João Ramos de Almeida, in Jornal Público
Pagamento aos trabalhadores vítimas de despedimento ilícito cujo processo se arraste mais de um ano nos tribunais não sairá dos cofres do Estado, mas do Fundo de Garantia Salarial
Os responsáveis do Ministério da Justiça preparam-se para pôr a Segurança Social a pagar os salários dos trabalhadores ilicitamente despedidos cujos processos judiciais demorem mais de um ano nos tribunais. O ministro do Trabalho, que diz desconhecer o projecto, tinha garantido que seria o Orçamento de Estado a fazê-lo.
Quando a promessa foi feita por Vieira da Silva, em Abril de 2008, no âmbito da discussão da revisão da legislação laboral, a ideia era transferir para o Estado parte do ónus do atraso da justiça laboral, caso fosse superior a 12 meses. A revisão do Código de Trabalho de 2003 agilizou o processo de despedimento e a ideia era a de que as empresas não viessem a sofrer com os atrasos judiciais. Isso porque quando os trabalhadores impugnam um despedimento têm direito a receber as retribuições que deixaram de receber desde o momento do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença judicial.
Esta promessa seguia de perto as propostas da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais, cujo relatório serviu para rever o Código de Trabalho de 2003. Os peritos lembraram que, dadas as demoras judiciais, grande parte dos custos com despedimentos ilícitos se relacionava com o pagamento de retribuições geradas durante a acção de impugnação. E que por isso se deveria criar, tal como havia em Espanha, um sistema "que faz o Estado suportar os custos dos salários intercalares quando a acção judicial se prolonga, pelo menos em parte ou nos casos mais gravosos". A comissão não afastava mesmo o apoio enquanto o processo estivesse na instância de recurso, o Tribunal da Relação.
Mas a realidade poderá vir a ser diferente. Um esboço do projecto de regulamentação do novo Código do Trabalho, em preparação nos serviços do Ministério da Justiça, altera o anunciado pelo ministro do Trabalho. O Governo não confirma a existência do esboço, mas o sentido das medidas foi confirmado pelo PÚBLICO.
O projecto prevê duas alterações essenciais. A primeira pode vir a receber a crítica das estruturas patronais. "Se entre a data de apresentação do requerimento" de impugnação do despedimento "e a notificação da sentença em 1.ª instância que declare a ilicitude do despedimento decorrerem mais de 12 meses, o empregador tem direito a reclamar tais retribuições". Por outras palavras, a contribuição pública apenas se circunscreve ao período entre os 12 meses após a impugnação pelo trabalhador e a data da sentença da primeira instância. Se uma das partes recorrer para o Tribunal da Relação, o esforço de pagamento passa de novo para as empresas.
Mas a segunda alteração já crispou o lado sindical. O projecto determina que quem pagará a contribuição pública será o Fundo de Garantia Salarial. Este fundo foi criado por transposição de directiva comunitária e visa garantir os créditos dos trabalhadores quando os salários "não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil". É financiado por parte da contribuição patronal para a Segurança Social e é gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. É dinheiro dos trabalhadores.
A CGTP considera ser injusto que o Fundo, que não paga os salários em atraso dos trabalhadores (apenas em caso de insolvência das empresas), vá pagar as retribuições decorrentes de um despedimento ilícito, que deveriam ser pagas pelas empresas. "Qual é a lógica de uma medida como esta?", questiona Joaquim Dionísio. "Primeiro, é uma promoção do despedimento ilícito, do patronato que viola a lei, e em segundo lugar é uma injustiça."
O PÚBLICO tentou obter a opinião tanto da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) como dos dois ministérios envolvidos. O gabinete do ministro do Ministério do Trabalho negou rotundamente, através de um e-mail dos seus serviços de imprensa. E o Ministério da Justiça não o desmentiu. A CIP não se quis pronunciar.
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A ideia era transferir para o Estado o ónus do atraso da justiça laboral, caso fosse superior a 12 meses


