27.1.08

Kofi Annan denuncia "sistemática violação dos direitos humanos"

Jorge Heitor, in Jornal Público

Antigo secretário-geral da ONU afirma que violência foi desencadeada pela polémica eleitoral no Quénia mas que evoluiu para algo de mais complexo


Pelo menos 45 pessoas foram mortas durante os últimos três dias na cidade queniana de Nakuru, a noroeste de Nairobi, a capital, enquanto o antigo secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan condenava ontem com toda a veemência "os sistemáticos abusos dos direitos humanos" que se estão a verificar no país e dos quais disse ter recolhido provas.

Os corpos de cidadãos assassinados estão empilhados na morgue de Nakuru, sem distinção para adultos e crianças, vítimas de catanas, flechas e toda uma outra panóplia de armas, numa zona que ainda há meses era apresentada por agências de viagens como um paraíso turístico.

Largas centenas de pessoas têm morrido desde que no fim de Dezembro foi anunciado o resultado das presidenciais e Mwai Kibaki rapidamente reconduzido no cargo, apesar de toda a contestação protagonizada pelo Movimento Democrático Laranja (ODM), de Raila Odinga, que até quase ao fim da contagem dos votos se encontrava à frente.
Annan, que tenta servir de mediador entre as partes em conflito, reconheceu ontem que a violência poderá ter sido desencadeada por toda a polémica à volta das eleições; mas que evoluiu para algo de diferente e de muito mais complexo.
Os factos terão de ser estabelecidos e os responsáveis chamados à pedra, considerou o antigo secretário-geral, depois de ter ido a Nakuru, a Eldoret e a Molo, na conturbada região do Vale do Rift, parte ocidental do país, entre os lagos Turcana e Vitória.

Um panorama trágico
"O que vimos foi muito trágico. Visitámos acampamentos de pessoas internamente deslocadas, vimos pessoas escorraçadas de suas casas e fazendas, famílias inteiras desenraizadas", resumiu Kofi Annan, que defendeu a necessidade de mudanças fundamentais nas instituições quenianas. Para que nunca mais se verifiquem episódios violentos como os deste último mês, que fizeram alastrar a grande área de calamidade já existente na África, desde o Chade e o Sudão à Etiópia, à Somália e ao Uganda.
"O Governo terá de fazer o que puder para aumentar a segurança", sublinhou Annan, que em 1994 foi muito criticado por as forças de manutenção da paz, que tinha a seu cargo na ONU, não terem sido capazes de impedir no Ruanda o genocídio de pelo menos 800 mil pessoas, num período de três meses.

"A crise política no país causou um estado de agonia e de desespero", comentou, por seu turno, o antigo Presidente tanzaniano Benjamin Mkapa, que se encontra com Annan na equipa negocial mandatada pela União Africana (UA) para tentar descortinar uma fórmula de compromisso e apaziguamento.

Um recolher obrigatório, do entardecer ao nascer do dia, está agora em vigor na cidade de Nakuru, numa tentativa de se acabar com os recontros entre grupos tribais; e o correspondente da Al Jazira, Mohammed Adow, relatou que as autoridades recorreram pela primeira vez às Forças Armadas desde que há um mês se realizaram presidenciais e legislativas.