18.9.09

Portugal está penhorado mas crise reduz dívidas

por Rudolfo Rebêlo, in Diário de Notícias

A dívida do País aumentou, mas, com a crise, os bancos começaram a recusar empréstimos às empresas e às famílias. Melhoraram a sua exposição junto da banca estrangeira. Resultado: a dívida externa está a cair, mas também a com a ajuda da queda brutal das importações. Sem receitas para compensar as despesas, o défice do Estado está a aumentar. É a factura com a recessão económica


O País está como as famílias: endividado. Como afirmam os políticos e economistas, "consome mais do que produz" ou "vive à custa das poupanças dos estrangeiros". Ou seja, as compras ao estrangeiro (importações) não compensam as vendas da nossa produção (exportações), os consumidores endividam-se na banca e, como não há poupanças internas, os banqueiros são "obrigados" a contratar dinheiro no estrangeiro.

O resultado da gula dos portugueses pelo crédito à compra da casa, para satisfazer consumo ou para alimentar o endividamento dos empresários está na frase - por vezes volátil - "Portugal penhorado ao estrangeiro". No fundo, os portugueses não poupam - em depósitos à ordem ou a prazo - e o dinheiro terá de ser pedido emprestado ao exterior. E, para garantir esses empréstimos, os banqueiros internacionais pedem garantias, em títulos, acções, imóveis. É como quem vai ao banco e penhora a casa para obter crédito.

E se as dívidas acumuladas pelos portugueses ultrapassam, em média, cerca de 30% do salário anual, em Março deste ano, a dívida ao estrangeiro era o equivalente a 97,2% da produção final do País em apenas um ano (PIB). Há sinais de que a dívida externa está a cair - as importações estão a cair a ritmo superior ao das exportações e os bancos, ao "cortarem" no crédito à habitação, estão a contratar menos dinheiro aos banqueiros dos colossos Fortis, Deutsche Bank ou ABN. Assim, o défice externo (o deve e haver anual com o estrangeiro) caiu 21% nos primeiros seis meses do ano, em comparação com igual período do ano passado.

Também o Estado está endividado. E, para pagar os sucessivos défices orçamentais anuais - as despesas são sempre superiores às receitas - "consome" poupanças que poderiam ser canalizadas para as famílias e empresas e torna o dinheiro mais caro (taxas de juro). É por isso que os economistas, políticos, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, BCE, insistem nos "equilíbrios dos défices orçamentais". A ambição é equilibrar as despesas com as receitas.

A crise económica obrigou o Governo a gastar mais dinheiro para reanimar a economia e colocar um travão no desemprego. Isto terá, em 2009, um alto custo para os cofres do Estado e já estragou a consolidação orçamental com início em 2005. Após um défice de 6,1% em 2005, em 2006, o desequilíbrio das contas do Estado desacelerou para os 3,9% do PIB (ver quadro). Nos dois anos seguintes, foi atingido o mais baixo défice após 1974. Com efeitos imediatos nos empréstimos do Estado.

É que a dívida pública - o somatório dos sucessivos défices orçamentais anuais e composta por subscrição ao público e empresas de títulos do tesouro, certificados de aforro - até estava a cair em 2007, em resultado de uma forte desaceleração do défice orçamental e do crescimento da economia (ver gráficos).

Nos primeiros sete meses do ano, as despesas do subsector Estado - em salários com o funcionalismo público, educação, saúde, investimentos públicos, transferências para a Segurança Social, etc. - superaram as receitas correntes - essencialmente compostas por impostos - em 8,6 mil milhões de euros. Um défice que daria para pagar a construção do novo aeroporto de Alcochete e mais de metade da factura com o TGV, o comboio de alta velocidade.

A recessão económica, entre Janeiro e Julho, afectou as receitas e as despesas do Estado, de forma violenta. Do lado das receitas - em impostos - a crise propriamente dita roubou ao fisco dois mil milhões de euros em impostos, dos quais 1,2 mil milhões de euros em IVA, por efeito da contracção das compras das famílias e empresas.

As "medidas sociais" do lado dos impostos, como a aceleração dos reembolsos do IVA e IRS ou a redução do pagamento especial por conta, PEC, para as empresas, retiraram aos cofres do Estado cerca de 1,1 mil milhões de euros.

O plano anticrise - a Iniciativa para o Investimento e Emprego, IIE - deverá, este ano, custar outra parcela de 1,1 mil milhões de euros. Para já, o Executivo afirma que já foram gastos 278,5 milhões de euros, dos quais 120 milhões de euros em escolas e 152,5 milhões no apoio ao emprego e exportações.

Uma radiografia às despesas do Estado encontra estilhaços provenientes da crise. Com o desemprego a aumentar, as despesas orçamentais estão a disparar. O montante dos cheques para a Segurança Social, Serviço Nacional de Saúde e Caixa Geral de Aposentações aumentaram 8,9%, pouco mais de mil milhões de euros.

Apesar de um aumento salarial de 2,9% para a função pública, nos primeiros sete meses, os encargos salariais cresceram apenas 1%, um desempenho que é explicado pelo efeito volume, já que diminuiu o quadro de trabalhadores públicos na administração central.