in Público on-line
A NATO desmentiu “categoricamente” a acusação, feita pelo jornal britânico "The Guardian", de ter deixado morrer de 61 migrantes africanos, que foram deixados à sua sorte num barco no Mediterrâneo, depois de alertarem a Guarda Costeira italiana e terem passado por um porta-aviões da Aliança Atlântica.
Segundo o diário britânico, a embarcação com 72 passageiros, incluindo mulheres, crianças e refugiados políticos, tinha saído de Trípoli, Líbia, para a ilha italiana de Lampedusa quando se viu em apuros. Fizeram soar alarmes, pediram ajuda da guarda costeira italiana e tentaram contactar um helicóptero militar e um navio da NATO... mas não houve qualquer tentativa para os socorrer.
Depois de 16 dias, 68 dos ocupantes do navio estavam mortos. Onze chegaram a terra, mas dois morreram pouco depois. Nove sobreviveram para contar a história. “Todas as manhãs acordávamos e encontrávamos mais corpos. Deixávamo-los no barco durante 24 horas, e depois atirávamo-los ao mar”, contou Abu Kurke, um dos sobreviventes. “Nos últimos dias, já não nem sabíamos quem éramos.. Todos estavam a rezar, ou a morrer.”
Lei marítima obriga a ajuda
“Houve uma renúncia da responsabilidade que levou àmorte de 60 pessoas”, acusou Moses Zerai, um padre eritreu em Roma que dirige uma organização de refugiados e que esteve em contacto com o navio pelo telefone satélite da embarcação, enquanto a bateria deste durou. “Isto é um crime, e um crime não pode ficar sem castigo só porque as vítimas eram migrantes africanos e não turistas num cruzeiro.”
A lei internacional marítima, sublinha o "Guardian", obriga a qualquer navio, incluindo unidades militares, a prestar auxílio a outras embarcações em dificuldades sempre que possível. Uma porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os refugiados pediu mais cooperação dos navios comerciais e militares. “O Mediterrâneo não se pode tornar no Wild West”, comentou Laura Boldrini. “Os que não ajudam as pessoas não podem continuar impunes.”
As revoltas e instabilidade em países do Norte de África levaram a um aumento do número de pessoas que tentam chegar à Europa de barco – nos últimos quatro meses, acredita-se que 30 mil migrantes tenham tentado atravessar o Mediterrâneo de barco. Muitos morreram.
Ninguém admite contacto com barco
Este barco tinha saído de Trípoli a 25 de Março levando 47 etíopes, sete nigerianos, sete eritreus, seis ganeses e cinco sudaneses. Havia 20 mulheres e duas crianças pequenas – uma delas tinha apenas um ano.
No caminho para Lampedusa, quando estava no mar há apenas 18 horas, a embarcação começou a ter problemas e a perder combustível.
O “Guardian” reconstruiu a história com base em testemunhos dos sobreviventes e pessoas que estiveram em contacto com o barco. Os migrantes começaram por contactar o padre Zerai, que alertou a guarda costeira italiana – que lhe assegurou que tinha dado o alarme e que as autoridades estavam a par da situação.
Um helicóptero militar apareceu pouco depois e forneceu pacotes de bolachas, água, e deu indicações de que o barco deveria manter-se na sua posição até chegar um navio de ajuda. Mas nenhum país admite ter mandado este helicóptero.
Itália diz ter avisado Malta para o barco, Malta nega ter tido qualquer contacto com os migrantes.
O capitão ganês, não vendo sinais do navio de auxílio prometido, decidiu que poderia chegar a Lampedusa com os 20 litros de combustível que ainda tinha. Mas dois dias depois de ter partido da Líbia tinha perdido o rumo, ficado sem combustível, e estava ao sabor da corrente.
O porta-aviões da NATO
A corrente levou-o para perto de um porta-aviões da NATO, tão perto que seria impossível não terem sido vistos. O “Guardian” tentou descobrir que navio da NATO seria este, e descobrindo que o Charles de Gaulle operava no Mediterrâneo nestas datas, tentou obter comentários. Recebeu uma resposta dizendo que o porta-avião francês não estava no local. Confrontado com notícias que falavam da presença do Charles de Gaulle na região na altura, um porta-voz da NATO recusou-se a fazer comentários.
Entretanto, a organização já disse que apenas um navio italiano, o Garibaldi, estaria relativamente perto do local e negou categoricamente que tivesse tido conhecimento de qualquer embarcação em apuros, lembrando que naivos da organização já salvaram "centenas de vidas" no mar.Sobreviventes contaram, pelo seu lado, que dois aviões saíram do porta-aviões e sobrevoaram o seu barco. Alguns mostraram os bebés esfomeados, tentado despertar a atenção de alguém. Mas não houve resposta. As correntes levaram de novo o barco para longe do porta-aviões. E sem combustível, comunicações ou comida, as pessoas começaram a morrer.
“Guardámos uma garrafa de água para os bebés, e continuámos a alimentá-los depois da morte dos pais”, contou Kurke, um etíope de 24 anos, que fugia do conflito étnico no seu país, e sobreviveu bebendo a própria urina e comendo pasta de dentes. “Mas depois de dois dias os bebés acabaram por morrer, porque eram tão pequeninos”.
O barco acabou por chegar a uma praia na costa da Líbia, perto de Misurata, com onze sobreviventes. Um morreu quase de imediato ao chegar a terra, outro morreu pouco depois na prisão – os sobreviventes foram detidos pelas forças de Khadafi e ficaram na prisão durante quatro dias.
Os últimos nove sobreviventes estão agora escondidos na casa de um etíope na capital líbia. E consideram tentar, de novo, chegar à Europa. Por barco.


