8.2.09

Nem sempre o Plano Tecnológico é a melhor ajuda

Lurdes Ferreira, in Jornal Público

As vidas profissionais de Sandra e Maria João estão distantes no tema - uma observa golfinhos no Sado, a outra reescreve documentos oficiais em linguagem clara. Os seus projectos não são tecnológicos nem "empresa na hora". São, sobretudo, mulheres empreendedoras, um grupo social que o Plano Tecnológico procura incentivar. Têm também a mesma idade, 35 anos, e duas histórias que são um bom teste às virtudes e fragilidades do Plano Tecnológico.

Maria João Fonseca lançou a Vertigem Azul com um amigo, há uma década, em Setúbal. Depois de uma licenciatura em Gestão e Planeamento de Turismo na Universidade de Aveiro, de um estágio em Londres, na Deloitte, e de um trabalho sobre o Parque Natural da Arrábida, Maria João criou, em 1998, a primeira empresa de observação de golfinhos do Sado, ao abrigo das iniciativas locais de emprego (ILE).

Dos 500 visitantes do estuário em 1998, a Vertigem Azul regista hoje 7000 anuais. Começaram por ser sobretudo estrangeiros, hoje são nacionais e escolas. Trabalha com quatro colaboradores permanentes e na época alta contrata outros tantos.

Em 2004, a empresa decidiu trocar o velho semi-rígido de seis metros e as canoas por um catamaran de 23 metros, com capacidade para 80 pessoas, comprado a um estaleiro francês. A embarcação começou a funcionar em 2007. Mal sabia que em Janeiro de 2009 o processo ainda não estaria fechado. Foram 800 mil euros de investimento. Primeiro foi a candidatura aos apoios ao abrigo do Siftur, depois o aumento de capitais próprios, depois a compra da embarcação e os registos. É aqui que Maria João ainda está.

A capitania do porto de Setúbal emitiu inicialmente licenças de navegabilidade do catamaran que considera agora insuficientes e remete o caso para o Instituto Marítimo e Portuário, em Lisboa. O processo de registo ora requerido, sobre o qual a empresa se queixa de não ser claro, implica despesas de 70 mil euros. Num processo com muitas incertezas e com a burocracia às voltas, Maria João desabafa que este é o "caminho mais antiplano tecnológico possível".

É exactamente da falta de clareza na comunicação externa da administração pública que nasceu a ideia empreendedora de Sandra Martins. A empresa, constituída em 2007, chama-se Português Claro e é a "primeira empresa portuguesa totalmente dedicada à comunicação em linguagem clara". Depois de uma formação em Psicologia, de uma passagem pelo sistema de saúde público inglês, como psicóloga, e pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Sandra fez uma pós-graduação em Empreendedorismo no ISCTE.
Depois, desempregada mas motivada pelo curso e por umas ideias que não lhe saíam da cabeça desde Inglaterra, lançou-se a criar a empresa. Candidatou o projecto da Português Claro e recebeu, no âmbito das ILE, uma ajuda equivalente a 18 salários mínimos que tinham de ser gastos em investimento e não em pessoas, o que lhe pareceu pouco apropriado tanto mais que o factor distintivo do projecto estava no conhecimento das pessoas e não nos equipamentos.

Hoje, a empresa trabalha para a administração pública, banca e consultadoria de comunicações. Um dos últimos trabalhos foi para a Segurança Social - passar para linguagem acessível os textos para o novo contact center. A Segurança Social presta perto de centena e meia de serviços (subsídio de desemprego, doença, invalidez, etc.) e para cada um deles tem um texto com regras de quatro a 20 páginas. O trabalho da Português Claro foi transformar esses textos num guião disponível no ecrã das operadoras do contact center, que abriu há um mês, de modo a responderem de forma acessível a quem telefona para lá. O Plano Tecnológico, lançado dois anos antes da criação da Português Claro, tem impacto na sua actividade, diz Sandra Martins. "Se não houvesse Simplex, ninguém falaria em simplificação. Há mais disponibilidade das organizações para este assunto."

Estima-se que 80 por cento dos portugueses não têm literacia suficiente para entender a linguagem do Estado.

2007
142
Projectos apoiados

Sem meta para 2010