27.3.23

Lucros excessivos, margens brutas, líquidas ou ilegítimas? Saiba o que se passa com o preço dos alimentos

Margarida Cardoso e Vítor Andrade, in Expresso

A polémica estalou quando a ASAE denunciou margens brutas entre 40% e 50% em produtos alimentares básicos nos supermercados. No conjunto do negócio as empresas de distribuição dizem que as margens são de 3% a 4%

O tema do preço dos alimentos continua envolto em polémica e o assunto promete estar para durar. Os preços dos alimentos estão elevados e basta uma ida ao supermercado para nos apercebermos da tendência de subida. O problema é que ninguém consegue explicar em concreto onde é que se dá o maior ‘salto’ nos custos dos produtos. A única certeza é que a guerra na Ucrânia, os aumentos dos preços dos combustíveis e da energia em geral, assim como o encarecimento dos fertilizantes e da própria mão-de-obra não ajudaram, antes pelo contrário. E há ainda outro fator a ter em conta: o mau ano agrícola em 2022.

Esta quarta-feira o Governo prometeu que irá “continuar a promover a convergência entre os vários agentes da cadeia alimentar”, tendo o primeiro-ministro, António Costa, afirmado na Assembleia da República que o seu executivo admite trabalhar numa redução do IVA que garanta uma redução efetiva dos preços dos bens alimentares. Ao fim do dia, a confederações dos agricultores comentou que “descer o IVA é possível e desejável”, enquanto a Jerónimo Martins reportou ao mercado uma subida de 27,5% do seu lucro anual. Deixamos-lhe oito perguntas e respostas sobre o tema das margens dos produtos alimentares.

HÁ OU NÃO HÁ MARGENS DE LUCRO EXCESSIVAS PRATICADAS PELAS GRANDES SUPERFÍCIES COMERCIAIS?

Ainda não sabemos. O que se sabe, para já, é que a ASAE alertou para a existência de margens brutas de 52% na cebola, 48% na laranja, 45% na cenoura e nas febras de porco ou 43% nos ovos. De referir que a definição de ‘lucro excessivo’ não é consensual e, na base do conceito, está uma lei do Estado Novo, revogada em 1984 e que fixava a margem líquida no comércio em 15%. Há dois anos, quando foi criada legislação específica para as marcas, foi precisamente este o critério. Já em dezembro do ano passado o Parlamento aprovou uma taxa extraordinária a aplicar aos lucros excessivos das empresas dos setores energético e da distribuição alimentar, relativos aos anos de 2022 e 2023. Para efeitos de aplicação desta taxa considerou-se que constituem lucros excedentários a parte dos lucros tributáveis, relativamente a cada um dos períodos de tributação, que excedam o correspondente a 20% de aumento em relação à média dos lucros tributáveis nos quatro períodos de tributação com início nos anos de 2018 a 2021. Assim, na parte em que excedam em 20% a média dos lucros tributáveis, as empresas serão chamadas a pagar uma taxa de 33%.

AS MARGENS BRUTAS, CONSIDERADAS ‘ESPECULATIVAS’, CORRESPONDEM A QUE MARGENS LÍQUIDAS EM CADA CATEGORIA DE PRODUTOS?

O que a ASAE diz é que o apuramento das margens líquidas é um processo demorado no tempo, pois implica a inclusão, na equação, de todas as despesas e impostos pagos pelo operador económico. A totalidade dessas despesas e impostos não se apura facilmente numa determinada “fatia” de tempo. Por isso, a equação mais objetiva e temporalmente mais viável que a ASAE tem usado para um diagnóstico rápido é o calculo das margens brutas, pois os elementos são mais fáceis de obter, como é o caso do preço de venda ao público e o custo de aquisição de um dado bem.

Aliás, e ainda segundo a ASAE, a atual legislação fala em “lucro ilegítimo”, não necessariamente em margens líquidas, ainda que normalmente associadas às mesmas, mas em que as margens brutas podem constituir uma fonte objetiva e robusta para atingir tal fim, designadamente quando se situam acima de 40% num determinado produto.

ESSAS MARGENS FORAM IDENTIFICADAS QUANDO E ESTÃO ACIMA OU ABAIXO DO QUE É COMUM NO SECTOR DA DISTRIBUIÇÃO?

As margens apuradas reportam, de acordo com a ASAE, ao ano de 2022. Segundo a mesma entidade trabalhou-se sobretudo com os meses de janeiro e dezembro de 2022. Naturalmente que terá de ser analisada a “prática habitual de comércio do setor”, logo uma avaliação comparada de margens de lucro, mas sem esquecer o circunstancialismo externo à situação. Isto é, uma conjuntura de guerra ou crise económica obviamente impõe uma avaliação específica sobre o contexto envolvente, onde se terá de ter presente, por exemplo, o tipo de negócio, o tipo de produto, a concorrência e a oportunidade de mercado, entre outros.

O QUE É QUE SE ESTÁ A FAZER NOUTROS PAÍSES PARA COMBATER A INFLAÇÃO DE PREÇOS NOS BENS ALIMENTARES?

O Governo espanhol anunciou, no final de dezembro do ano passado, a isenção do IVA aplicado nos alimentos básicos como pão, leite, ovos, fruta, legumes e cereais, a par da redução de 10% para 5% noutros alimentos como azeite, massa e óleo. A medida pretendia reduzir os preços dos alimentos sob pressão da inflação, mas foi engolida pela subida dos preços na origem, não tendo tido reflexos visíveis na fatura dos consumidores. O Governo também entregou um cheque de 200 euros às famílias mais vulneráveis. Em França, o governo fez um acordo com as principais empresas de distribuição para limitar o preço de vários produtos durante um “trimestre anti-inflação” mas o cabaz é escolhido pelas próprias empresas.

NO CASO PORTUGUÊS, QUAL SERÁ O PASSO SEGUINTE A DAR PELA ASAE, AGORA QUE IDENTIFICOU OS PREÇOS ESPECULATIVOS?

ASAE explica que selecionará os bens que na primeira fase do estudo apresentaram margens brutas mais elevadas e estudá-los-á em detalhe, para depois concluir se existem indícios juridicamente relevantes para propor procedimento criminal ao Ministério Público.

QUE TIPO DE MARGENS SÃO HABITUAIS NO NEGÓCIO DA GRANDE DISTRIBUIÇÃO?

No negócio da distribuição alimentar, a margem habitualmente referida pelo sector, ronda os 3% a 4%, o que combina margens elevadas em alguns produtos e margens quase nulas noutros, como o leite. E nas marcas da própria distribuição, por regra, as margens são sempre as mais baixas e por isso menos rentáveis, sendo compensadas depois noutros produtos, o que penaliza facilmente os frescos, onde a marca branca é praticamente inexistente

O QUE É QUE PODE ACONTECER SE OS PREÇOS FOREM TABELADOS ADMINISTRATIVAMENTE?

A distribuição em Portugal e Espanha tem reagido negativamente a essa possibilidade, avançando o cenário de prateleiras vazias e perda de qualidade dos produtos. A verdade é que num mercado aberto, com a procura do norte da Europa a deslocar-se para sul seja pela guerra na Ucrânia, más colheitas ou até a gripe aviária, a produção tende a vender à melhor oferta. E em tudo isto continuará a pesar a escassez ou não de produtos, decorrentes das variações nas colheitas.

A CRIAÇÃO DE UM SELO PARA PRODUTOS DE PREÇO JUSTO É A SOLUÇÃO?
O Ministério da Agricultura anunciou a criação de um símbolo que ateste que os produtos alimentares chegam aos consumidores com um preço justo, refletido em todas as etapas da cadeia nacional, uma medida inserida na iniciativa do Observatório de Preços, tutelado pelo Ministério, que avalia a transparência em toda a cadeia de valor no setor agroalimentar, levanta no entanto, algumas questões. designadamente a nível operacional, desde logo porque o sortido de um supermercado passa facilmente os 30 mil produtos e mesmo que o selo seja limitado a um cabaz, como será operacionalizado, qual a metodologia a usar e quando poderá efetivamente ser aplicado?