas de estudo e das unidades de atendimento. Esta última modalidade pode ser definida como sessões (sem marcação prévia mas possíveis apenas nos horários previstos de atendimento) nas quais os cidadãos podem tirar dúvidas. São aceites todos os pedidos de esclarecimento ligados à aprendizagem.

"Parece algo simples, mas a verdade é que muitas vezes as pessoas têm dúvidas que nunca tiram porque não sabem a quem perguntar", comenta Patrícia Oliveira, técnica do TCA. Por exemplo: Tenho a terceira classe e quero ir mais além... como posso validar as minhas competências? O meu pai tem uma doença degenerativa... onde posso aprender a dar-lhe banho e fazer curativos?

A lógica do projecto é "aproveitar sempre os recursos da comunidade", esclarece ao PÚBLICO Isabel Baptista, que faz parte da comissão de gestão do TCA juntamente com Joaquim Azevedo e António Pontes, vice-presidente da Câmara da Trofa. Quer isto dizer que todos os espaços de aprendizagem criados nas sete freguesias do concelho já existiam - são salas de juntas de freguesia, centros de dia e até um liceu, a Escola C+S de São Romão do Coronado. "Isto é uma situação única no país. Criámos dentro da própria escola, com a anuência da Direcção Regional de Educação, a Casa de Aprender", entusiasma-se a docente da Universidade Católica do Porto.

Ali cruzam-se pais, filhos e vizinhos em cursos que podem acontecer até em horário pós-laboral, como é o caso das danças de salão e dos arranjos florais. A professora de Educação Física Fernanda Cachapa, que também é a coordenadora dos mediadores do TCA, conta que o mais interessante na C+S de São Romão foi o facto de se ter rompido com o "conceito arcaico" de escola. Percebeu isto quando a mãe de um aluno lhe confessou numa aula de dança: "Nunca imaginei que uma escola pudesse ser isto."

O "isto" é algo que os aprendentes têm dificuldade em explicar, mas que os técnicos definem como um lugar de partilha onde todos possam ser capazes de aprender e ensinar alguma coisa. Voluntariamente. "Quando explicamos o que fazemos, parece que estamos a falar de uma utopia - mas não é", garante Sofia Rodrigues.

1780
é o número aproximado de cadernetas atribuídas até hoje pelo projecto Trofa Comunidade de Aprendentes aos que participam nas suas iniciativas. A exemplo de um passaporte, cada vinheta corresponde à presença num colóquio, curso ou conferência.