8.2.09

Grande teste chegou com a crise

João Pedro Pereira e Lurdes Ferreira, in Jornal Público

Bandeira política de José Sócrates foi surpreendida com o aumento do risco de falências e do desemprego em áreas-chave como a da Qimonda


Os Magalhães não vão desaparecer, nem os serviços públicos on-line, nem a Empresa na Hora - mesmo assim o Plano Tecnológico não vai escapar à crise. Nos dois anos que ainda tem para chegar ao fim, a ideia política que marcou a primeira metade da legislatura de José Sócrates vai mostrar se sobrevive ou sucumbe.

O risco de falência da Qimonda, uma das empresas à medida do Plano Tecnológico, fez soar o alarme, com os seus 1,4 mil milhões de euros de exportações anuais em semicondutores.

O Plano Tecnológico ainda faz sentido? Sim, dizem João Caraça e Vítor Corado Simões, que acrescentaram ao guia de indicadores do Governo uma segunda grelha de análise mais profunda para verificar se o plano torna, de facto, a economia portuguesa mais competitiva. Reconhecem, porém, que esta é uma altura difícil.

"O objectivo faz sentido e a tendência geral da ideia que preside ao Plano Tecnológico deve ser mantida: melhor qualificação dos recursos humanos, introdução de uma dimensão digital e reforço da inovação", explica Corado Simões.

O país "não pode perder de vista a direcção que quer seguir", defende João Caraça, que é também director do serviço de ciência da Fundação Calouste Gulbenkian. Portugal, prossegue, "está apostado num caminho de modernização e de superação de índices de menor intensidade em relação à Europa. Tem de se manter o rumo".

Mais auto-estima

O mapa de indicadores destes dois investigadores, que valoriza, entre outros, a balança tecnológica - compra e venda ao exterior de aquisição e utilização de patentes, assistência técnica, serviços de investigação e desenvolvimento -, pode mesmo vir a revelar que as crianças portuguesas têm muito mais computadores e o número de doutorados cresceu sem que essas mudanças signifiquem que a economia passou a produzir mais riqueza.

O Plano Tecnológico não dá subsídios, nem aprova projectos. É apenas uma ideia política. A grelha de indicadores escolhidos pelo Governo afere, na prática, se o discurso político convenceu, por exemplo, as empresas de telecomunicações a investir em banda larga, que por sua vez animou a compra de computadores e facilitou o acesso à Internet.

Também prioritários são os incentivos à qualificação dos recursos humanos, embora o resultado final nem sempre seja o desejado. No programa Novas Oportunidades, destinado à formação de adultos e no qual estão hoje inscritas mais de 400 mil pessoas, quem recebe um certificado ganha mais auto-estima do que oportunidades profissionais - o diagnóstico é de Hugo Rico, autor de uma tese de mestrado sobre o tema e profissional da área há sete anos.

A principal conclusão do estudo aponta que as pessoas a quem foi atribuído um certificado de equivalência escolar conseguiram sobretudo "elevar o nível de competências pessoais, da auto-estima e do auto-conhecimento e ficaram com uma maior predisposição para novas formações". O investigador ressalva que trabalhou com uma amostra "relativamente pequena, de cerca de 100 pessoas". Mas, sublinha, "na esmagadora maioria dos casos, [o certificado] não teve impacto profissional".

Pressão estatística

A descoberta contrariou as expectativas com que Hugo Rico partiu para o trabalho. E, afirma, também contraria o que a maioria das pessoas procura quando se envolve nestes processos.

Hugo Rico avança uma hipótese para a ausência de impacto profissional do Novas Oportunidades: "Talvez as instituições não estejam a capitalizar as competências e não se verifique, por parte dos empregadores, um aproveitamento das habilitações obtidas."

Embora já previstos antes do Plano Tecnológico, foi só com o Novas Oportunidades que surgiram os certificados de equivalência ao 12.º ano (antes, a certificação estava limitada ao nono ano). Mas a principal vantagem do programa do Executivo de Sócrates, diz Hugo Rico, foi o grande aumento de oferta de formações para adultos: "Nunca houve em Portugal um investimento tão forte na formação de adultos."
O programa também trouxe, porém, uma preocupação com as estatísticas: "Há uma pressão enorme da tutela para que os centros certifiquem pessoas. As metas sempre existiram em qualquer trabalho, mas não estamos numa linha de produção em que se pode fazer das pessoas aquilo que elas não aprenderam [a ser] ao longo da vida."