Da América ao Nepal, as vidas de três bebés contadas pelos pais imigrantes, que escolheram Portugal para viver e constituir família
Arina, Sayani e Felix representam muito mais do que números, mas é inevitável que façam parte das estatísticas. A história de cada um deles é diferente e mostra o quão multicultural pode ser um país. Quis o destino e as circunstâncias que nascessem em Portugal. São filhos de estrangeiros com nacionalidade lusa.
Nos primeiros sete meses de 2021 foram registadas 5378 crianças com mãe de nacionalidade estrangeira. Os dados do Instituto dos Registos e Notariado, tutelado pelo Ministério da Justiça, mostram uma descida no número de bebés de mulheres imigrantes face a 2020 (5515).
Ainda assim, em período pandémico, a contribuição das estrangeiras para os nascimentos conseguiu chegar aos 12%, de janeiro a julho deste ano. Sem as imigrantes, “a quebra [dos nascimentos] que se registou em Portugal, teria sido muito mais forte”, diz a demógrafa Maria João Valente Rosa.
Moldávia
Arina preserva as raízes dos pais
Arina chegou ao Mundo a 1 de janeiro de 2021. Foi uma surpresa no período da pandemia, dizem os pais. Tem o rosto alegre e uma personalidade vivaça que consegue contagiar uma sala inteira. Está habituada a ser o centro dos holofotes, aponta a mãe Svetlana, não fosse ela reconhecida como a “primeira bebé do ano” em Aveiro.
“Sem contar, na altura da covid-19 veio uma surpresa e nós aceitámos”, diz Svetlana. O casal da Moldávia tem mais uma filha em comum, a Anastacia, de 8 anos, que “queria muito ter uma irmã”. “Para brincar”, acrescenta a mais graúda.
O pai Dmitrii diz que não se importava de ter mais dois filhos, mas não têm família em Portugal para ajudar a cuidar das crianças. E os horários nem sempre são fáceis de conjugar. “Um leva ao infantário, o outro vai buscar”, acrescenta.
O percurso de ambos no país começou em momentos diferentes. Em 2000, Dmitrii veio para trabalhar. Mais tarde, em 2006, casou com Svetlana. “Ele gostava muito de cá estar e perguntou-me se eu não me queria mudar”, recorda a esteticista de 37 anos.
O primeiro ano não correu às mil maravilhas. Não falava a língua e não era fácil entender os portugueses.“Falavam muito alto e rápido, não percebia nada”. Adaptou-se e deixou-se ficar por Aveiro, na altura, com o filho de quatro anos, fruto do primeiro casamento.
Quase 15 anos depois, a vida está feita em Portugal. Por isso, fez sempre sentido começar uma família cá. “Ainda pensamos mudarmo-nos para o Algarve por causa do clima, mas não há tanto emprego”, justifica Svetlana.
Toda a família tem a nacionalidade portuguesa, mas as raízes moldavas continuam vivas, seja nas viagens que fazem regularmente ao país natal ou nos nomes das filhas, Arina e Anastacia.
EUA
Felix abraça as duas culturas
Há 15 anos, Ted visitou o Porto e gostou do que viu. Queria viver na cidade portuguesa, depois de toda a sua vida ter sido passada na movimentada Nova Iorque, nos Estados Unidos. “Há cerca de cinco/seis anos, decidimos que era um período em que podíamos fazê-lo”.
Mudou-se para Portugal com a companheira Maggie para fazer um “teste de três meses” e perceber como se sentiam a viver cá. Estavam prestes a regressar à América, quando as fronteiras fecharam devido à covid-19.
Foi em Portugal que nasceu Felix, hoje com um ano. A vida ensinou-os a não ter planos e nada como certo. Nem mesmo a permanência em Portugal, apesar do filho já ser português e de estarem a reconstruir uma casa.
A espontaneidade do casal não esconde, porém, a vontade de que Felix cresça num ambiente mais calmo do que o dos Estados Unidos. “Não quero que isto soe como uma crítica violenta à América. O sistema político não é aquele em que queremos criar uma família”, diz Maggie, de 37 anos.
Para a família norte-americana, era “insustentável” ter um filho em Nova Iorque. “É tão caro e o sistema de saúde é uma confusão”. Maggie não conseguiu convencer os profissionais de saúde, que a acompanhavam num hospital privado português, a ter um “parto natural sem qualquer tipo de intervenção”. ”Senti que iria ser uma luta, portanto decidi ter o bebé em casa”. Algo “muito comum” na América, diz.
O casal viajou há poucas semanas para o país de origem. Fazem questão de passar longas temporadas. Não só para estar com a família, mas para garantir que Felix cresce com as duas culturas. “A minha maior preocupação é ele ser [só] português, porque nós somos tão americanos”, diz a mãe, entre risos.O pai Ted confirma: “Ele vai ser americano também. Vai ser dual”, remata.
Nepal
Sayani vai ser “livre”
Foi o trabalho que trouxe Kushal até Portugal. Deixou o Nepal para estudar na Escócia e, depois, já como cozinheiro de comida japonesa, começou a trabalhar no Porto. Sayani, com pouco mais de quatro meses, é a primeira filha de Kushal e Niruta.
Os dois casaram no país de origem, num matrimónio arranjado entre os pais. “É uma coisa diferente para vocês [portugueses]”, reconhece o jovem de 32 anos.
Kushal é a ponte de comunicação de Niruta com os outros em Portugal, já que a jovem de 24 anos não fala português e muito pouco de inglês. Uma dificuldade que leva a que muito vezes vá ao médico com a bebé e fique “stressada” por não entender. “Havia momentos em que não podia ir com ela” por causa do trabalho, explica o companheiro.
Apesar de se sentirem bem em Portugal, ambos reconhecem que a compreensão nem sempre foi total em alguns serviços durante a gestação de Niruta. “Às vezes quando se fala inglês, dizem que temos de falar português.”, diz Kushal, que chegou a Portugal sem dizer uma palavra em língua portuguesa.
Ser pai e mãe num momento de pandemia trouxe receios, especialmente o medo de que a recém-nascida ficasse infetada. “Desde que soube que ela estava grávida, queria trazer a mãe dela para Portugal”, acrescenta. O processo para autorização do visto ainda decorre. Kushal sabe que a presença da sogra acalmaria a companheira e os ajudaria na nova fase.
Na família, apenas Niruta não tem a nacionalidade portuguesa. O casal quer que a pequena Sayani conheça o Nepal. Contudo, têm a consciência de que a filha será mais de si própria do que de uma cultura. “Eu quero que ela seja livre. Pode fazer o que quiser. Se tiver alguma dificuldade, tem sempre o pai e a mãe do lado dela”, afirmam.