8.2.09

A escola da vida também dá diplomas

João Pedro Pereira, in Jornal Público

É fácil perceber porque é que as aulas ficaram para trás na vida de Miguel Santos: trabalhou como figurante num filme de Manoel de Oliveira, foi empregado de mesa num restaurante de luxo no Algarve, operador de transmissões no centro de mensagens encriptadas do Exército, condutor da selecção inglesa no Euro 2004 e formador de jovens com deficiências.

Uma das profissões de que mais gostou foi a de jardineiro - trabalhou numa quinta isolada na Alemanha, para onde partiu com cinco "contos" no bolso, e foi contratado, anos depois, como jardineiro da Câmara Municipal de Coimbra, onde ainda trabalha. Tem 37 anos, é funcionário numa pequena biblioteca e quer terminar o 12.º ano no âmbito do programa Novas Oportunidades.

A lista não é completa. Miguel Santos teve outras ocupações desde que abandonou a escola e São Romão, na serra da Estrela. Aos 18 anos, reprovara já "duas ou três vezes" no 8.º ano e o trabalho num bar local permitia-lhe o desafogo possível para quem era o terceiro mais velho numa família de 11 irmãos.

Depois de ter figurado como guerreiro de Viriato no filme Non, ou a Vã Glória de Mandar, de Oliveira e parcialmente rodado na região, decidiu seguir a comitiva para Lisboa. "Surgiu uma proposta de trabalho da Madragoa Filmes. Estava saturado da escola. Tinha amigos mais velhos e alguns já tinham trabalho. Também queria a minha independência." O produtor Paulo Branco deu-lhe emprego como técnico de adereços.
A experiência no cinema foi "divertida", mas curta. A partir daí, numa sucessão de empregos e formações avulso, com o serviço militar pelo meio, desenhou-se uma vida onde a escola não tinha lugar. "Não estou arrependido." Mas logo acrescenta: "Talvez tenha sido precipitado deixar a escola. A malta é nova, às vezes não pensa."

Em 2003, decidiu pedir o certificado de equivalência ao 9.º ano, através de um processo de reconhecimento de competências adquiridas ao longo da vida. E tinha adquirido muitas. Na tropa, tirou um curso de telecomunicações. Pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, tirou outro de agrária. E soma-se a isto o que os profissionais da área chamam "aprendizagem não formal". É o caso das línguas estrangeiras, que aprendeu como emigrante em Espanha e na Alemanha.

Na altura em que pediu o certificado, ninguém falava ainda de Plano Tecnológico. Desistiu do processo, retomou-o uns anos depois e quando obteve o diploma, em 2007, foi já no âmbito das Novas Oportunidades do Governo socialista.

Tirar o 9.º ano era um "grande objectivo pessoal", mas a ideia era também progredir na carreira. As novas habilitações, contudo, ainda não tiveram qualquer impacto na vida profissional de Miguel Santos: apesar de trabalhar numa biblioteca municipal, mantém a categoria de jardineiro e está à espera de promoção.

2007
4,4%

Meta para 2010
12,5%