7.2.09

"A minha mãe ia ganhar pouco dinheiro se trabalhasse menos"

Natália Faria, in Jornal Público

Há composições coladas na parede que começam todas por "Era uma vez...". Nas janelas, autocolantes coloridos com figuras recortadas. As mesas estão dispostas num quadrado aberto para o quadro de lousa e, espreitando, o que se vê são crianças compenetradas sobre os cadernos. Como numa aula normal. Só que o toque de saída das 17h30 já tocou há um pedaço e esta não é uma aula normal, como vem explicar à porta Zé Guimarães Costa, sete anos de idade e dois de escola: "Estamos no prolongamento a fazer os trabalhos de casa".

Na Escola Básica da Vilarinha, no centro do Porto, há vários anos que os pais asseguram, com o apoio da Junta de Freguesia de Ramalde, o prolongamento de horário até às 18h30. Cada pai paga "uma quantia simbólica de vinte euros", como revela a presidente da respectiva associação, Cláudia Barrias. Dá direito a acompanhamento nos trabalhos de casa, aulas de dança, brincadeiras em ambiente seguro e "a um lanche composto por uma peça de fruta, uma sande e iogurte".

No ano passado, havia mais actividades. "O karaté custava dez euros por mês e a informática quinze", conta Cláudia. Este ano, "muitos pais desistiram por causa das dificuldades financeiras".

Das 180 crianças desta escola, há 50 inscritas no prolongamento. Como o Zé, que explica: "Quando acabo os trabalhos de casa, com a ajuda da professora, também faço desenhos. E também brinco, quando me deixam sair da sala". Preferia ir para casa? "Sim, para ver televisão ou desenhar". Quanto aos pais, "à noite estão sempre muito ocupados". E diz que, claro, gostava de poder brincar mais tempo com eles. Não fosse dar-se a seguinte situação: "A minha mãe é professora de italiano e faz legendas na Casa da Música e ia ganhar pouco dinheiro se trabalhasse menos".

Postas as coisas assim, melhor na escola do que em casa, na opinião da irmã, Mariana Guimarães Costa, de nove anos, aluna do 4.º ano e fã incondicional dos prolongamentos. "Só não gosto muito da dança porque a professora faz muito aquecimento. Mas prefiro estar aqui porque não gosto de atrasar os trabalhos de casa e, quando acabamos, se tivermos tudo certo, ainda podemos ir brincar. E eu também gosto de ajudar os meninos mais novos que precisam de mais atenção".

A conversa decorre num dos corredores da escola, cheio de cabides em versão mini para os casacos, e a psicóloga Raquel Pinto, que costuma acompanhar os miúdos no prolongamento, assegura que o costume, se acontece os pais chegarem um bocadinho mais cedo, é "eles virarem-se para os pais e pedirem 'Espera só mais um bocadinho que eu quero acabar...". Às sextas é diferente. "Estão mais cansados e por isso é que optamos quase sempre por ver um filme ou, quando está bom tempo, pomos música lá fora e ficamos a dançar com eles".

No vaivém do corredor, passa Jorge Oliveira Sousa, de 56 anos, avô de "uma neta de oito e um neto de quatro". Estão ambos no prolongamento. "Concordo com a ideia desde que as escolas tenham um registo da efectiva necessidade de os miúdos ficarem até mais tarde", responde. Depois, com mais ênfase: "As escolas não são depósitos de miúdos e não existem para facilitar a vida aos pais que querem ir ao cinema ou às compras". Portanto, "o importante é que não se caia no abuso". Agora, se a medida for encarada como uma situação de apoio a necessidades reais das famílias, "cem por cento de acordo".

Está ele e está Eduarda Moreira, de 47 anos, consultora de sistemas de informação e mãe de um miúdo que se apressou a entrar no carro. "Às vezes ele fica cansado, mas, com esta última hora, ele já leva os trabalhos de casa feitos - o que é bom - e vai convivendo com os outros miúdos, fazendo coisas no computador. Não é só trabalhar". Não houvesse prolongamento nesta escola, ATL (Actividades de Tempos Livres) com ele. "Das duas uma: ou não nos exigem tanto em termos de trabalho, e permitem-nos horários mais leves, ou arranjem-nos outras soluções".

O raciocínio aplica-se também às férias. No caso da Vilarinha, há campos de férias organizados pela junta de freguesia, sempre com a escola a servir de base: os almoços e o lanche fazem-se em recinto escolar. "Decorrem das 9h às 18h30. Nas férias grandes, é desde o dia 20 de Junho até 31 de Julho e depois, novamente, a partir do dia 1 de Setembro", calendariza Cláudia Barrias. "Os pais pagam trinta euros por semana, com direito a várias actividades e visitas", explica a representante dos pais, para concluir: "Estes campos são óptimos, até para os meninos que vêm para o primeiro ano e têm oportunidade de conhecer os cantos à casa e os miúdos mais velhos antes de arrancarem as aulas".