Por Notícias ao Minuto
O ano arrancou com um inédito excedente orçamental em democracia, mas bastaram pouco meses para que uma realidade de "novos pobres" criados pela pandemia de covid-19 transformasse o saldo positivo das contas públicas numa memória do passado.
O Orçamento do Estado para 2020 foi aprovado já em janeiro, com um inédito excedente orçamental de 0,2% num país habituado a ter as contas no "vermelho".
Mas a pandemia que chegou a Portugal em março comprometeu de imediato o breve alívio financeiro, ao afetar diretamente a principal causa do saldo positivo: o turismo. Apenas uma semana depois de serem conhecidos os dois primeiros casos de infeção confirmada no país, o Algarve já registava 60% de cancelamentos de reservas em hotéis, dando início à maior crise no setor hoteleiro e da restauração de que há memória.
Com hotéis e restaurantes a fechar, a taxa de desemprego, que registava os valores mais baixos em muitos anos e acabava de deixar para trás máximos da crise financeira do início da década que trouxe a 'troika' pela terceira vez a Portugal, voltou a disparar e nos centros de emprego: só em março, registaram-se 53 mil novos desempregados.
Um mês depois, os números de pedidos de ajuda ao Banco Alimentar contra a Fome mostravam como o emprego em Portugal, assim como a vida de muitas famílias, estavam "presos por arames": cerca de 12 mil pedidos de ajuda que representavam um universo de quase 60 mil pessoas a entrar em situação de pobreza e a necessitar de ajuda, algo que muitos nunca imaginariam que lhes aconteceria.
Nem mesmo Isabel Jonet, que garantiu nunca ter visto nada assim em 27 anos de trabalho à frente do Banco Alimentar, com pessoas de classe média e uma vida organizada a, de repente, perderem todos os rendimentos e a capacidade de fazer face a despesas básicas.
Uma situação de tal forma grave e inédita que o Banco Alimentar criou uma Rede de Emergência logo no início da pandemia para dar resposta ao número excecional de pedidos de ajuda.
As notícias de filas à porta de associações, organizações não-governamentais, instituições católicas ou mesquitas para pedir assistência alimentar sucediam-se, tornando também visível o impacto na população imigrante, mais sujeita a trabalhos precários de baixos salários e sem qualquer rede de apoio. O Governo decidiu legalizar temporariamente todos os imigrantes com pedidos de autorização de residência submetidos, garantindo mais direitos e proteção a estas pessoas.
Em maio, no Palácio de Belém, em audiência com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a presidente do Banco Alimentar contra a Fome e o Presidente da Caritas Portuguesa, Eugénio Fonseca, manifestaram a sua preocupação com a duração da crise social e com a necessidade de serem mantidos apoios que garantissem o mínimo de recursos e dignidade às famílias.
Por esta altura a Cáritas já dava conta que as linhas de apoio financeiro de mais de 100 mil euros criadas para dar resposta a 48 mil novos pedidos não iam cumprir o objetivo de chegar até junho.
Os números oficiais iam revelando o avolumar da crise. Até abril as contas públicas sofreram um impacto de 680 milhões de euros. A meio de junho, o Estado já tinha gastado com apoios excecionais no âmbito da pandemia 778 milhões de euros, que abrangiam 1,2 milhões de pessoas e 144 mil empresas.
O verão permitiu recuperar algum turismo e atividade hoteleira, que ajudou a atenuar a situação de algumas famílias, mas o Banco Alimentar, que notou a quebra nos pedidos de ajuda nos meses quentes, notou também a recuperação nos meses seguintes, ainda que em níveis mais baixos do que os de março e abril.
A esperança de pessoas, empresas e instituições de apoio social reside agora na chamada "bazuca" europeia, contando com os milhões em fundos comunitários para salvar empregos e recuperar a economia.