Projetos Expresso. Igualdade. Entre os desempregados e os trabalhadores na linha da frente do combate à pandemia, elas são a maioria. “Nenhuma crise é neutra do ponto de vista do género”, alerta Sandra Ribeiro
A distância histórica encarregar-se-á da análise científica sobre o período que muitos qualificam como “sem precedentes”, mas não é preciso esperar pelo passar dos anos para confirmar os efeitos desiguais da crise pandémica. Do emprego à igualdade social, a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) não tem dúvidas de que as mulheres são o grupo mais afetado, ameaçando as conquistas das últimas décadas e o futuro da paridade. “Seria muito triste que todos os progressos que conseguimos fazer nos últimos anos tivessem agora um retrocesso”, diz Sandra Ribeiro. A nova presidente da CIG — que falava durante o evento anual do Programa Operacional Inclusão Social e Emprego (PO ISE), organizado em parceria com o Expresso — teme as consequências associadas ao desemprego no feminino, ao papel da mulher na família e à igualdade de oportunidades.
Os receios de Sandra Ribeiro são justificados com a análise aos números do mercado de trabalho em Portugal — em outubro, a taxa de desemprego nacional fixou-se em 7,5%, sendo que entre as mulheres foi de 7,8% e, nos homens, de 7,2%. A responsável explica a diferença com o impacto económico, que tem prejudicado sobretudo “sectores muito feminizados”, como o comércio ou o turismo. Por outro lado, defende, a “segregação profissional” que, historicamente, empurra os homens para as áreas das engenharias e as mulheres para as ciências sociais, e torna as trabalhadoras mais expostas aos riscos da pandemia. “São mais as mulheres em situação de risco de contágio da covid-19 e também quem está a trabalhar mais do que o normal”, afirma. É o caso das operacionais de lares e hospitais, por exemplo, que “depois chegam a casa e continuam a ter de fazer as tarefas domésticas”. O risco do aumento da desigualdade entre géneros é real e tem eco na Organização das Nações Unidas (ONU), que, em outubro e através de António Guterres, alertou que “a covid-19 pode eliminar uma geração de progresso”.
Formação contínua é a chave
Para o evitar, a presidente da CIG diz ser fundamental antecipar as repercussões da pandemia e atuar com eficácia para as minimizar, algo que pode ser feito com a ajuda do Fundo Social Europeu (FSE). “Em particular para a igualdade no mercado de trabalho, na educação e formação e no combate à violência doméstica, o FSE tem sido importantíssimo”, revela Sandra Ribeiro. O apoio financeiro da União Europeia ao PO ISE, no valor de €2,5 mil milhões desde 2014, permitiu ao país avançar não apenas neste campo. Domingos Lopes, responsável pelo programa, mostra-se orgulhoso do caminho percorrido e nos quase quatro mil projetos apoiados em quatro eixos prioritários — sustentabilidade e qualidade do emprego; emprego jovem; inclusão social, combate à pobreza e exclusão social; e garantia de assistência técnica.
O desafio atual, diz, é “manter o apoio aos grupos mais desfavorecidos, seja às minorias, aos migrantes ou nas questões de igualdade de género”, assim como aos mais novos, outro dos segmentos da sociedade especialmente afetados pela crise pandémica. Ana Coelho, vogal do Conselho de Administração do IEFP, revela que, entre pessoas com ensino secundário ou superior até aos 34 anos, “o aumento [do desemprego] rondou os 63%”. É, refere, um sinal “assustador”, porque “é sangue novo que tem de estar a operar na economia” para a recuperação pós-covid e que está, neste momento, afastado do mercado. Para Ana Mendes Godinho, o caminho para diminuir as desigualdades sociais deve passar pela aposta na formação, que considera “fundamental” na criação de oportunidades iguais para todos. “A pandemia mostrou o quanto temos de acelerar na reconversão das pessoas para aceder a um novo mercado de trabalho de revolução tecnológica”, defendeu a ministra do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social durante o evento do PO ISE. Ana Vieira, da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), concorda e defende que “ter um curso não basta, precisamos de ter qualificações e apostar muito naquilo que são as soft skills, mais orientadas para a criatividade e inovação”.
No campo da reconversão profissional, o FSE tem um papel essencial que se deverá manter no próximo quadro comunitário de apoio, entretanto aprovado pelos Estados-membros. O IEFP está a trabalhar para ajudar neste processo, permitindo que “jovens que estavam em sectores mais afetados pela crise possam ter competências para se inserirem noutros sectores”, explica Ana Coelho. A responsável admite, contudo, ser preciso adaptar mais rapidamente as formações disponíveis às exigências do mercado de trabalho. No entanto, aponta o investimento para a “formação em áreas emergentes como a economia do mar, economia verde e áreas sociais” como parte do caminho a seguir na preparação dos trabalhadores do futuro. “Apoios à qualificação e formação profissional terão de continuar a ser uma prioridade para recuperar o atraso histórico da qualificação da população ativa portuguesa”, remata Domingos Lopes.
POBREZA
25%
é a parcela das verbas do Fundo Social Europeu que terão de ser aplicadas no combate à pobreza no próximo quadro comunitário
500
mil pessoas deixaram de estar em risco de pobreza com as medidas financiadas pelo PO ISE. Meta inicial até 2023 previa a redução de 200 mil pessoas
1
milhão é o número de pessoas abrangidas por, pelo menos, uma medida de apoio do PO ISE desde o início do programa, em 2014
O QUE DIZEM
“Conseguimos reforçar a missão desempenhada pelo PO ISE enquanto instrumento fundamental nas políticas associadas ao emprego e à inclusão social”
Domingos Lopes
Presidente do Programa Operacional Inclusão Social e Emprego
“O desafio é aproveitar os recursos o melhor possível, aplicando nos instrumentos verdadeiramente transformadores: as qualificações, a formação, a capacidade de empregabilidade”
Ana Mendes Godinho
Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social
“O Fundo Social Europeu tem sido fundamental para a igualdade de género”
Sandra Ribeiro
Presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género
Textos originalmente publicados no Expresso de 18 de dezembro de 2020