29.9.09

Estado responde com mais dívida à contenção de famílias e empresas

Por Sérgio Aníbal, in Jornal Público

Pelo menos desde 1999 que o Estado não apresentava necessidades de financiamento tão altas na primeira metade do ano

Défice alto na Alemanha


A crise económica mundial está a forçar famílias e empresas a reequilibrarem as suas contas, poupando mais e investindo menos, mas em contrapartida o Estado está a endividar-se a alta velocidade.

Os dados ontem publicados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram uma mudança muito acentuada do comportamento dos agentes económicos em Portugal durante os últimos trimestres. Em primeiro lugar, a quebra das expectativas em relação à evolução futura da economia está a levar particulares e empresas a procederem a uma correcção acentuada das suas contas.

Nas famílias, a poupança registada nos últimos doze meses até Junho cifrou-se em 8,6 por cento do rendimento disponível. Este é o valor mais alto desde o segundo trimestre de 2006 e representa uma subida acentuada face aos sete por cento que se verificavam há três meses atrás. Os rendimentos estão a crescer a um ritmo relativamente lento, mas a contenção no consumo é ainda maior. O resultado é, nos últimos doze meses, um saldo positivo nas contas das famílias que corresponde a 3,3 por cento do PIB, o valor mais alto dos últimos seis anos.

Nas empresas (exceptuando o sector financeiro), o cenário é semelhante. A crise colocou a taxa de investimento ao nível mais baixo desde pelo menos 1999, o primeiro ano para o qual o INE apresentou dados. Os montantes investidos entre Junho do ano passado e Junho deste ano corresponderam a 24,9 por cento do valor acrescentado bruto das empresas, bastante menos que os mais de 30 por cento registados no início desta década.

Outra prova do esforço de correcção de contas que tem vindo a ser realizado é o facto de a necessidade líquida de financiamento do sector empresarial (que mede o défice registado) se ter cifrado nos últimos doze meses até Junho em 8,3 por cento, uma melhoria face aos 10,1 por cento do trimestre anterior.

Estado endivida-se

Neste cenário de contenção nas contas das famílias e empresas, o sector público caminha, de forma intencional, no sentido inverso.

O Governo português, à semelhança do que está a acontecer na maior parte do Globo, tem defendido que, perante a contenção do consumo e investimento do sector privado, é preciso que o Estado sustente a procura interna, deixando, se for necessário, que ocorra um agravamento do endividamento.

E, como mostram os números do INE, isso está a acontecer de forma muito clara. As necessidades líquidas de financiamento das administrações públicas atingiram, na primeira metade deste ano, os 9,2 por cento do PIB, algo que, pelo menos desde 1999, nunca tinha acontecido nos seis meses iniciais de um ano.

Uma aceleração das despesas realizadas face a anos anteriores e, sobretudo, uma redução drástica da receita fiscal cobrada explicam este resultado, que reforça as dúvidas relativamente à capacidade do Governo em garantir o prometido défice público de 5,9 por cento no total de 2009.

Ainda assim, no relatório do Procedimento dos Défices Excessivos enviado ontem oficialmente para Bruxelas, é precisamente este número que o Executivo volta a prometer. O Ministério das Finanças, liderado por Teixeira dos Santos, optou por não efectuar qualquer alteração nas projecções para as finanças públicas que tinha apresentado em Maio, no Relatório de Orientação da Política Orçamental, incluindo igualmente a projecção de uma dívida pública de 74,5 por cento no final deste ano, mais 8,2 pontos percentuais do que no ano passado.

Mesmo assim, os défices mais elevados que o sector público está a apresentar não atingem o valor da contenção registada no sector privado. É por isso que, para o total da economia portuguesa, as contas com o exterior ficaram, durante o segundo trimestre deste ano, mais equilibradas. O endividamento externo nacional, segundo o INE, foi de 9,3 por cento do PIB nos doze meses terminados em Junho, uma melhoria face aos 10,4 por cento que se tinham verificado nas contas do trimestre anterior.