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28.12.20

O que esperar da solidariedade em 2021?

André Rito, in Expresso

Projetos Expresso. Comunidade. O ano que está a terminar representou um enorme desafio para a economia social e para as instituições do terceiro sector. Foi também um ano de gestos anónimos e silenciosos e de ajudas decisivas aos mais fragilizados

É Natal e o tempo é de balanços e perspetivas para 2021. Com o novo ano à porta, depois de quase 10 meses de pandemia e com um futuro incerto pela frente, as instituições de solidariedade social assumiram uma importância decisiva em Portugal. Foram, em grande parte, o pilar de muitas famílias vulneráveis, que se confrontaram com o desemprego, problemas de saúde, de pobreza e risco de exclusão social. Por isso a pergunta é legítima: qual é o futuro da solidariedade,

“Foi um ano muito difícil, que ainda não acabou. Tudo foi posto à prova, instituições, serviços públicos, pessoas, famílias, ciências, solidariedade, política”, começou por explicar o sociólogo António Barreto. Apesar de todas as dificuldades vividas em 2020 — com cada vez mais exemplos de pobreza agravada —, a solidariedade ficou patente nos bons exemplos de pessoas e instituições que se dedicaram a apoiar quem mais precisava. “Foi esta mistura que nos deu uma enorme riqueza para o futuro.”

A relevância da economia social e solidária já se mostrara evidente antes da pandemia. Mas num ano tão exigente como 2020, as próprias instituições viram a sua atividade ameaçada ou limitada pela crise sanitária. Um estudo desenvolvido pelos Institutos Politécnicos de Setúbal e de Portalegre alertava, no final de julho, para o risco de encerramento de uma em cada cinco instituições de solidariedade social. A redução da sua capacidade de intervenção e das próprias receitas implicou uma maior ginástica financeira — para pagar salários, por exemplo — por parte de instituições, que já viviam de orçamentos apertados.

Num contexto difícil, o futuro será feito de mudanças, embora igualmente exigente, até porque a pandemia ainda não tem um fim inequívoco à vista. “Abriu-se a discussão, que consiste em saber como é que nós vamos reagir, se vai haver muitas mudanças importantes na sociedade, no Estado, na Administração Pública”, disse António Barreto, que não acredita em grandes alterações a curto prazo. “O grande sofrimento das pessoas é querer sobreviver, reorganizar-se, recuperar meios, saúde, reencontrar as suas vidas.” É possível, conclui o sociólogo, que “com as novas experiências que foram tentadas nas escolas, nas empresas, gradualmente possa haver mudanças importantes”.

País solidário

De acordo com um inquérito do Instituto Nacional de Estatística (INE), revelado no ano passado, Portugal apresentava perto de 700 mil voluntários, que realizavam trabalho social e solidário. A taxa de voluntariado, em 2018, rondava os 7,8%. O Inquérito ao Trabalho Voluntário mostrava ainda que o nosso país estava posicionado abaixo da média da UE (19,3%) — apenas a Roménia (3,2%) e a Bulgária (5,2%) registavam taxas de participação mais baixas, por oposição ao Norte da Europa, em países como a Holanda (40,2%) e a Dinamarca (38,1%).

O desempenho de Portugal, clarificaram então os peritos do INE, explicava-se, em parte, pela cultura de participação em atividades de trabalho voluntário organizadas coletivamente e pelas suas condições socioeconómicas. Mas os números nem sempre traduziram a realidade de um trabalho tantas vezes feito de forma informal, através de apoio a familiares, vizinhos, pouco mensurável mas com um peso importante na solidariedade. Foi, aliás, este tipo de apoios que ganhou dimensão com a pandemia, multiplicando-se as iniciativas de bairro de apoio aos idosos e famílias carenciadas.

Focando os números, os últimos dados do INE revelam que em Portugal existem mais de 71 mil entidades ligadas à economia social — que representam 3,0% do valor acrescentado bruto nacional — com quadros técnicos, psicólogos, especialistas, mas sobretudo voluntários. E é a estes que, defendeu António Tavares, provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, devem ser dadas condições. “Em Portugal, os nossos voluntários, jovens e mais velhos, não são compensados. O Estado nem um papel lhes dá a dizer que prestaram um serviço à comunidade, esse reconhecimento não existe. São as próprias instituições a pagar o seguro desse trabalho. Noutros países existem benefícios, como a isenção do serviço militar ou créditos na universidade.”

Com uma pandemia a afetar sobretudo os mais vulneráveis, os idosos, as crianças, o risco de exclusão social aumenta exponencialmente. E é aqui que se encontra o foco para 2021. Artur Santos Silva, presidente honorário do BPI, cuja parceria com a Fundação “la Caixa” atribuiu, nos últimos 10 anos, mais de €15 milhões para a implementação de 508 projetos de inclusão social em Portugal, defende que o combate à pobreza é uma prioridade para o próximo ano. “Temos quase um em cada cinco portugueses a viver em situação de pobreza. Esse é o grande desafio do sector social.”

Poucas projeções poderão ditar com fiabilidade quais serão as consequências da pandemia. A este problema soma-se o envelhecimento progressivo da população. “Os seniores são outra área importante. Como se viu nesta pandemia, as pessoas mais atingidas foram as mais velhas, pouco enquadradas pelas famílias e amigos, em lares, com alguma assistência, mas em solidão. Portugal tem uma das populações mais envelhecidas da Europa, e precisamos de ajudar a resolver os problemas destas pessoas”, concluiu Santos Silva.
VALORES SOCIAIS

€38,5
milhões foi, segundo o Observatório de Doações Covid-19, o valor entregue por dezenas de empresas nacionais e estrangeiras durante a pandemia, para apoios financeiros, compra de ventiladores, ajuda a famílias carenciadas, entre outros

111
mil é o número de beneficiários da prestação social para a inclusão, da Segurança Social. As pensões por velhice ultrapassam os dois milhões de beneficiários

228
mil é o número de pessoas que em novembro passado se encontrava a receber prestações de desemprego
AS PRIORIDADES

Acesso

Saúde O acesso a serviços de saúde de qualidade para toda a população será um dos grandes desafios para 2021. No Interior, o problema ganha outros contornos devido ao encerramento de muitas das unidades de saúde familiar e de cuidados continuados, durante o tempo em que Portugal atravessou o período de resgate financeiro. É por isso que os especialistas defendem a urgência de criar redes de cuidados assistenciais no mundo rural

Educação

Crianças Com a quebra de rendimentos das famílias, uma crise pela frente e a incerteza do vírus, o risco de pobreza e exclusão infantil tornou-se mais evidente. Por outro lado, a telescola, o ensino remoto, e os novos modelos educativos representam um desafio enorme no que respeita à equidade no acesso aos materiais e tecnologia

Capacitar

Proteção social Pessoas portadoras de deficiência em Portugal são dos grupos mais vulneráveis à pobreza e exclusão social. Em 2017, o Governo criou a Prestação Social para a Inclusão no valor mensal de €136,7 (menores de 18 anos) e um máximo de €273,39 para os beneficiários com idade igual ou superior a 18 anos. Mas os especialistas dizem que as barreiras ainda são enormes

Textos originalmente publicados no Expresso de 24 de dezembro de 2020

22.12.20

Mulheres duplamente penalizadas com a crise

Francisco de Almeida Fernandes, in Expresso

Projetos Expresso. Igualdade. Entre os desempregados e os trabalhadores na linha da frente do combate à pandemia, elas são a maioria. “Nenhuma crise é neutra do ponto de vista do género”, alerta Sandra Ribeiro

A distância histórica encarregar-se-á da análise científica sobre o período que muitos qualificam como “sem precedentes”, mas não é preciso esperar pelo passar dos anos para confirmar os efeitos desiguais da crise pandémica. Do emprego à igualdade social, a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) não tem dúvidas de que as mulheres são o grupo mais afetado, ameaçando as conquistas das últimas décadas e o futuro da paridade. “Seria muito triste que todos os progressos que conseguimos fazer nos últimos anos tivessem agora um retrocesso”, diz Sandra Ribeiro. A nova presidente da CIG — que falava durante o evento anual do Programa Operacional Inclusão Social e Emprego (PO ISE), organizado em parceria com o Expresso — teme as consequências associadas ao desemprego no feminino, ao papel da mulher na família e à igualdade de oportunidades.

Os receios de Sandra Ribeiro são justificados com a análise aos números do mercado de trabalho em Portugal — em outubro, a taxa de desemprego nacional fixou-se em 7,5%, sendo que entre as mulheres foi de 7,8% e, nos homens, de 7,2%. A responsável explica a diferença com o impacto económico, que tem prejudicado sobretudo “sectores muito feminizados”, como o comércio ou o turismo. Por outro lado, defende, a “segregação profissional” que, historicamente, empurra os homens para as áreas das engenharias e as mulheres para as ciências sociais, e torna as trabalhadoras mais expostas aos riscos da pandemia. “São mais as mulheres em situação de risco de contágio da covid-19 e também quem está a trabalhar mais do que o normal”, afirma. É o caso das operacionais de lares e hospitais, por exemplo, que “depois chegam a casa e continuam a ter de fazer as tarefas domésticas”. O risco do aumento da desigualdade entre géneros é real e tem eco na Organização das Nações Unidas (ONU), que, em outubro e através de António Guterres, alertou que “a covid-19 pode eliminar uma geração de progresso”.

Formação contínua é a chave

Para o evitar, a presidente da CIG diz ser fundamental antecipar as repercussões da pandemia e atuar com eficácia para as minimizar, algo que pode ser feito com a ajuda do Fundo Social Europeu (FSE). “Em particular para a igualdade no mercado de trabalho, na educação e formação e no combate à violência doméstica, o FSE tem sido importantíssimo”, revela Sandra Ribeiro. O apoio financeiro da União Europeia ao PO ISE, no valor de €2,5 mil milhões desde 2014, permitiu ao país avançar não apenas neste campo. Domingos Lopes, responsável pelo programa, mostra-se orgulhoso do caminho percorrido e nos quase quatro mil projetos apoiados em quatro eixos prioritários — sustentabilidade e qualidade do emprego; emprego jovem; inclusão social, combate à pobreza e exclusão social; e garantia de assistência técnica.

O desafio atual, diz, é “manter o apoio aos grupos mais desfavorecidos, seja às minorias, aos migrantes ou nas questões de igualdade de género”, assim como aos mais novos, outro dos segmentos da sociedade especialmente afetados pela crise pandémica. Ana Coelho, vogal do Conselho de Administração do IEFP, revela que, entre pessoas com ensino secundário ou superior até aos 34 anos, “o aumento [do desemprego] rondou os 63%”. É, refere, um sinal “assustador”, porque “é sangue novo que tem de estar a operar na economia” para a recuperação pós-covid e que está, neste momento, afastado do mercado. Para Ana Mendes Godinho, o caminho para diminuir as desigualdades sociais deve passar pela aposta na formação, que considera “fundamental” na criação de oportunidades iguais para todos. “A pandemia mostrou o quanto temos de acelerar na reconversão das pessoas para aceder a um novo mercado de trabalho de revolução tecnológica”, defendeu a ministra do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social durante o evento do PO ISE. Ana Vieira, da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), concorda e defende que “ter um curso não basta, precisamos de ter qualificações e apostar muito naquilo que são as soft skills, mais orientadas para a criatividade e inovação”.

No campo da reconversão profissional, o FSE tem um papel essencial que se deverá manter no próximo quadro comunitário de apoio, entretanto aprovado pelos Estados-membros. O IEFP está a trabalhar para ajudar neste processo, permitindo que “jovens que estavam em sectores mais afetados pela crise possam ter competências para se inserirem noutros sectores”, explica Ana Coelho. A responsável admite, contudo, ser preciso adaptar mais rapidamente as formações disponíveis às exigências do mercado de trabalho. No entanto, aponta o investimento para a “formação em áreas emergentes como a economia do mar, economia verde e áreas sociais” como parte do caminho a seguir na preparação dos trabalhadores do futuro. “Apoios à qualificação e formação profissional terão de continuar a ser uma prioridade para recuperar o atraso histórico da qualificação da população ativa portuguesa”, remata Domingos Lopes.

POBREZA

25%
é a parcela das verbas do Fundo Social Europeu que terão de ser aplicadas no combate à pobreza no próximo quadro comunitário

500
mil pessoas deixaram de estar em risco de pobreza com as medidas financiadas pelo PO ISE. Meta inicial até 2023 previa a redução de 200 mil pessoas

1
milhão é o número de pessoas abrangidas por, pelo menos, uma medida de apoio do PO ISE desde o início do programa, em 2014
O QUE DIZEM

“Conseguimos reforçar a missão desempenhada pelo PO ISE enquanto instrumento fundamental nas políticas associadas ao emprego e à inclusão social”
Domingos Lopes
Presidente do Programa Operacional Inclusão Social e Emprego

“O desafio é aproveitar os recursos o melhor possível, aplicando nos instrumentos verdadeiramente transformadores: as qualificações, a formação, a capacidade de empregabilidade”
Ana Mendes Godinho
Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

“O Fundo Social Europeu tem sido fundamental para a igualdade de género”
Sandra Ribeiro
Presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género

Textos originalmente publicados no Expresso de 18 de dezembro de 2020

14.12.20

Aprendizagem ao longo da vida e requalificação são os desafios do futuro no trabalho

Francisco de Almeida Fernandes, in Expresso

Projetos Expresso. Formação no ensino superior não é, hoje, garantia de emprego e salário razoável. A reconversão de trabalhadores será essencial para fazer face aos desafios do presente e do futuro. Estas foram algumas das conclusões do debate “Emprego e inclusão social em contexto de covid-19”, organizado esta tarde pelo PO ISE em parceria com o Expresso

Desde 2014, o Programa Operacional Inclusão Social e Emprego (PO ISE) conseguiu apoiar, em articulação com instituições como o IEFP, mais de 900 mil pessoas. “Quer isto dizer que um em cada dez portugueses já foi apoiado por qualquer medida do PO ISE”, afirma Domingos Lopes, responsável pelo programa, que defende a manutenção da aposta na formação, no apoio à criação de emprego e no combate à exclusão social no próximo quadro comunitário. O PO ISE permitiu, explica, atingir alguns dos objetivos a que se propunha antes do prazo estipulado, em 2023, e contribuir para a redução do desemprego.

As conquistas conseguidas ao longo dos últimos seis anos não seriam, contudo, possíveis sem o financiamento do Fundo Social Europeu, mas estão hoje em risco pelo cenário económico e social negativo potenciado pela crise pandémica. Para a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, “estes fundos são cada vez mais determinantes no momento em que vivemos” para a “promoção da inclusão, da igualdade de oportunidades, do acesso ao mercado de trabalho e às qualificações”.

As vitórias do passado e as linhas orientadoras para a utilização do apoio comunitário foram temas centrais no debate “Emprego e inclusão social em contexto de covid-19”. A conversa, promovida esta quarta-feira pelo PO ISE em parceria com o Expresso, juntou à mesa Domingos Lopes (PO ISE), Ana Vieira (CCP), Ana Coelho (IEFP) e Sandra Ribeiro (CIG), contando com discurso de encerramento de Ana Mendes Godinho.

Conheça as principais conclusões:

Fundo Social Europeu (FSE) é um instrumento “poderoso”
Através do financiamento europeu, o PO ISE conseguiu atingir, em dezembro de 2019, metas definidas para 2023 – o aumento da taxa de emprego da população ativa para 75% e a redução, em mais de 500 mil, do número de pessoas em risco de pobreza.
“O FSE é um instrumento muito poderoso e importante para o IEFP, porque as políticas ativas do mercado de trabalho são muito dispendiosas”, explica Ana Coelho. A vogal do Conselho Executivo lembra o contributo do fundo à formação profissional, que permitiu baixar drasticamente as taxas de abandono escolar verificadas nos anos 90.
“O PO ISE tem sido fundamental para o incremento da igualdade de género e para trazer a matéria para a discussão pública”, aponta Sandra Ribeiro, sublinhando que ainda há um longo caminho a percorrer.

“Retrocesso” potenciado pela pandemia
Ana Vieira, da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, assume uma visão “muito pessimista” sobre a evolução da economia na reta final do ano e no primeiro semestre de 2021. “Estimamos que no setor do comércio poderão vir a fechar uma em cada cinco empresas”.
Em outubro, em comparação com o período homólogo de 2019, existiam 100 mil novos desempregados, número que Ana Vieira acredita vir a aumentar acima das previsões do Governo.
A representante da Comissão de Cidadania e Igualdade de Género considera que as mulheres têm sido mais afetadas pela crise pandémica do que os homens, em especial no desemprego e na acumulação de tarefas domésticas com o teletrabalho. “Seria muito triste que todos os progressos que conseguimos nos últimos anos tivessem um retrocesso”, lamenta Sandra Ribeiro.

Formação, reconversão e aprendizagem ao longo da vida
O FSE terá um papel que os especialistas consideram fundamental no apoio às medidas de formação profissional e reconversão que podem permitir minimizar os efeitos nefastos da pandemia no emprego e ajudar à reintegração de desempregados.
“A estratégia do FSE para o futuro já está definida: uma Europa mais digital, mais verde e mais inclusiva”, adianta Domingos Lopes, que pede maior rapidez de adaptação do país às exigências do mercado de trabalho.
Ana Vieira aponta que “ter um curso superior não basta, precisamos de ter qualificações e apostar muito nas soft skills orientadas para a criatividade e inovação”. A ação financiada pelo FSE nos próximos anos, defende, deve ter estas questões em conta nos projetos a desenvolver.

6.10.20

Este Portugal solidário que não sabe virar as costas

André Brito, in Expresso

Projetos Expresso. Ajudar. Durante o surto de covid-19, centenas de trabalhadores da economia social continuam a apoiar diariamente os mais vulneráveis na luta pelo básico: casa, emprego, alimentação e saúde

Alexandra Gomes já tinha trabalhado nalgumas prisões portuguesas. Formada em Criminologia, a sua tese de mestrado partiu quase integralmente de entrevistas a vários reclusos. Na Aproximar, Cooperativa de Solidariedade Social — onde é voluntária há dois anos —, está na linha da frente do projeto Passaporte para a Empregabilidade, cujo objetivo é apoiar a população prisional no regresso à vida em sociedade. “São pessoas que durante anos tiveram alguém para lhes dizer o que fazer, onde ir, a que horas, sem nenhum tipo de autogestão. Em liberdade, o mundo de possibilidades é tal que acabam por se perder.”

A mentora, assim se designa o seu título profissional, faz parte de uma das associações de solidariedade social vencedoras do Prémio BPI “La Caixa” Solidário (ver caixa), que este ano premiou 28 instituições — num total de €750 mil — pelo trabalho que desenvolvem junto das populações mais fragilizadas e em risco de exclusão social. Os €11 mil vão permitir à Aproximar aumentar a sua bolsa de voluntários e incrementar a resposta junto dos mais marginalizados. “Para a população reclusa, encontrar um emprego é fundamental no seu processo de reinserção social”, explica Rita Lourenço, adjunta da direção e coordenadora do departamento para o sistema de justiça criminal.

O problema passa muitas vezes pela gestão de expectativas. Porém, tal só se coloca ao fim de algumas sessões, porque habitualmente as primeiras são passadas quase em silêncio. “Têm vergonha, sentem um estigma. Muitos saem e querem ter uma família, uma companheira, alguém que esteja em casa quando chegam do trabalho. Procuram as pessoas que lhes faltaram durante o cumprimento da pena”, diz a mentora Alexandra Gomes, explicando ser necessário criar confiança com os seus “mentorandos” para melhor trabalhar os desafios que enfrentam. “Uma abordagem neutra e construtiva, sem opiniões pessoais do mentor, é dos primeiros passos para uma reinserção bem sucedida.”

Em tempo de pandemia, de crise económica e de grandes incertezas, o trabalho desenvolvido pelas instituições de solidariedade tem sido decisivo para o acompanhamento dos mais fragilizados. “Fruto da experiência com a troika, as instituições nunca deixaram de apoiar as pessoas mais carenciadas. Isso foi evidente durante esse período e ao longo do processo de recuperação económica. As instituições nunca desmontaram os seus apoios”, diz ao Expresso o provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, António Tavares. “Há crise, mas o sector da economia social nunca voltou as costas às pessoas.”

Exemplo disso é o trabalho desenvolvido pela Associação Famílias Solidárias de Oeiras (AFSO). Tal como outras instituições, surgiu nos tempos da crise de 2013, formada por um grupo de voluntários decididos a apoiar uma classe média em queda livre. “Muitas famílias tinham estado empregadas um ano antes da crise, com bens e declaração de IRS que as impossibilitava de recorrer a ajudas nas instituições que estavam no terreno”, afirma a vice-presidente da AFSO, Sónia Vicente, lembrando os primeiros anos da instituição particular de solidariedade social (IPSS).

O modelo de apoio tem sido replicado neste tempo de pandemia. “Ao contrário de outras instituições, que recebem bens do desperdício alimentar e distribuem, o nosso projeto é de voluntariado e desafia os vizinhos a apoiar as famílias em dificuldades. São eles que contribuem com alimentos, produtos e dinheiro, que são convertidos em cabazes, entregues mensalmente aos mais carenciados. Trata-se, sobretudo, de motivar a sociedade civil a apoiar quem mais precisa, muitas vezes de forma anónima.”

“Temos dois tipos de apoios: a famílias que sabemos quem são ou em regime de anonimato. Aqui entram aqueles agregados que fazem parte da pobreza envergonhada. Apenas a assistente de família sabe quem são, e mesmo o pessoal do armazém só conhece a tipologia da família, porque os nossos cabazes são personalizados. Se houver, por exemplo, um diabético, os produtos fornecidos são sem açúcar”, explica a vice-presidente da AFSO, que todos os meses apoia cerca de 20 famílias, contando com a colaboração de 250 famílias e com o trabalho de 80 voluntários. A pandemia alterou algumas das condições de trabalho, reduziu a equipa, mas as entregas de cabazes continuaram: as famílias apoiadas passaram a recebê-los à porta de casa.

ENSINAR A PESCAR TRABALHO

Associação luta pela igualdade de género na vida familiar e profissional

É com uma variante do velho provérbio chinês que Margarida Côrte-Real resume o trabalho da Vida Norte, uma das associações contemplada com o Prémio BPI “La Caixa” Solidário. “Damos a cana e ensinamos a pescar”, avança a coordenadora técnica da instituição.

Foi graças ao projeto Escola com Vida que a IPSS sediada no Porto recebeu €27 mil para apoiar e capacitar jovens mães ou grávidas e pais com filhos pequenos a regressarem ao mercado de trabalho. O programa tem duas componentes: desenvolvimento de competências para o emprego e valorização pessoal, mas também sensibilização dos potenciais empregadores. “Uma mulher grávida ou que tenha sido mãe recentemente é encarada como alguém com uma limitação, fecham-lhe as portas. Por isso vamos diretamente às empresas, no âmbito da sua responsabilidade social, para darem uma oportunidade e olharem para estes trabalhadores como uma mais-valia.”

Nesse sentido, o projeto da Vida Norte passa também pela sensibilização dos equipamentos infantis privados, para abertura de vagas mais económicas que permitam dar retaguarda aos pais. Muitos dos casos são mulheres grávidas, entre os 25 e os 35 anos, desempregadas e sem recursos, ou famílias monoparentais, que espelham alguns dos grupos mais vulneráveis. A estes, António Tavares, provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, acrescenta as crianças e os idosos. “São dos principais grupos em risco de exclusão social.”

No que respeita aos apoios, remata o provedor, “o Estado tem reagido mais do que agido. Nesta fase já devia haver uma estratégia para o sector até março”.

VALORES SOCIAIS

5647
é o número de IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) ativas em Portugal. A economia social representa 6% do emprego remunerado no país

40%
é a percentagem de técnicos e diretores das IPSS portuguesas que sofrem de cansaço extremo, segundo um estudo realizado pela Associação Nacional de Gerontologia Social

Textos originalmente publicados no Expresso de 3 de outubro de 2020