por Eva Cabral, in Diário de Notícias
Diogo Leite Campos, vice-presidente de Passos Coelho, é liminar na recusa de cortes nas deduções. E diz que há alternativas, como "ir buscar aos tribunais receitas que o Estado não cobra". O fiscalista critica o PEC, "que vai ser pago pela classe média e média baixa" e denuncia a técnica do actual Governo: "Vamos pensar o hoje, o amanhã logo se verá".
O PSD tem dito que a política fiscal está a matar a classe média. Porquê?
Temos uma carga fiscal que está acima da média da UE para um país que é particularmente pobre, e que precisa de uma carga fiscal mais baixa, não só para o bem-estar das famílias como para a competitividade das empresas. E não é só a carga fiscal que é nociva: as demoras da administração a liquidar impostos e as liquidações em massa, completamente ilegais, que levam a que a Administração perca cerca de 60% dos processos em tribunal, também são negativas.
No ano passado, a arrecadação do IVA teve um mergulho de mais de 19%. Ou seja, a evasão pode ter subido muito. É o reverso da política fiscal que temos?
Nos anos oitenta, falando com o ministro das Finanças da altura, quando ele se queixava da falta de receita, dizia-lhe que aumentasse o imposto de transacções sobre o uísque, que era a medida comum. Respondia-me que não podia, pois por cada ponto de aumento a evasão fiscal aumentava dois.
O que pressiona a evasão fiscal?
A necessidade que as famílias e as empresas têm de se financiarem através do não pagamento de impostos. É reprovável, mas é uma verdade. Depois, a falta de confiança dos agentes no futuro político e económico do País. Não acreditam, não têm confiança, não consomem, e fazem evasão fiscal. Finalmente, um terceiro aspecto: nos últimos anos, o Governo financiou-se não só pela receita dos impostos como também pela cobrança da dívida executiva que estava nas repartições de finanças. Isso representou uma parcela significativa das receitas do Estado que em 2009 estava esgotada.
Acabou por ser uma receita extraordinária?
Sem dúvida. É por isso que eu digo que hoje, com um bocado de imaginação, escusávamos de estar a sobrecarregar as famílias e as empresas com os impostos e podíamos ir buscar aos tribunais receitas que lá estão paradas e que o Estado não cobra. Não tenho números e ninguém tem, mas estou convencido de que estão parados nos tribunais treze ou catorze mil milhões de euros de impostos. Se fosse possível resolver esses casos em dois ou três anos, o Estado iria cobrar em princípio cerca de seis mil milhões de euros e isto já era uma balão de oxigénio significativo. Mas tradicionalmente é mais fácil subir impostos do que ir cobrar os impostos nos tribunais ou nas repartições de finanças.
Portugal tem assimetrias de distribuição de rendimentos e sete escalões de IRS. Deve mudar?
A mim choca-me que os mais pobres, os mais desfavorecidos, sejam sobrecarregados com taxas de impostos elevadíssimos sobre rendimentos que em nenhum país europeu são tributáveis. Nas classes de mais altos rendimentos trata- -se do mesmo modo quem tem por mês ou dez mil euros ou um milhão. É perfeitamente injusto. No máximo, devíamos ter quatro taxas de IRS. A introdução de alguma justiça fiscal no IRS até pode implicar a perda de receitas. Mas tem de se fazer um esforço nesse sentido, e não confundir a classe média com a classe alta, que é tratada como se de média se tratasse.
Como vê a tributação das mais-valias das acções?
Os países estão em estreito contacto económico e financeiro e nenhum se pode dar ao luxo de tributar mais do que o vizinho. Todos tentam que a sua economia, através do factor fiscal, seja competitiva. Em matéria de tributação do capital, quer nos custe quer não, temos de ser competitivos. Diria que sou pela tributação das mais--valias da bolsa, desde que me provem que essa tributação mantém a economia portuguesa competitiva, o que não foi feito. Se não se acautelar esse factor, a tributação leva à fuga de capitais, ao desemprego e à pobreza.
É necessário realismo fiscal?
Não podemos continuar a apresentar as necessidades do Estado à vontade e depois criar e cobrar impostos. Temos primeiro de ver o imposto que podemos cobrar, atendendo à situação económica, financeira e social do País, e só depois adaptar as necessidades a esses impostos. Ou seja, continuamos a sangrar a população e as empresas em benefício de objectivos fixados muitas vezes com total indiferença pela classe política.
O PEC é uma carta de intenções. Considera-o credível?
Considero o PEC credível, por acreditar na honestidade e na competência técnica das pessoas que o fizeram. Mas se olhar só para o documento não considero muito credível, pois não pressupõe qualquer política de desenvolvimento, apesar de assentar no crescimento do PIB como que por milagre. E sobre a justiça social deixa muito a desejar, pois o PEC é para ser largamente pago pela classe média e média baixa. O PEC não vai levar o País a lado nenhum, e em 2013 vamos estar pior do que hoje.
O OE de 2010 prevê reduzir o défice em um ponto percentual. Chega?
É a técnica do actual Governo: vamos pensar o hoje, o amanhã logo se verá. Pessimistas quanto ao presente e optimistas quanto ao futuro.


