21.1.08

Outra forma de planear o território

Inês Vilhena da Cunha e Catarina Selada, in Jornal Público

Ao planeamento tradicional deve suceder-se um planeamento mais aberto e integrado,
capaz de potenciar a atracção de novos investimentos e projectos estruturantes


A competitividade dos territórios depende da capacidade de atracção e fixação de actividades e talentos com forte intensidade de conhecimento e criatividade. Muitos destes projectos inovadores materializam-se em investimentos âncora e estruturantes para o desenvolvimento das cidades e regiões.

Esta realidade tem consequências visíveis no ordenamento dos territórios, actualmente geridos por políticas e instrumentos restritivos e sectoriais, onde não cabem estas novas dinâmicas. Criar instrumentos de ordenamento territorial flexíveis e integrados que se adaptem à constante incerteza, às rápidas transformações e às novas oportunidades e investimentos, torna-se uma prioridade.

Assim, cria-se a necessidade de um novo modelo de ordenamento do território - um "planeamento global" aberto ao mundo globalizado e à mudança contínua, que potencie a captação de novos investimentos e projectos para Portugal com vista a aumentar a competitividade dos territórios.

Para tal, urge repensar os instrumentos de desenvolvimento e gestão territorial, nomeadamente os de cariz municipal - os Planos Directores Municipais (PDM).

Atracção de investimento

A complexidade das questões burocráticas e a consequente morosidade na avaliação e aprovação de novos projectos situam-se entre as críticas mais enunciadas ao funcionamento dos PDM, apesar das recentes medidas de simplificação e agilização do processo.

No entanto, quando falamos da capacidade de atracção e localização de novos investimentos, emergem dificuldades adicionais. De facto, os PDM estabelecem um modelo de estrutura espacial do território. Ao basearem-se num esquema territorial essencialmente físico e desenhado estão, por um lado, a tentar prever e controlar o futuro de um determinado território e, por outro, a geri-lo numa perspectiva sectorial, apresentando uma abordagem pouco estratégica e prospectiva. Aqui não cabe a integração de investimentos chave - estruturantes e mobilizadores, que surjam posteriormente à aprovação do plano e que de alguma forma colidam com o modelo territorial preconizado.

Além do mais, estes planos assentam numa lógica de zonamento funcional dos territórios. Definem e distribuem espacialmente usos e funções, ou seja, catalogam e rotulam os solos, na medida em que impõem limites artificiais, definem perímetros e promovem a monofuncionalidade (áreas essencialmente vocacionadas para um tipo de função territorial - áreas residências, áreas industriais, etc.), sujeitando os territórios a desequilibrios e desenvolvimentos descontinuados.

Esta situação colide com a lógica de funcionamento da sociedade de hoje, onde as funções se misturam e as barreiras se esbatem: habitação, trabalho, lazer, aprendizagem, comércio, etc. convivem no espaço e no tempo numa perspectiva "mixed-use".

Próxima geração de PDM

Neste sentido, a próxima geração de revisão dos PDM em Portugal deverá ser repensada, de forma a estar articulada com as transformações em curso na sociedade e com as perspectivas de atracção de investimentos estratégicos. Para que os PDM não sejam sujeitos a processos de actualização de políticas desactualizadas.

De facto, não é possível percepcionar as oportunidades que irão surgir num determinado território a priori, nem é suposto que tal aconteça: é este o desafio. Flexibilizar os planos para que estes não excluam projectos e iniciativas inovadoras que poderão ser chave para a sustentabilidade, coesão e competitividade dos territórios.

Um exemplo que vem de fora é o caso de Singapura, que tem vindo a desenvolver um projecto de regeneração urbana integrado - One-Norh, que assenta numa política inovadora de gestão urbanística. Neste âmbito, destaca-se a integração de áreas white (brancas), ou seja, áreas que não estão destinadas a nenhuma função específica, tendo como objectivo acolher projectos e investimentos inovadores não perspectivados inicialmente.

Nesta linha, é necessário que se faça a transição de um modelo tradicional de ordenamento do território, de carácter sectorial, para um modelo mais integrado e flexível, numa base holística. Tornando o planeamento menos rígido e mais aberto, menos desenhado e mais estratégico, capaz de responder às novas oportunidades que não são previsíveis no momento de concepção dos planos.

Assim, o planeamento deverá ser pensado não a 2D, como até aqui, atribuindo determinados usos a determinadas áreas, nem a 3D, considerando diferentes usos para diferentes andares de um edifício. Mas antes a 4D, ou seja, integrando a dimensão temporal nos PDM, através da consideração das diferentes horas do dia ou épocas do ano. Nesta nova filosofia de planeamento deverão também ser articuladas uma multiplicidade de dimensões que vão além da mera dimensão física ou tangível do território: cultura e criatividade, clusters e empreendedorismo, talentos e factores sociais, ambiente e paisagismo, governação territorial, conectividade e mobilidade.

Gestão flexível

Um instrumento de ordenamento do território de âmbito municipal poderia, desta forma, assentar numa lógica de "laboratório". Num primeiro nível, trata-se de definir uma estratégia local, numa perspectiva de futuro e em coerência com os planos de âmbito regional e nacional. Num segundo plano, de fixar objectivamente as componentes inflexíveis do espaço - o hard, o tangível - correspondentes à "coluna verterbal do território", ao que é estruturante, como rios, corredores verdes, sistema viário, malha urbana, espaços públicos fundamentais. Por fim, tudo o "resto" estaria "em aberto", ou seja, funcionando como um laboratório experimental de novas ideias e conceitos de planeamento e utilização do espaço.

O "planear" baseado no desenho daria lugar ao "planear em aberto", testando e experimentando. Praticando um zonamento flexível por oposição ao zonamento monofuncional.

A lógica de "laboratório" assentaria no desenvolvimento dos territórios com base no teste e na experimentação, em função de projectos coerentes com a estratégia municipal e com os elementos estruturantes do espaço, permitindo a entrada de novas propostas de investimentos exteriores e imprevisíveis na altura da definição do plano. Protegendo os territórios da utilização de mecanismos que permitem modificações pontuais dos planos e que acabam por se tornar em perversões dos próprios planos. Assim, abre-se espaço para que as decisões locais assumam um carácter multidisciplinar, baseadas numa visão mais flexível e integrada do desenvolvimento territorial.

"Plataforma Municipal"

Propõe-se, desta forma, a criação de uma "Plataforma Municipal de Ordenamento do Território" com o objectivo de promover a sustentabilidade e auto-regeneração dos territórios, no sentido do equilíbrio do sistema territorial. Mais do que um documento ou uma planta desenhada estática no tempo, trata-se de um processo dinâmico de exercícios, reflexões, projectos, e investimentos, sob um ambiente criativo e inovador de desenvolvimento do território, suportado por uma equipa de peritos multidisciplinar, definida em função das múltiplas dimensões do espaço.

Uma "Plataforma Municipal de Ordenamento do Território" poderia ser implementada em cada município nacional, ocupando o lugar dos actuais gabinetes de revisão dos PDM, articulado com uma estrutura de coordenação nacional e regional e, porque não, em estreita ligação com o futuro "Observatório do Ordenamento do Território e do Urbanismo" preconizado no Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT).

- O planeamento municipal tem estado até aqui constrangido pela sua rigidez e visão sectorial, tornando-se necessário um novo modelo mais flexível e integrado.

- Um novo modelo de planeamento deverá ser capaz de acolher novos investimentos e projectos estruturantes e mobilizadores, imprevisíveis no momento da concepção do plano.

- Sugere-se uma "Plataforma Municipal de Ordenamento do Território", de visão multidimensional, enquanto processo dinâmico e contínuo de "fazer" planeamento.