14.1.08

Condições sociais ditam vulnerabilidade

Bárbara Simões, in Jornal Público

Poluição e incêndios causam as maiores apreensões. Trabalho integra livro publicado em Dezembro


Em matéria de riscos, só a violência supera a preocupação suscitada, em Portugal, pelos problemas ambientais (em especial a poluição). E o modo como cada um encara e teme as ameaças de natureza ambiental é ditado, entre outras coisas, pelas condições em que vive - "a diferentes estratos sociais correspondem percepções e comportamentos distintos". É o que constata um inquérito cujos resultados tinham sido divulgados na revista Análise Social e integram um livro agora publicado.

"A sociedade portuguesa é desigual e também é desigual face aos riscos. Acho que essa é talvez a conclusão mais interessante", resume a socióloga Ana Delicado (do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa), principal responsável pela execução do inquérito.

O trabalho foi realizado, em 2003, no âmbito do estudo - do programa OBSERVA - Novos riscos, tecnologia e ambiente, coordenado pela investigadora Maria Eduarda Gonçalves (do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa). Foram entrevistadas pelo telefone 700 pessoas.

Quando lhes é perguntado que risco mais os preocupa, mais de um quinto (21 por cento) dos inquiridos refere os ambientais (as doenças, por exemplo, não vão além de 10 por cento e os acidentes ficam-se pelos 16).

Apesar de muitas vezes partilhadas, as preocupações não são vividas por todos da mesma maneira. É "notório", realça o resumo do trabalho na Análise Social (publicado também no ano passado), que "a ansiedade perante o risco ambiental é mais severa nos grupos sociais mais vulneráveis: mulheres, mais idosos, menos escolarizados, fora do mercado de trabalho (desempregados, domésticas, reformados) e de mais baixos rendimentos".

As distinções são ainda mais evidentes quando são considerados diferentes tipos de risco. O tradicional - os incêndios, as cheias, aquilo a que se chamava "os actos de Deus", lembra Ana Delicado - suscita particular receio entre os grupos mais desfavorecidos.

Já os "novos riscos" - como o nuclear, a indústria química ou o aquecimento global - são vistos como mais graves "pelos inquiridos que terminaram o ensino básico e que exercem profissões liberais, o que leva a supor que a sua avaliação possa requerer algumas competências escolares de compreensão da informação".

Este é um dado que Ana Delicado considera "relevante": diferentes grupos sociais têm maior ou menor receio face ao risco. "As pessoas que têm maior poder de controlar o risco são as que têm mais recursos, mais educação, mais dinheiro; as que podem escolher mais aquilo que comem ou onde vivem." Aos outros "é mais difícil mudar de casa se lhes construírem uma central termoeléctrica à porta, é-lhes mais difícil comer agricultura biológica - e isso também muda a percepção que as pessoas têm em relação ao risco".

Se as perguntas fossem feitas agora, as respostas seriam as mesmas? "Suspeito que seriam ligeiramente diferentes nalguns casos, mas há coisas que não mudam", diz a socióloga. O contexto acaba por condicionar a percepção e o medo dos riscos, "que variam consoante aquilo que é falado (nos media sobretudo)". As redes de alta tensão, por exemplo, "provavelmente teriam hoje um valor muito mais elevado", assim como as alterações climáticas.

Não são os eventos mais raros, mas com maior potencial catastrófico, que mais preocupam os inquiridos no estudo.

a Os resultados do inquérito sobre novos riscos realizado em Portugal vão, em muitos aspectos, ao encontro de dados de estudos internacionais nesta área. Mas há casos em que acontece o contrário.

A socióloga Ana Delicado destaca as respostas relativas à ansiedade perante perigos ambientais distintos. "Os riscos agudos - acidentes, catástrofes, grandes crises - são geralmente muito mais temidos do que os crónicos, como a poluição."
Os portugueses que responderam ao inquérito temem mais estes últimos.

"Contrariando os resultados de outros estudos, não são os eventos mais raros, mas com maior potencial catastrófico, que mais preocupam os inquiridos", constata o trabalho, resumido na revista Análise Social.

O facto de o país ter vivido, nos últimos anos, "uma situação de uma certa imunidade" (os incêndios florestais constituem a excepção) pode, no entender de Ana Delicado, ajudar a compreender esta peculiaridade.

Somam-se-lhe, diz ainda, "um grande nível de desconhecimento em relação aos potenciais de perigo" e "a sensação de que o Estado e as empresas pouco fazem para controlar os riscos crónicos". Os inquiridos são claros em relação a este último aspecto. Quando lhes é pedido que avaliem a sua "confiança na informação fornecida por diversos agentes", indicam, por ordem decrescente: profissionais de saúde/médicos; cientistas/peritos; associações de ambiente/consumo; União Europeia; jornalistas; autarquias locais; Estado, em penúltimo lugar; e empresas/indústrias em último.

"Várias questões permitem aferir que os níveis de confiança no Estado e nas empresas são relativamente baixos", constata o inquérito.

Questões sobre a doença das vacas loucas, por exemplo, "permitiram apurar que 67 por cento dos inquiridos concordam com a afirmação segundo a qual as autoridades tentaram esconder o problema, que 86 por cento apontam que o risco foi agravado pela falta de fiscalização do Estado e que 82 por cento acham que o risco se agravou porque os produtores de gado e de farinhas tentaram contornar a fiscalização". B.S.