29.3.23

Com o IVA zero, vamos mesmo ter comida mais barata? Cinco perguntas e respostas

Vítor Andrade, in Expresso

Com a redução temporária do IVA para zero sobre 44 produtos alimentares considerados básicos, vamos sentir um pequeno alívio. Mas o preço final depende de uma série de fatores não controláveis

Em alguns produtos, por meia dúzia de meses e se ninguém faltar à palavra (entre o Governo, a CAP - Confederação dos Agricultores de Portugal e a APED - Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição), os portugueses vão poder poupar perto de seis euros em cada 100 euros de compras. O problema é que basta uma pequena oscilação nos custos dos fatores de produção, ou simplesmente nos encargos com a energia, ou ainda mais um ano de seca, para que tudo volte à estaca zero. Ou seja, para que nem o IVA a zero sirva para podermos poupar.

OS ALIMENTOS VÃO MESMO FICAR MAIS BARATOS?

No imediato, e a acreditar no ato de “boa fé” dos intervenientes que na passada segunda-feira assinaram o acordo para o IVA zero sobre um cabaz de 44 alimentos considerados básicos, sim. Embora em alguns produtos possamos estar a falar de uma poupança de apenas alguns cêntimos. Aliás, como a redução do IVA irá incidir apenas sobre alimentos em que o imposto é de 6%, isso significa que, numa ida às compras no valor atual de 100 euros, a poupança, após entrar em vigor o novo IVA, será próxima dos 6 euros (mais precisamente, 5,66 euros) – isto se não sairmos daquele pacote de 44 produtos que resultam do acordo entre o Governo, a CAP e a APED.

DURANTE OS SEIS MESES DE DURAÇÃO DESTE ACORDO, OS PREÇOS PODERÃO OSCILAR?

Sim. É certo e seguro. Basta que os custos dos fatores de produção também variem – para cima ou para baixo – para que isso se reflita na nossa carteira. Em contexto de guerra na Europa, é impossível prever qual será, por exemplo, a evolução dos custos energéticos ou, por outro lado, do nível de encargos com toda a logística envolvida desde a produção ao transporte e distribuição de alimentos. Sendo certo, ainda, que a Ucrânia continua a ser um dos principais produtores de alimentos – nomeadamente cereais – da Europa e um dos mais importantes a nível mundial.

A LONGO PRAZO, VAMOS TODOS PAGAR MAIS PELA COMIDA?

É praticamente garantido. Desde logo, porque ainda ninguém sabe ao certo até onde irá o cenário de inflação alta em que agora vivemos à escala global. Em segundo lugar, porque, à escala global, vamos ter cada vez mais gente nas cidades e menos gente nos campos. Ou seja, cada vez mais gente a comer (mais e, tendencialmente, melhor) e cada vez menos pessoas a produzir.

Por outro lado ainda, teremos a comida mais cara porque as alterações climáticas vão continuar a entregar instabilidade permanente a quem produz alimentos, o que pode resultar cada vez com mais frequência em perdas totais ou parciais de colheitas, em mais pragas e doenças e, pior que tudo, em secas prolongadas ou em chuvas e frio fora do tempo. Tudo junto, resulta num cocktail de incerteza permanente, em que a palavra de ordem será, cada vez mais, a ‘volatilidade’ e, consequentemente, a imprevisibilidade de colheitas e de preços.

MESMO COM A EVOLUÇÃO DAS TÉCNICAS AGRÍCOLAS NÃO SERÁ POSSÍVEL PRODUZIR MAIS E MAIS BARATO?

Admitindo que, de um dia para o outro, a Comissão Europeia autorizasse a utilização em massa de culturas de plantas geneticamente modificadas, mais robustas e mais produtivas – cenário muitíssimo pouco provável, até pela pressão crescente das organizações ambientalistas -, não seria de imediato que os efeitos da quantidade iriam pesar no prato da balança dos custos dos alimentos. É que mesmo que a tecnologia evoluísse no sentido da modificação genética em grandes culturas, essa inovação também tem o seu custo e levaria algum tempo até se diluir de forma a embaratecer todo o processo produtivo. Quando muito, poderia era daí resultar uma gama de alimentos mais resistentes ao stresse hídrico ou ao excesso de calor, mas as necessidades de importações de quantidades suficientes para toda a população europeia iriam manter-se, com todos os custos logísticos associados.

A APOSTA NA AGRICULTURA BIOLÓGICA PODE SER UMA ALTERNATIVA?

Continua a ser uma alternativa. Mas é uma espécie de nicho (em Portugal representa pouco mais de 8% da superfície agrícola utilizada, na União Europeia cerca de 9%), com preços tendencialmente mais altos que os da agricultura não biológica. É verdade que até meados do século passado era a base de sustentação de muitas famílias que não tinham acesso ao supermercado, sobretudo das zonas mais rurais do país, mas o recurso crescente a fertilizantes, pesticidas e demais produtos fitofármacos (fungicidas, herbicidas e inseticidas), acabou por se difundir e revelar-se como uma forma mais rápida e eficaz para obter colheitas abundantes.

É que, a agricultura biológica, embora esteja livre de químicos, é muito menos produtiva que a ‘convencional’, pois está mais exposta a pragas e doenças. E como as produções são em baixa escala, os alimentos acabam por chegar mais caros às prateleiras dos supermercados, o que os torna menos acessíveis para a maioria dos consumidores.

Atualmente, a União Europeia quer voltar a apostar mais na agricultura orgânica, como ficou bem patente na nova Política Agrícola Comum; mas acabou de ficar demonstrado – pela guerra – que, perante escassez de matérias-primas básicas, as preocupações ambientais são subtil e inevitavelmente postas de lado, porque o que interessa verdadeiramente é não deixar faltar comida na mesa das famílias europeias, custe o que custar.