Nunca se celebraram tantos contratos de arrendamento em Portugal

Rafaela Burd Relvas, in Público online

Aumento drástico do peso dos estrangeiros no mercado nacional e maior dificuldade na aquisição de habitação levaram a um número recorde de novos contratos de arrendamento em 2022.

Os valores das rendas continuam a aumentar a ritmo acelerado e a atingir os níveis mais elevados de sempre, mas o mercado não dá sinais de abrandamento. Pelo contrário: em 2022, foram celebrados mais de 90 mil novos contratos de arrendamento habitacional, o maior número de que há registo, num ano em que os estrangeiros aumentaram de forma drástica o seu peso no mercado de arrendamento nacional e em que mais famílias foram empurradas para esta solução habitacional, por não conseguirem suportar os custos de compra de uma casa.

Os dados, divulgados na quarta-feira, são do Instituto Nacional de Estatística (INE) e ilustram uma tendência que há vários anos se prolonga sem interrupção. No quarto trimestre de 2022, o valor mediano das rendas de novos contratos de arrendamento de alojamentos familiares em Portugal voltou a crescer a ritmo acelerado e fixou-se em 6,91 euros por metro quadrado, o preço mais elevado desde que esta série estatística foi iniciada, em 2017, e um aumento de 10,6% face a igual período do ano anterior.

Com esta evolução no último trimestre do ano, o valor mediano das rendas acabou por se fixar em 6,52 euros por metro quadrado no conjunto de 2022, um valor ligeiramente mais baixo mas que, ainda assim, continua a ser o mais elevado de que há registo e representa uma subida de quase 8% face ao ano anterior.

Entre os factores que têm contribuído para este aumento das rendas – que, pelo menos desde 2017, quando o INE começou a recolher dados sobre rendas, tem sido sempre constante – está o contínuo crescimento de uma procura para a qual continua a não haver oferta disponível suficiente. Isso mesmo, aliás, ilustram os números relativos à celebração de contratos: apesar de um abrandamento no último trimestre do ano, em que o número de novos contratos caiu, no conjunto de 2022 foram celebrados 92.664 novos contratos de arrendamento de alojamentos familiares, um aumento superior a 6% em relação ao ano anterior e o número mais elevado já registado. É, também, a primeira vez que são celebrados mais de 90 mil contratos de arrendamento num só ano.
Subida de 15% em Lisboa

Este crescimento é comum à generalidade do país e acontece mesmo nas maiores cidades, ainda que de forma bem menos expressiva. Só no município de Lisboa, que concentra mais de 10% do total de novos contratos em todo o país, foram celebrados 9956 contratos de arrendamento habitacional em 2022, um aumento de 4,3% face a 2021. Isto num ano em que a renda mediana na capital aumentou quase 15% e atingiu os 12,88 euros por metro quadrado, o valor mais elevado de todo o país.

No Porto, o crescimento foi menos significativo, mas, ainda assim, existiu: em 2022, celebraram-se 4575 novos contratos de arrendamento neste município, um aumento de cerca de 1% em relação a 2021, num ano em que a renda mediana nesta cidade cresceu quase 13% e chegou aos 9,98 euros por metro quadrado. Este foi o maior aumento anual de rendas já registado no Porto, pelo menos desde 2017.

Dois grandes factores ajudam a explicar este comportamento. Por um lado, com o aumento das taxas de juro e a subida dos preços das casas, o custo de aquisição de uma habitação também começa a tornar-se incomportável para uma fatia significativa da população, empurrando mais famílias para o arrendamento.

"Os próprios preços de venda também subiram e, com as dificuldades acrescidas na obtenção de crédito à habitação, algumas famílias, sobretudo as que procuram a primeira casa, vêem no arrendamento uma solução temporária até terem meios de adquirir uma", explica Beatriz Rubio, presidente da Remax Portugal, a maior imobiliária a operar no país.

Por outro, são cada vez mais os estrangeiros com maior poder de compra do que os nacionais a escolherem Portugal para viver, colocando ainda mais pressão sobre um mercado já de si com pouca oferta disponível. "Portugal registou um significativo aumento do número de trabalhadores remotos e nómadas digitais que vieram engrossar a procura", resume a mesma responsável. Por fim, conclui, o Estado estará a aumentar o controlo sobre a celebração de novos contratos, pelo que, "tendencialmente, serão cada vez menos os que escapam à comunicação às Finanças".

Quanto à maior presença de estrangeiros no mercado de arrendamento português, não há dados oficiais que confirmem esta percepção, mas os dados de mercado evidenciam este fenómeno de forma clara. Em 2022, os estrangeiros representaram mais de metade (53%) dos contratos de arrendamento habitacionais celebrados através da Remax, uma proporção que supera, em muito, aquela que tinha sido registada entre os anos de 2019 e 2021, quando os estrangeiros responderam por 33% a 37% dos novos contratos celebrados através desta imobiliária.

E o mesmo poderá continuar a acontecer este ano. "Nestes primeiros meses de 2023, temos notado valores similares aos de 2022", diz Beatriz Rubio, ressalvando que "ainda é cedo para aferir a evolução neste ano".
Governo responde à crise

É perante este mercado com os valores mais inflacionados de sempre, tanto no que diz respeito às rendas como em relação aos valores de venda, que o Governo se prepara para tentar reequilibrar o mercado com uma série de medidas que visam aumentar a oferta e controlar os preços das rendas.

Esta quinta-feira, a versão final das medidas do pacote "Mais Habitação", cuja consulta pública foi prolongada até ao final da semana passada, deverá ser aprovada em Conselho de Ministros. Entre elas, estão, por exemplo, a criação de um novo regime de arrendamento forçado de casas devolutas, bem como a imposição de restrições ao alojamento local, a implementação de incentivos fiscais para que mais casas sejam colocadas no mercado de arrendamento ou limites às rendas praticadas em novos contratos de arrendamento.

No âmbito da consulta pública a este programa, foram enviados mais de 2700 contributos, que o Governo já garantiu estar a avaliar e que poderão levar a algumas alterações às medidas inicialmente propostas. Seja como for, o executivo de António Costa tem sido claro em assegurar que mesmo as medidas mais polémicas, como o arrendamento forçado ou as que são dirigidas ao sector do alojamento local, não irão cair.