11.1.08

Voltar a estudar por causa do "ego" e para "melhorar a vida"

Isabel Leiria, in Jornal Público

Ao Centro Novas Oportunidades (CNO) da Escola Secundária Gil Vicente, em Lisboa, não há dia em que não cheguem mais inscrições. Tem sido assim desde o final do ano passado e os números espelham a adesão que o programa, que ganhou visibilidade com o alargamento do processo de certificação de competências de nível secundário, está a ter.

"Até Setembro, tínhamos cerca de 60 inscrições. De então para cá recebemos mais umas 400 e tal", revela Dora Rita, coordenadora do centro aberto na Escola Gil Vicente no final de 2006.

A procura surpreendeu tudo e todos e a equipa de 16 técnicos é manifestamente insuficiente para dar vazão a todos os candidatos. Enquanto se aguardam reforços, Elvira Callapez tem sido a única técnica profissional, responsável pela realização das primeiras entrevistas individuais aos candidatos a um diploma de ensino secundário. E são quase 300 os inscritos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) para este nível.

"A partir de finais de Fevereiro, início de Março, esperamos reduzir o tempo de espera para 15 dias, um mês", confia Dora Rita. Mas são precisos mais técnicos - e também aqui a procura é muita, com a escola a receber dezenas de currículos de jovens interessados em trabalhar como formadores no CNO, mesmo que a "recibos verdes" e mal remunerados, lamenta Elvira Callapez -, computadores melhores e mais rápidos e mais salas. "Era muito importante que as bibliotecas estivessem a funcionar à noite, já que as formações são em horário pós-laboral", aponta ainda.
Nélson Antunes, actual presidente da Junta de Freguesia de São Sebastião da Pedreira, em Lisboa, é um dos "alunos" mais avançados no processo de RVCC de nível secundário. Reformado e com 63 anos, confessa que o facto de ter deixado a escola depois de completar o "5.º ano do liceu" (actual 9.º) nunca foi um obstáculo à sua carreira profissional. Se na escola "era mau aluno", a partir do momento em que começou a trabalhar num banco aproveitou todas as oportunidades de formação profissional dadas pela empresa. Ao fim de seis anos já era gerente bancário, recorda. E, actualmente, desdobra-se em funções autárquicas.

Porquê o regresso "à escola" aos 63 anos? "É para o ego", responde, directo. "Quando uma pessoa se candidata a alguma coisa, tem de escrever as habilitações académicas. Eu dizia que tinha o [antigo] 5.º ano do curso de liceu. Depois da formação vou poder dizer que tenho o 12.º", explica, negando ter vindo pelo "facilitismo", mas porque o modelo se adequa muito mais ao seu perfil e a anos de experiências. "Não faz sentido para estas pessoas voltarem a ficar sentadas uma manhã inteira na sala de aula, aprender matérias que não lhes servem para nada e conviver com a indisciplina escolar do dia-a-dia", reforça Elvira Callapez.

A valorização pessoal é mesmo um dos motivos frequentemente invocados pelos candidatos. E, para a coordenadora do centro, é um dos objectivos mais conseguidos. "No início tinha dúvidas quanto ao processo e acreditava que servia acima de tudo para as estatísticas. Depois comecei a perceber que ultrapassava essa dimensão. As pessoas ganham autoconfiança, elevam-se e o RVCC serve como ponto de partida para começarem a reconstruir-se", diz Dora Rita.

Mas é a possibilidade de subir na carreira, concorrer a outros cargos que requerem o 12.º ano como habilitação mínima e "melhorar a vida", como escrevia uma das candidatas que anteontem se dirigiu à Gil Vicente, que têm chamado mais pessoas ao programa. E aí encontram-se desde jovens que não terminaram o secundário porque ficaram com uma ou duas disciplinas para trás a adultos mais velhos que, por circunstâncias diversas, tiveram de deixar de estudar bem cedo.

Quanto à validade dos diplomas atribuídos, Elvira Callapez é peremptória: "Noto que estes candidatos que já entrevistei têm conhecimentos e maturidade muito superiores a alguns licenciados. Ao longo do processo eles têm de revelar competências, não nas mesmas disciplinas que um aluno do ensino regular, mas noutras áreas". Ou seja, reforça, "são pessoas que merecem ter um diploma" e que são avaliadas por uma equipa técnica e pedagógica competente.