2.1.08

Organismo independente para luta contra a pobreza

Lígia Silveira, in Agência Ecclesia

Pe. Jardim Moreira, da REAPN, deixa questão: Cavaco Silva «pôs o dedo na ferida, mas quem vai pôr em prática a mudança?»


Um organismo independente que trace um plano de luta contra a pobreza, de forma concertada entre Ministérios, para que as políticas não sejam irreais nem se inviabilizem mutuamente. Esta proposta é do Pe. Agostinho Jardim Moreira, Presidente da Rede Europeia Anti Pobreza/Portugal – REAPN, que acredita ser esta a forma de pôr fim às injustiças sociais.

Comentando o discurso de Ano Novo do Presidente da República, Cavaco Silva, o Pe. Jardim Moreira acredita que o diagnóstico foi bom mas “leve”.

Cavaco Silva tocou num “problema básico, que colide com o desenvolvimento”, pois se a população não tem capacidade de compra, não tem forma de desenvolvimento pessoal e social, aponta o Presidente da REAPN Portugal.

Cavaco Silva questionou se “os rendimentos auferidos por altos dirigentes de empresas não serão, muitas vezes, injustificados e desproporcionados, face aos salários médios dos seus trabalhadores”.

Referindo-se às discrepâncias nos salários entre ricos e pobres, o Pe. Jardim Moreira afirma não haver justiça distributiva no nosso país.

“Enquanto faltarem intervenções estruturais, a sociedade vai continuar a ter as mesmas deficiências e misérias, com a riqueza acumulada na mão de uns poucos e sem acessibilidades a qualidade de vida para muitos”.

Ponto essencial no discurso do Presidente da República é chamar a atenção para a “humanização do governo”. “Ou as leis e as reformas têm como centro e fim a pessoa humana ou tornam-se injustas e contra a população”, afirma o Pe. Jardim Moreira.

Sobre os fundos comunitários previstos para Portugal em 2008, no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional, que Cavaco Silva pede que sejam “aplicados com verdadeiro sentido estratégico e geridos com eficiência e transparência”, o Pe. Jardim Moreira relembra que “muitas vezes o dinheiro é usado em cosméticas que não produziram mudanças esperadas e necessárias”.

Os novos fundos comunitários devem ser “aplicadas de forma a haver verdadeiras mudanças e respostas ao problema da pobreza, à falta de qualificação dos portugueses, ao desemprego”. Isto “exije um trabalho sério e em rede, entre os poderes público e privado”, caso contrário acontece o mesmo com os milhares de contos gastos na luta contra a pobreza, que, “passados anos, não se sabe o que aconteceu”, exclama.

O Pe. Jardim Moreira afirma que Portugal é um país onde nunca se fazem contas do que se gasta e “chega-se ao final e não se fez nada, nem se avalia”.

Cavaco Silva chamou ainda a atenção para o sério problema do despovoamento e envelhecimento das populações no Interior do País, “sendo esta uma realidade que os poderes públicos não podem ignorar."

Sobre esta questão, o Pe. Jardim Moreira afirma que as políticas do interior para combater a desertificação “devem ser inovadoras”. Mas “continuamos a remendar, em vez de encontrar soluções estruturantes, capazes de sustentar uma sociedade e uma economia do interior”, esclarece o Presidente da REAPN Portugal.

“É preciso um plano nacional onde isto seja encarado de forma global, se não, não passam de receitas pontuais que podem ser cheias de boas intenções, mas que não mudam a estrutura”.

O Presidente da República «pôs o dedo na ferida», mas “falta saber quem o vai pôr em prática. Se ficar tudo em comentários interessantes, sem aplicação concreta, não passamos de discursos bonitos”.

Cavaco Silva deve chamar mais vezes à atenção ao Governo, pois se ele não o fizer “mais ninguém o vai fazer”. Segundo o Presidente da REAPN Portugal, o nosso país tem um déficit de sociedade civil, “falta organização e uma voz interventiva”.

A única coisa que resta “é a esperança”. O Presidente da República “apelou à única virtude possível”. O Pe. Jardim Moreira acredita que é com base na esperança que se pode mudar, “apesar das dificuldades e contratempos”.

Mas esclarece que “alimentar a esperança” não pode esconder a verdade “aos pobres e oprimidos”.