27.3.23

Como mudou o consumo das famílias portuguesas nas últimas três décadas?

Sónia M. Lourenço e Carlos Esteves, in Expresso

No dia mundial do consumidor, o Expresso traça um retrato da evolução do consumo das famílias em Portugal, que atingiu um novo recorde em 2022, quase 47% acima, em termos reais, do registado em 1995

Se comparamos o consumo das famílias portuguesas no ano passado - quando atingiu um novo recorde histórico -, com o registado em 1995, no início da série de dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), chegamos a um aumento de quase 47% em termos reais. Essa é uma das conclusões da análise do Expresso aos dados do INE - a par da queda da taxa de poupança das famílias -, procurando traçar um retrato de como mudou o consumo das famílias no país nas últimas três décadas.

Em 2022, o consumo de bens correntes e serviços alcançou um novo máximo, mas o de bens duradouros está ainda abaixo do pico do ano 2000, enquanto o de bens alimentares caiu pela primeira vez desde o período em que Portugal esteve sob assistência da troika.

Desagregando o consumo das famílias pelas suas principais componentes, os bens alimentares são uma variável-chave. Não representam a maior fatia - valiam 18,7% do total no ano passado - mas estamos a falar, em regra, de bens essenciais.

E o que nos dizem os dados do INE? Em 2022, o consumo das famílias em bens alimentares caiu em termos reais pela primeira vez em dez anos. Desde 2012 - nos tempos difíceis do consulado da troika em Portugal - que não se registava uma contração dessa rubrica de consumo.

Em toda a série de dados do INE - que começa em meados dos anos 90 do século passado - só por duas vezes se tinha registado uma queda anual antes de 2022: os anos 2012 e 2011, ambos durante o resgate internacional a Portugal. Acresce que a queda em 2022 - um recuo de 2,3% - foi a mais marcada das três.

Nesta evolução pesa a escalada dos preços no ano passado. A inflação em Portugal atingiu uma média anual de 7,8% em 2022, e a subida de preços nos bens alimentares foi ainda mais marcada, nos 13% (produtos alimentares e bebidas não alcoólicas).

Como resultado, muitas famílias, sobretudo as de menores rendimentos, viram-se obrigadas a cortar no consumo. Mesmo em bens essenciais, como os alimentos

Há ainda outro fator a ter em conta. A queda do consumo de bens alimentares em 2022 em volume foi influenciada pelo efeito de base. É que em 2021 este tipo de consumo tinha atingido um nível recorde, muito por causa da pandemia de covid-19: com as famílias fechadas em casa, o consumo de bens alimentares aumentou, já que as refeições passaram a ser, em regra, efetuadas no domicílio.

Tudo somado, o consumo de bens alimentares pelas famílias situou-se, em termos reais, nos 24,6 mil milhões de euros em 2022. São menos 2,3% do que em 2021, mas quase 50% acima de 1995.

CONSUMO DE BENS DURADOUROS 7% ABAIXO DO ANO 2000

A queda no consumo de bens alimentares em termos reais em 2022 não se estendeu às duas outras classes de consumo apuradas pelo INE. Ainda assim, a situação no que toca aos bens duradouros - aumentou mas permanece abaixo do pico do ano 2000 - é diferente dos bens alimentares e serviços, onde se registou um novo máximo histórico.

Comecemos pelos bens duradouros. Em causa está a despesa das famílias em bens como automóveis, mobília, eletrodomésticos, telemóveis e computadores, que é, portanto, mais afetada - seja pela positiva ou pela negativa - pela conjuntura económica.

Ora, no ano passado, a economia portuguesa cresceu 6,7% em termos reais - o ritmo mais elevado desde 1987, depois do trambolhão de 2020 por causa da pandemia e da recuperação parcial de 2021 -, com a taxa de desemprego a recuar para 6%.

Foi neste contexto que o consumo de bens duradouros aumentou 11,6% em volume, para 12,3 mil milhões de euros. É o nível mais elevado desde 2019, antes da crise pandémica.

Apesar deste incremento, o consumo das famílias em bens duradouros ficou, em termos reais, quase 7% abaixo do pico registado em 2000, ano em que a economia portuguesa cresceu perto de 4% e o desemprego estava abaixo dos 5%.

Já comparando com o início da série de dados do INE, em 1995, o consumo de bens duradouros no ano passado foi 40% superior em termos reais.

Olhando agora para o consumo de bens correntes não alimentares (como vestuário, calçado, eletricidade, gás, livros e jornais, entre outros) e serviços (como rendas de casa, serviços de saúde, serviços de transportes, telecomunicações, lazer e cultura, férias organizadas, educação, restaurantes e hotéis, seguros, e serviços financeiros), verificou-se um aumento de 7,4% em 2022, em termos reais, ultrapassando os 95 mil milhões de euros.

Este valor traduz um incremento de 47%, em termos reais, face a 1995, e é um novo máximo de toda a série de dados do INE relativos a esta classe de consumo, que representou, no ano passado, 72% do consumo total das famílias.

Tudo somado, o consumo total das famílias em Portugal no ano passado aumentou 5,8% em volume, para 131,9 mil milhões de euros.

É um novo máximo histórico no país, ficando, em termos reais, cerca de 47% acima do patamar de 1995.

POUPANÇA DAS FAMÍLIAS CAI PARA MENOS DE METADE

O aumento do consumo das famílias nas últimas (quase) três décadas é indissociável do recuo dos níveis de poupança no país.

Em 1995, a taxa de poupança das famílias em Portugal situava-se nos 14,3%. Desde então, verificou-se uma clara tendência de descida, apenas interrompida pela pandemia de covid-19.

Em 2019, imediatamente antes da crise pandémica, esta taxa de poupança situava-se nos 7,2%. Em 2020 subiu para os 11,9%, mas voltou logo a descer em 2021, para os 9,8%. E continuou a descer em 2022.

O INE ainda não divulgou os dados relativos ao conjunto do ano passado. Os últimos disponíveis são relativos ao terceiro trimestre de 2022 (ano terminado nesse trimestre), e indicam um recuo da taxa de poupança para os 5,1%.