16.7.09

Contrato Local de Segurança a conta-gotas ainda não conquistou os moradores

por Valentina Marcelino, in Diário de Notícias

No bairro, onde há dias a polícia foi recebida à pedrada, está instalada a sede do Contrato Local de Segurança de Loures. Os moradores e comerciantes não constatam melhorias, mas esta semana a governadora civil reuniu pela primeira vez famílias africanas e ciganas na mesma sala. Uma 'gota' de esperança


"Contrato local de quê??!!! De segurança não é de certeza", atira, de trás do balcão, o dono de um café da Quinta da Fonte, na Apelação, a menos de 200 metros da sede do Contrato Local de Segurança (CLS) de Loures. Ricardo Domingos, um jovem morador do bairro, que foi recrutado para ser mediador do CLS, encolhe-se por trás dos panfletos que vinha entregar, a dar a conhecer a realização de ateliers de teatro, pinturas faciais, entre outros, "para tirar os miúdos da rua".

"Tenha calma sr. Manuel, estas coisas não se resolvem de um dia para o outro", argumenta, perante o olhar céptico do comerciante e da sua mulher, que puxa os óculos para os olhos e lê os papéis de testa franzida. "O ministro [da Administração Interna] vem aí fazer festas, mas assim que vira as costas a polícia vai toda embora e tudo volta ao mesmo", continua Manuel Silva, que há 11 anos mantém o estabelecimento. "Agora até fui obrigado a mudar o horário e a fechar às 7 da noite para não ter problemas", confirma.

Percorrendo a Rua José Afonso abaixo - a mesma que há um ano foi palco do tiroteio, que correu as televisões do País, entre ciganos e africanos e onde há menos de uma semana a polícia foi recebida à pedrada quando perseguia um criminoso - a reacção dos comerciantes é semelhante. "O que é mesmo preciso é que os carros- -patrulha passem mais vezes, principalmente ao fim-de-semana, que é quando as coisas aquecem mais e eles nunca aparecem", pede Fernando Chaves do Bazar em frente.

Quase 10 meses depois de assinado, apresentado como a resposta estratégica do executivo socialista aos conflitos violentos que tinham acontecido na zona, o CLS de Loures, que abrange três freguesias (ver caixa), avança a conta-gotas. A sede só foi inaugurada em Abril último e ainda nem tem Internet. Apesar de as autoridades oficiais, principalmente a Governadora Civil de Lisboa, Dalila Araújo, se desdobrarem em iniciativas e encontros com a população para conquistar o seu interesse, a verdade é que, no terreno, a fé dos moradores é pouca ou nenhuma.

A voz suave, mas convicta, da governadora não chega para acalmar o 'vulcão' de descontentamento. "Continuamos cada vez mais reféns nas nossas próprias casas, em prisão domiciliária, com medo de sair a partir das quatro da tarde", conta em suspiro Mário Santos, porta-voz de um grupo de comerciantes.

Dalila ouve e acena com a cabeça. "Todos temos noção de que um CLS não se faz com um estalar de dedos. É um processo lento porque intervém naquilo que é fundamental mudar e mais difícil, que são os comportamentos", afirma.

Nessa tarde conseguiria uma "pequena-grande" vitória. Reuniu na mesma sala famílias africanas e ciganas, e ouviu. Ouviu lamentos, sempre queixas de falta de policiamento, mas também palavras que a fazem "acreditar que estão no caminho certo", como as de demonstração de respeito entre ambas as comunidades.

"A segurança também somos todos nós", declarou José Garcia, o patriarca da comunidade cigana à procura do aceno de concordância do "homólogo" africano José Kibamba, da Igreja Kibanguista, que o apoiou de imediato.

Apesar dos pouco mais de 20 participantes neste encontro serem apenas uma gota de água, no "quartel-general" do CLS, na Quinta da Fonte, a directora Luísa Monteiro não tem hesitações: "É este o único caminho. Pode ser demorado, gota a gota, mas não há outra forma, a não ser estar aqui a interagir com os moradores, principalmente com os mais novos, de as pessoas se começarem a sentir mais confiantes", declara confiante a vistosa subcomissária, que nos recebe vestida com uma saia justa, top, saltos altos e maquilhagem elegante, que trocou pela farda da PSP.

Enquanto falamos, recebe mulheres ciganas e duas jovens africanas. A primeira pede ajuda para fazer um recurso para pagar uma multa de trânsito do marido a prestações. As segundas, Cynthia e Vanilda, licenciadas, vão, com apoio da equipa do CLS, a um encontro de jovens na Turquia.

Há poucos anos, como comandante da esquadra de investigação criminal de Loures, Luísa Monteiro, confessa que partiu "dezenas de portas em rusgas" neste bairro. Agora está a ajudar a abri-las.