Ana Espada, in Jornal Público
Ao contrário do que acontece na maioria dos refeitórios sociais, na Cais as pessoas "pagam o que comem para aprenderem a gerir o seu dinheiro"
Os utentes da associação Cais, no seu centro de Lisboa, já não precisam de sair da sede, situada na zona do Cabo Ruivo, para irem almoçar. Foi ontem inaugurado o novo projecto da associação, um restaurante social nas próprias instalações que irá servir os utentes em formação. Por uma quantia simbólica podem dispor de uma refeição completa, evitando assim a tendência que muitos tinham em não voltar à sede depois da hora de almoço.
O sala não é grande, tem apenas o espaço suficiente. As paredes foram pintadas com cores alegres, um rádio colocado a um canto anima o ambiente e as mesas de almoço esperam pelos 40 utentes da Cais de Lisboa, associação de solidariedade social sem fins lucrativos fundada em 1994. "É muito importante que o espaço seja acolhedor", disse Henrique Pinto, director da associação. "Estamos sedeados fora do centro da cidade, as pessoas ausentavam-se para o almoço e muitas delas já não voltavam." Daí a criação do espaço de almoços, que há muito havia sido pensado e que só agora foi efectivamente conseguido. A diferença relativamente aos outros refeitórios sociais espalhados pela cidade é que a "oferta" de serviços é feita apenas a utentes em formação, de forma a constituir uma parte integrante no processo de continuidade desenvolvido pela entidade.
"Os refeitórios que existem apenas para matar a fome são parte do problema, oferecem serviços que não têm continuidade", afirmou o director. Através de um pequeno pagamento, pretende-se educar os utentes e ensiná-los a utilizar o dinheiro em coisas que valham a pena. "Temos de conseguir políticas de acesso a direitos e obrigações e o pagamento de refeições é uma medida de arranque", justificou.
Na sala lúdica da associação, vários utentes jogam às damas, ao dominó ou simplesmente assistem às notícias. Daniel e Florino, ambos naturais da Roménia, vieram para Portugal há cinco anos e fazem parte da associação há quatro. "Antes trazia sandes de casa, não tinha dinheiro para andar a comer fora, mas agora vou começar a almoçar aqui", disse Florino, acrescentando que a iniciativa foi "muito boa". Daniel, com maiores dificuldades de expressão e compreensão da língua portuguesa, contou que veio para a associação porque quando chegou a Portugal não conseguia falar português e, consequentemente, não conseguia arranjar trabalho. "Na associação ajudaram-me muito", disse num português ainda arranhado, mas já compreensível.
Sandra Morais Pinto, coordenadora da Cais em Lisboa, descreveu a associação como "um centro diurno de aquisição de conhecimentos" que tem como público alvo pessoas sem lar/casa, economicamente desfavorecidas ou em situação de risco. O centro tem o Espaço-Escola onde são realizadas actividades com vista à inserção no mercado de trabalho e ao desenvolvimento social. "Os utentes aprendem regras sociais, formas de estar e trabalhar em grupo", disse a coordenadora. "Temos também uma sala destinada ao treino de competências linguísticas, a Cais Palavras, outra dedicada a actividades físicas e um pequeno atelier dedicado às artes plásticas", adiantou. Os utentes podem também aceder à Internet na sala digital, onde é dada uma formação em tecnologias.
Fundada em 1994, a associação Cais teve como primeiro grande projecto a publicação de uma revista, com o mesmo nome, que ainda é vendida na rua por pessoas em situação de privação, exclusão e risco. Em 2003, a entidade expandiu a a sua actividade de inclusão, intervenção social e política, através da criação do centro Cais de Lisboa e posteriormente de um outro centro no Porto.


