12.2.09

Plano de ajuda à banca criticado por mercados e economistas

Sérgio Aníbal, in Jornal Público

Plano apresentado pelo secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, atacado pela sua falta de detalhe e por não resolver o risco de insolvência dos bancos


Menos de um mês após a tomada de posse, o estado de graça de Barack Obama parece já ter terminado no que diz respeito ao combate à crise económica. Se o entusiasmo já está a ser muito moderado no que diz respeito ao pacote de estímulo económico aprovado pelo Senado, os mercados e um número muito elevado de economistas foram ontem implacáveis com o plano de ajuda ao sector financeiro apresentado na terça-feira pelo Secretário do Tesouro, Timothy Geithner.

As bolsas, logo após a apresentação, começaram a cair, com o índice S&P 500, de Nova Iorque, a perder na sessão de terça-feira 4,9 por cento do seu valor. Ontem, registou-se apenas uma recuperação mínima.

Entre os economistas, a reacção negativa foi ainda mais acentuada, com um sentimento geral de que o novo plano não terá mais hipóteses de resolver a situação do que o plano da anterior Administração que, ao fim de um ano e 350 mil milhões de dólares gastos, não eliminou a ameaça de um colapso no sector bancário norte-americano.
Geithner apresentou um plano em que os pontos fortes são o estabelecimento de uma parceria público-privado para comprar mil milhões de dólares de activos tóxicos aos bancos, a criação de uma linha de crédito de valor idêntico na Reserva Federal para incentivar a concessão de crédito aos particulares e empresas e a realização de "testes de stress" aos bancos para saber se precisam de ver o seu capital reforçado.

Uma das coisas que mais enervou os mercados foi a falta de detalhes do plano. Muitas questões ficaram por responder, nomeadamente como é que vão ser definidos os preços dos activos tóxicos e exactamente em que circunstâncias o Tesouro opta por entrar no capital dos bancos. Para além disso, ficou a ideia clara de que, para ver um plano a passar à prática, será preciso esperar ainda muito tempo.

"Devia ter esperado até ter tudo preparado. A falta de detalhes deixa muito espaço para a confusão, os mal-entendidos e a especulação", disse à agência Bloomber Ward McCarthy, um analista de bolsa. Kenneth Rogoff, professor na Universidade de Harvard, assinala que esta reacção dos investidores à incerteza pode mesmo forçar Geithner a mudar de rumo, tal como fez Paulson, tornando o plano agora apresentado apenas "num plano provisório". Paul Krugman, no seu blogue, diz que "não é claro o que é que o plano significa".

Mas mesmo esquecendo a falta de detalhes, críticas ferozes fizeram-se ouvir àquilo que já se sabe do plano. Muitos economistas dizem que a compra de activos tóxicos não resolve o problema, sendo necessária uma recapitalização dos bancos. Nouriel Roubini diz que "chegou a hora de nacionalizar os bancos insolventes". E Martin Wolf, na sua coluna regular no Financial Times, está tão céptico em relação à resposta dada pelas autoridades norte-americanas que começa o artigo de ontem com a pergunta: "Será que a presidência de Barack Obama já falhou?" Para este analista, o plano de Geithner apenas teria sucesso se o problema dos bancos fosse falta de liquidez. Wolf diz ter "poucas dúvidas" de que o problema está no facto de "uma considerável parte das instituições financeiras estar insolvente", sendo por isso necessário recapitalizá-las.

O plano apresentado Geithner também não satisfez aqueles que defendem que apenas com a falência dos bancos insolventes a economia pode recuperar. O investidor Jim Rogers diz que Geithner, "apesar de ter estado no Japão durante a crise dos anos 90, está agora a cometer os mesmos erros".

A Administração Obama defendeu-se ontem contra estas críticas. Geithner disse no Congresso que é preciso tempo para acertar os detalhes e não falhar nas políticas. Obama, numa entrevista de televisão dada esta semana, deu a sua justificação para a não aplicação de um programa agressivo de nacionalização da banca, como aconteceu com sucesso na Suécia na crise dos anos 90. "A Suécia tinha cinco bancos, nós temos centenas", disse, defendendo que a "dimensão da economia dos EUA e do seu mercado de capital é tão grande que isso [nacionalização ao estilo sueco] não faria sentido". Obama lembrou ainda que "a Suécia tem um tipo de cultura diferente da dos EUA na forma como encara a relação do Estado com os mercados".

O prémio Nobel Krugman discorda destas duas ideias. Afirma que "os problemas nos EUA estão concentrados apenas em alguns bancos" e diz que "as nacionalizações são tão americanas como as tartes de maçãs".

Foi mais do que uma visita turística, ou um desvio de percurso para aconchegar o estômago, a deslocação que o director-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT) fez ontem à tarde aos Pastéis de Belém, em Lisboa. Ainda que tenha ficado deliciado com a guloseima, Juan Somavia foi ver, in loco, um dos 44 estabelecimentos de restauração e bebidas que participaram num projecto pioneiro, resultante de uma parceira entre a CGTP e a Associação de Restaurante e Similares de Portugal (Aresp), ao abrigo do programa europeu Equal, com a assistência técnica da OIT. Um dos princípios orientadores do projecto é que tanto homens como mulheres recebem salário igual por trabalho igual. "Este projecto tem o valor da revalorização do trabalho", disse, segundo a Lusa. O side event da reunião europeia da OIT, que até amanhã decorre em Portugal, integrou um dia de debates em que a preocupação com o proteccionismo e a importância de responder à crise com coordenação internacional - e entre parceiros sociais - esteve no centro das discussões. "É importante que as medidas de ajuda a Estados-membros não ponham em causa outros Estados-membros. Temos que manter uma abordagem coordenada, se não vamos ter um problema ainda maior", alertou o vice-primeiro-ministro da República Checa, Alexandr Vondra, num painel de ministros europeus. Para o titular da pasta do Trabalho luxemburguês, François Biltgen, "a crise não se resolve com soluções nacionais, nem com políticas proteccionistas". O seu colega português, Vieira da Silva, afinou pelo mesmo diapasão. "Se nada fizermos, o risco de proteccionismo é muito elevado. A Europa, nomeadamente a União Europeia, tem de fazer mais, tem de estimular a coordenação das respostas de combate à crise", disse. Questionado sobre a política salarial em tempo de crise, o ministro português declarou a sua preferência pela negociação colectiva e aconselhou patrões e sindicatos a negociarem remunerações adequadas à situação de cada sector ou empresa, de modo a salvaguardar postos de trabalho. "Não podemos ter uma política salarial única, há que encontrar o justo equilíbrio entre evolução salarial que mantenha a procura e a evolução de nível de preços", embora "seja vontade do Governo que esta crise não seja acompanhada de uma redução dos salários, pois o poder de compra das famílias é também incentivador para a economia", disse. J.M.R.

Vikram Pandit, o líder do banco norte-americano Citigroup, anunciou ontem que irá reduzir o seu salário para um dólar ao ano até que o banco volte aos lucros. A revelação foi feita ao Congresso dos EUA, numa sessão em que os responsáveis pelas principais instituições responderam às questões dos membros da Câmara dos Representantes sobre a forma como estavam a utilizar os fundos concedidos pelo Estado no valor de 350 mil milhões de dólares. O Citigroup recebeu uma ajuda de 45 mil milhões. Pandit, antes de se tornar CEO do Citigroup, vendeu o seu hedge fund ao banco por 800 milhões de dólares. O fundo viria a ser retirado do mercado meses depois. Esta redução radical de salários - que há poucos meses, em conjunto com bónus, atingiam valores milionários - não é consensual. John Mack, da Morgan Stanley, defendeu que os limites impostos por Obama (500 mil dólares ao ano) estão a levar à saída de talentos da instituição, especialmente na Europa.