6.2.09

Câmara do Porto fechou casa para infectados com VIH antes de esta estar obrigada a licença

Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto deu razão à Benéfica e Previdente no caso da multa aplicada pela câmara


Afinal, a associação mutualista Benéfica e Previdente não cometeu uma infracção ao abrir a residência temporária para portadores de VIH/sida. O tribunal de pequena instância criminal absolveu-a no caso da multa de 750 euros que a Câmara do Porto lhe tinha aplicado.

Foi uma das polémicas de 2007. A Benéfica estabelecera em Fevereiro um protocolo com o Alto Comissariado da Saúde e - numa parceria com o Hospital de Joaquim Urbano, o Banco Alimentar Contra a Fome e a Caritas do Porto - abrira em Abril a residência Os Solidários. O projecto ocupava dois apartamentos de um prédio de três andares - o 2.º direito e o 3.º direito.

A 26 de Junho, Lídia Almeida, moradora no prédio, inquilina da Benéfica, apresentou uma reclamação na autarquia. Mas o técnico que analisou o caso não encontrou qualquer ilícito, já que os dois andares tinham licença de habitabilidade e estavam a ser usados como habitação. A 25 de Setembro, a mesma moradora queixou-se à Autoridade de Saúde do Porto. O delegado de saúde fez uma visita e verificou que o prédio não tinha elevador, que havia "pontas de cigarros no chão e roupas sujas no terraço, que, de acordo com os moradores", eram "deixados pelos utentes do 2.º e do 3.º andares direitos". E assegurou a Lídia Almeida que "não era de considerar como sendo de perigo para a saúde pública que tais pessoas, portadoras ou mesmo doentes [de VIH e hepatites], residissem no mesmo prédio ou na mesma habitação".

A Autoridade de Saúde do Porto tratou de perceber o que ali havia. E o que ali havia era uma residência temporária. Com a descrição, Lídia Almeida fez novo pedido de fiscalização à câmara. Desta vez, o técnico concluiu que ali funcionavam "serviços não licenciados".

A 21 de Janeiro de 2008, um irmão de Lídia Almeida foi à reunião de câmara reclamar o fecho daquilo. O vereador do Urbanismo, Lino Ferreira, deu-lhe razão. Disse-se "sensibilizado pela situação" e informou-o de que a Benéfica e Previdente já fora intimada a fazer cessar a actividade que desenvolvia "sem o necessário licenciamento".

A associação não tinha só ordem para fechar. Tinha também uma multa para pagar. Ainda tentou que a autarquia alterasse a decisão que entendia "irresponsável" e "contra todos os princípios éticos, humanos e de justiça social". A 31 de Março encerrou a residência.

O tribunal classificou como "credível" a versão da associação, que considerava não ser obrigatório ter "licenciamento camarário", uma vez que "tinha licença de utilização para habitação, não houve obras, a função essencial exercida no local era de habitação das pessoas doentes". A sua actividade social resultava "de um protocolo com o Alto Comissariado de Saúde, envolvia outras entidades públicas e privadas". E o próprio técnico municipal, numa primeira fase, não encontrara ilícito.

O que enquadrou a situação numa eventual infracção foi o Decreto-Lei n.º 64/07 de 14 de Março, que define o regime de licenciamento e de fiscalização da prestação de serviços e dos estabelecimentos de apoio social. Mas esse diploma só entrou em vigor a 15 de Maio e a residência Os Solidários já começara a funcionar no princípio de Abril, lembra o acórdão.

Aos processos já em curso aplicava-se o decreto-lei anterior, "no qual não estava expressamente previsto o equipamento social em causa, nem estava previsto o licenciamento pela câmara municipal da construção e da subsequente utilização". E o legislador fixou um regime transitório para os estabelecimentos que já existiam se adaptarem às novas regras.

Carlos Salgueiral, presidente da Benéfica Previdente, estava ontem visivelmente satisfeito com a decisão tomada a 28 de Janeiro. Acha que o acórdão afasta qualquer dúvida sobre idoneidade da instituição. Como ainda não foi notificada da decisão, a câmara não comenta.