Tiago Rodrigues Alves, in JN
Trabalhadores do sexo continuam a ter de lidar com discriminação, abandono e isolamento
Há violências que não são vistas mas que magoam tanto ou mais que um murro. Aos estigmas associados à diferença - da profissão, da orientação sexual, da pobreza ou da identidade -, os trabalhadores do sexo têm agora também de lidar com a violência da pandemia e de um maior isolamento social.
Hoje é o Dia Internacional Contra a Violência sobre os Trabalhadores do Sexo. Não há números, pois nem a PSP nem a GNR tipificam crimes com estas vítimas. Quem conhece o meio admite que muitas vezes, por medo, as queixas ficam por apresentar. Porém, não haverá um problema específico grave, dizem. Mais preocupantes são as violências invisíveis: a discriminação, o isolamento e o abandono. "Há sempre uma grande dose de violência associada à diferença. A sociedade lida muito mal com a diversidade", considera Jorge Martins, coordenador do Espaço Pessoa, que desde 1997 presta apoio a centenas de trabalhadores do sexo a partir do Porto.
São pessoas em situações de grande vulnerabilidade económica, estrutural e social. Uma fragilidade que aumentou com a pandemia. "Num primeiro momento foi pacífico. Fecharam as pensões, as saunas e quem estava na rua recolheu-se". As mais velhas, acima de 50 anos, recolheram-se. As mais novas nem tanto. "Com o tempo, a necessidade ultrapassou os medos. Como a operária que vai para a fábrica, continuam a fazer sexo comercial. Sabem que correm riscos, mas precisam de dinheiro".
MAIS ESTRANGEIRAS NA RUA
Recentemente apareceram mais estrangeiras na rua, vindas do Brasil, Colômbia ou Venezuela. "Vieram a reboque desse milagre português que lhes venderam, mas que não aconteceu", afirma Jorge.
Com o confinamento e o fecho de muitos centros de apoio desapareceu a partilha e o convívio, a única dimensão de humanidade para muitos. "É a violência do isolamento. Tudo ficou mais negro. Neste contexto, que já era sombrio e escondido, piorou tudo".
Há menos clientes e os efeitos sentem-se. Antes era raro aceitarem kits de comida. "Dê aos sem-abrigo que precisam mais", explicavam quando eram abordadas por Jorge nas rondas. Agora não é assim. Quando o carro pára são elas que perguntam: "Não tem para aí nada que se coma?"