29.3.23

Metade dos profissionais admite que teletrabalho limita a progressão e é entrave ao reconhecimento do desempenho

Cátia Mateus, in Expresso 

Impactos negativos na progressão profissional, mecanismos de controlo de assiduidade que violam o regime de proteção de dados e ausência de comparticipação de despesas são alguns dos problemas identificados num estudo sobre os desafios do teletrabalho, coordenado pelo ex-ministro, Paulo Pedroso

Há vantagens, mas também muita incerteza quanto aos impactos negativos do teletrabalho na carreira dos profissionais em Portugal. Metade (50%) dos trabalhadores considera que o trabalho remoto prejudica o reconhecimento do seu desempenho e o acesso a oportunidades de carreira ou promoção, enquanto 48% admite que não estar no escritório limita o seu desenvolvimento profissional.
As conclusões resultam do "Estudo sobre o teletrabalho e os seus desafios na nova conjuntura", coordenado pelo professor do ISCTE-IUL e antigo ministro socialista, Paulo Pedroso, a pedido da UGT e está, na tarde desta terça-feira, a ser apresentado na sede da intersindical.

A grande maioria dos trabalhadores inquiridos (53,8%) avalia a sua experiência no regime de teletrabalho como positiva, chegando um quarto dos profissionais (28,7%) a considerá-la mesmo muito positiva. Os dados do estudo, a que o Expresso teve acesso, mostram que no final do ano passado, já fora do regime de teletrabalho obrigatório que vigorou nos momentos mais críticos da pandemia, a proporção da população empregada no país que se encontrava em trabalho remoto foi de 17%, valor que compara com 19,6% registados no segundo trimestre de 2022 e com os 23,1% alcançados no segundo trimestre de 2020. O estudo sinaliza que “da população inquirida que exerce ou já exerceu uma profissão, 15% trabalha ou já trabalhou alguma vez em teletrabalho”.

A radiografia ao perfil do trabalhador remoto português mostra que a esmagadora maioria (cerca de 70%) tem menos de 45 anos e mais de 50% tem o ensino superior. “A experiência de teletrabalho é maior entre os mais jovens e os que têm maiores níveis de habilitações académicas, não se evidenciando diferenças significativas em termos de género”, destaca o relatório. Mais, à medida que aumenta a idade diminui, progressivamente, a experiência de teletrabalho e, à medida que aumenta o nível de ensino, aumenta a experiência de teletrabalho. Um fenómeno que está em linha com as tendências internacionais já que “o perfil do teletrabalhador nas economias avançadas assenta em funcionários altamente qualificados e bem pagos, experientes, autónomos, trabalhando em ocupações de nível superior”, explica o coordenador.

METADE DOS TRABALHADORES IMPEDIDOS DE TRABALHAR REMOTAMENTE

A percentagem de profissionais em trabalhadores é mais significativa nas profissões técnicas, científicas e artísticas, nos quadros superiores e profissões liberais, seguindo-se os quadros médios e empregados de escritório. Em sentido contrário, o teletrabalho é quase inexistente entre os trabalhadores com tarefas de execução.

Mas pese embora esta avaliação positiva, os resultados do inquérito deixam claro que há problemas e desafios a ultrapassar. Tanto mais que só 3,4% dos trabalhadores inquiridos admite preferir estar em teletrabalho permanentemente. 74,1% prefere o regime presencial e 22,4% o regime híbrido. Entre os fatores que podem ajudar a justificar estes números está, desde logo, a convicção de que o regime remoto tem um impacto negativo na carreira e no potencial de progressão dos trabalhadores. Mas não só.

“Se o teletrabalho melhora o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, reduzindo o tempo de deslocações e proporcionando mais tempo para a família, também promove uma indefinição das fronteiras, mais conflitos entre vida profissional e pessoal e aumenta o número de horas de trabalho, reduzindo o tempo para a família”, conclui o estudo. A maioria dos profissionais inquiridos concorda que o teletrabalho origina uma disponibilidade excessiva e dificulta a sua capacidade para desligar do trabalho.

Paralelamente, a maioria dos profissionais (50%) admite que o teletrabalho é um entrave ao reconhecimento do desempenho e dificulta a identificação de oportunidades de progressão. Já 48% admitem que limita o desenvolvimento profissional e 35% acreditam que tem também um impacto negativo a nível salarial.

VIGILÂNCIA E CONTROLO TAMBÉM PREOCUPAM

A par com os impactos diretos na carreira, os profissionais inquiridos neste estudo sinalizam também preocupações ao nível da privacidade de quem está em teletrabalho. Quase metade (49,3%) dos profissionais remotos dizem-se alvo de mecanismos de controlo de assiduidade e horário do teletrabalho que violam as regras definidas pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).

Ainda que as práticas mais frequentes - envio de emails ou SMS regulares (71%) e o recurso a software específico de entrada, saída e pausas realizadas ao longo do dia (38%) - não colidam com as diretrizes da CNPD, é significativa a percentagem de inquiridos que reportam casos em que lhes foi pedido que mantivessem a câmara de vídeo ligada em permanência (21%) ou em que o empregador recorreu a software de captura de imagem do ambiente de trabalho (19%).

"O aumento extraordinário do recurso ao teletrabalho, num contexto de imposição" pandémica "e a falta de preparação das entidades empregadoras, a par da ausência de exemplos de soluções que possam ser empregues, são fatores que poderão explicar o nível de respostas dos inquiridos que referem o recurso a estes dispositivos", conclui o relatório. "Independentemente dos fatores explicativos, dada a não admissibilidade destes dispositivos e os riscos acrescidos da não proteção dos dados pessoais dos trabalhadores e de violação da sua privacidade, fica evidente a necessidade de maior clarificação e acompanhamento dos procedimentos de vigilância/controlo do tempo de trabalho, quer no sentido de salvaguardar os direitos dos trabalhadores, quer no sentido de se possibilitar continuar a assegurar o acompanhamento e monitorização dos tempos de trabalho", vinca.

Segundo o inquérito a visão mais conservadora que continua a caracterizar as lideranças portuguesas face ao teletrabalho levou a que, mesmo durante a pandemia, mais de metade (55,6%) dos profissionais com habilitações superiores, a realizar tarefas intelectuais, tenham sido impedidos pelo empregador de ficar em trabalho remoto, sendo-lhe imposto o regime presencial. Assim, nota o relatório, “mesmo no contexto da pandemia e da imposição do teletrabalho, o teletrabalho permaneceu abaixo do seu potencial”.

Na condução deste estudo foram inquiridos presencialmente 1007 indivíduos, com idades entre os 18 e os 66 anos, residentes em Portugal Continental, entre os dias 23 de Agosto e 11 de Setembro de 2022 pela GfK.